O curioso na história é que, provavelmente, Gaspari já sabia, na época de todas as armações de militares contra Tancredo.
Lendo o artigo de Elio Gaspari sobre a maneira como os militares tentaram boicotar a campanha de Tancredo Neves à presidência – “De Tancredo.Neves para Lula@PT”, , me veio à memória um episódio curioso.
Assumi a Secretaria de Redação da Folha quase por imposição. A coluna Dinheiro Vivo tinha pegado, tornara-se a mais lida da economia. Meu programa “Cash”, na TV Gazeta tinha boa penetração no mercado. Até que o então Secretário de Redação Caio Túlio me procurou com um recado curioso. Otávio Frias Filho estava sendo preparado para assumir a direção editorial, no lugar de Boris Casoy – colocado no cargo apenas para aliviar a barra da Folha com os militares. Eram novos tempos, a ditadura começava a se esgarçar, a Folha havia desfraldado a bandeira das diretas e era hora de interromper o interinato de Boris.
Mas Otavinho impusera uma condição: que eu assumisse como Secretário de Redação. E, até então, eu jamais tivera sequer uma conversa pessoal com ele.
A coluna conseguira uma boa repercussão com ações em defesa dos mutuários e dos aposentados. Ponderei que minha ida para a Secretaria prejudicaria os trabalhos. Mas não houve jeito. Prometeram-me dois repórteres para ajudar no dia a dia da coluna. E impuseram a condição era a de que eu pedisse demissão da diretoria do Sindicato dos Jornalistas. Pouco antes, houve um acordo entre a esquerda independente e o PT para eleger a diretoria. Do lado independente fomos eu e o Joelmir Betting. Fui até o Sindicato e a diretoria recomendou que eu não pedisse demissão. Coloquei a questão para a Folha, que aceitou minha continuação no sindicato.
Meu cargo era de Secretário de Produção. Reunia-me toda manhã com pauteiros das editorias para discutir a edição do dia. E, nos finais de semana, revezava com o Caio Tulio – Secretário de Redação da noite – para fechar a edição.
No meu primeiro fechamento, falou mais alto a impetuosidade dos inexperientes. A candidatura de Tancredo Neves crescia, reduzindo as possibilidades das candidaturas de Paulo Maluf e Mário Andreazza, o candidato de Golbery do Couto e Silva.
Aí, no sábado sai a edição da Veja com uma entrevista em Páginas Amarelas com o próprio Golbery, feita por Gaspari. Era a primeira vez que Golbery se expunha. Antes, todas suas mensagens eram transmitidas sem menção à fonte pelo próprio Gaspari, o grande porta-voz do grupo militar na mídia. Agora, com o regime fazendo água, o próprio Golbery saía das sombras para uma entrevista em on. Sem espaço para as matérias pró-Golbery, a única alternativa era o fato jornalístico da entrevista pessoal com o ”mago”.
Gaspari tinha uma extensa lista de serviços prestados à ditadura, como a divulgação das fotos da esposa de um dos principais senadores da oposição em um motel com outra liderança oposicionista, cena fotografada pelo SNI. E outra denúncia sobre a esposa de outgro senador de oposição, cleptomaníaca. Praticava um jogo pesado de defesa da ditadura e contra a oposição..
Decidi, então, por conta própria, sem consultar os Frias, rebater a entrevista. Pautei os repórteres, escrevi o texto final e as manchetes da página e da primeira página.
Lembrava como Gaspari fez a campanha pró-João Batista Figueiredo, apresentando-o como intelectual, tríplice coroado, grande matemático. A ilustração era um Golbery pequeno projetando uma enorme sombra, para ilustrar o título, que dizia que Golbery era muito menor que a sombra que projetava. Foi a manchete principal do jornal.
Na segunda-feira de manhã fui chamado à sala de Frias pai, na presença dele e de Frias, filho. Diria que, pela gravidade do episódio, ambos foram compreensivos. Me disseram que havia temas que, antes de entrar, eles teriam que ser consultados. Estavam cobertos de razão e me desculpei pela imprudência. Mas no domingo e na segunda o jornal foi inundado por telegramas de apoio.
Comentei com eles que, de um lado, estavam cobertos de razão em relação à minha imprudência. Mas, de outro, o episódio comprovava que a Folha já fazia parte do primeiro time da imprensa, ombreando-se com Veja e o Jornal Nacional que, até então, eram absolutos como formadores de opinião na mídia.
De fato, a Folha iniciara sua caminhada com a campanha nas diretas que, nas décadas seguintes, a transformaria no mais influente veículo de mídia brasileiro. Agora, rompera definitivamente com o complexo de inferioridade em relação aos demais veículos.
O curioso na história é que, provavelmente, Gaspari já sabia, na época de todas as armações de militares contra Tancredo. De qualquer modo, quando a candidatura de Maluf expulsou Andreazza da parada, a própria revista aderiu à Nova República.
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LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)