Paulo Egydio preparava-se para assumir a presidência do Conselho do banco, quando foi informado que não tinha vaga para ele.
Desde meus tempos de Veja, passei a acompanhar as disputas societárias em torno do Banco do Commercio e Indústria de São Paulo, o Comind. Em parte porque meu primeiro sogro, José Ferreira de Aguirre, foi o primeiro gerente regional do banco, desbravando a região de Londrina, antes de ser transferido para São João da Boa Vista, onde conheci minha primeira esposa.
Depois, porque era uma guerra sem quartel envolvendo os maiores empresários de São Paulo, em torno do controle de uma das grandes sociedades anônimas da época.
Em uma ponta estava Charlô, o Carlos Eduardo Quartim Barbosa, filho do grande ex-presidente do banco, Teodoro Quartim Barbosa. Era assessorado por Paulo Gavião Gonzaga, um executivo ladino. Ambos conseguiram montar uma holding que controlava o banco, um dos primeiros trabalhos do advogado comercialista Fábio Konder Comparato. O terceiro participante da holding era o então governador de São Paulo, Paulo Egydio Marins.
Na outra ponta, estava Antonio Ermírio de Moraes e outros grandões que ficaram de fora do bloco de controle..
Na Editora Abril, não houve maneira de publicar a reportagem. Quando fui para o Jornal da Tarde, também tentei inutilmente publicar, mas envolvia o centro do poder quatrocentão, do qual os Mesquita eram parte integrante..
Lembro-me de um debate que propus ao Jornal da Tarde, de organizar no Restaurante Franciscano, ponto de encontro dos acadêmicos do 11 de agosto, o evento “30 anos depois”. A ideia era juntar lideranças estudantis de 30 anos atrás, cada qual com um destino diferente, em função do golpe de 1964.
Na ala direita, Paulo Egydio, ainda governador e que chegou a ser candidato à presidência da UNE (União Nacional dos Estudantes), o próprio Ruy Mesquita, a pedido do filho Ruyzito. Na ala esquerda, Rogê Ferreira, deputado cassado, autor da famosa cusparada na cara de Auro de Moura Andrade, na sessão que determinou o afastamento de Jango. Também Roberto Gusmão, mentor intelectual da chapa Jan-Jan (Jânio-Jango), expulso da política e que se tornara alto executivo da Antártica. Veio também Fernando Pedreira, diretor de redação do Estadão, antiga liderança de esquerda. Chamou-me a atenção a extrema preocupação que tinha em expor suas ideias. A conversa foi gravada, com Ruyzito no comando do gravador.
O problema é que a bebida corria solta. Bebia Paulo Egydio, bebia Ruy Mesquita, bebia a ala esquerda e bebia o repórter aqui, embalado pelo chopp do Franciscano. A certa altura do debate, enquanto Paulo Egydio, de pé, fazia um discurso, dirige-me ao Ruy Mesquita. Paulo Egydio estava entre nós.
- Dr. Ruy, autoriza a publicação da minha reportagem sobre o Comind!
Paulo Egydio ouviu um pedaço da minha frase e armou um discurso apoplético contra insinuações. Rebati que não havia feito insinuação alguma. E ele, bravo como um udenista:
- Não tenho o que esconder.
E eu rebatendo do meu lado, ambos embalados pelo chopp do Franciscano, enquanto Ruizito se escabelava, pedindo para parar. Mas eu tinha muita informação e não resisti:
- Então explica suas operações com Petrobras em parceria com Ralph Rozenberg.
Ele bufava uma resposta qualquer:
– E o grampo do Sawaia que flagrou a conversa com o desembargador.
De fato, havia um Sawaia, parente do Fernão Bracher, que trabalhava para o SNI e grampeara uma conversa de suborno a um desembargador. O dinheiro seria depositado no banco da família Papa.
Enfim, foi um quiproquó para ninguém botar defeito. Quando terminou o bate-boca, a reunião continuou. Na saída do restaurante, um Paulo Egydio amável e educado veio se despedir de mim, como se nada tivesse acontecido. Aí me toquei que sua retorica, no restaurante, era apenas jogo de cena.
A reportagem só foi publicada algum tempo depois, na Folha, contando tudo. Na segunda-feira, Charlô e Gavião Gonzaga foram até o jornal, para uma reunião com Frias. A partir da semana seguinte, a coluna Dinheiro Vivo trazia um belo rodapé do Banco do Commércio e Indústria de Sáo Paulo.
E quase me esqueço de contar o desfecho da história.
Ainda no governo, Paulo Egydio foi o principal estrategista dos tombos que Charlô aplicava nos demais sócios, especialmente Antonio Ermírio. Mas, como governador, não poderia movimentar as ações, por isso deixou-a sob os cuidados do amigo.
Terminado o governo, Paulo Egydio preparava-se para assumir a presidência do Conselho do banco, quando foi informado que não tinha vaga para ele. O amigo ficou com as ações de Paulo Egydio, mas não o deixou de mãos abanando: presenteou-o com um belo cavalo branco.
A partir daí, Paulo Egydio resolveu se aliar a Antonio Ermírio – deixando para o industrial bancar os honorários de advogados. De posse da fita de Sawaia, levou-a até Antonio Ermírio. Este, depois de ter sido passado para trás em tantas ocasiões pelo próprio Paulo Egydio, resolveu dar o troco. Pegou a fita, foi até Charlô e ameaçou divulgá-la, se ele não adquirisse sua parte no banco por um valor justo.
Charlô cedeu
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)