Qual Carlos Lacerda era retratado na “Boate do Ali Babá” dos anos 60, na extinta TV Tupi*, o presidente Jair Bolsonaro chegou à conclusão de que é melhor para seduzir o eleitor ser oposição do que governo. Só isso explica sua obsessão de querer passar por cima da decisão do Conselho de Administração da Petrobras que, seguindo a Lei das Estatais e a reformulação de suas regras de “compliance”, após os malfeitos descobertos na Lava-Jato, rejeitou a indicação de Jônathas Castro, que é o vice da Casa Civil, e do procurador geral da Fazenda Nacional, Ricardo Silveira de Alencar.
Apesar de o presidente da Petrobras, Caio Paes de Andrade, e os ministros das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, e da Economia, Paulo Guedes, de quem os dois nomes citados eram Secretários, reconhecerem que as regras internas da Petrobras seguem valendo, o presidente Bolsonaro e seus assessores de campanha se convenceram de que seguir demonizando a Petrobras pode render votos, e resolveram – conforme nota do MME distribuída na noite de quarta-feira, 20 de julho, indicando que não entendia da mesma forma que o Comitê de Elegibilidade da estatal – insistir na indicação do vice da Casa Civil, Jônathas Castro, e do procurador da Fazenda Nacional, Ricardo Alencar.
Queda de braços
Na segunda-feira, 18 de julho, a Petrobras distribuiu Fato Relevante informando que “em reunião extraordinária seu Conselho de Administração (CA), em sessão com a participação apenas de seus membros que não foram indicados para nova eleição, validou integralmente as análises do Comitê de Elegibilidade (CELEG) em relação aos candidatos indicados pelo acionista controlador e pelos acionistas minoritários para o CA da companhia, conforme ata da reunião do CELEG de 13/07/2022, bem como, por maioria, a análise feita pelo CELEG na reunião de 24/06/2022 do Comitê”.
O Comunicado assinala ainda que “o CA deliberou também, com a participação de todos os seus membros, por maioria, sobre a convocação de Assembleia Geral Extraordinária, a ser realizada em 19/08/2022. O edital de convocação e o manual para participação na Assembleia serão divulgados ao mercado amanhã. Fatos julgados relevantes sobre o tema serão tempestivamente divulgados ao mercado”.
Para o grupo liderado pelo ministro da Economia, que agora dita as cartas na Petrobras e na área de Minas e Energia, o Celeg estava correto em apontar os impedimentos de Jônathas Castro, que como vice da Casa Civil pode assumir o cargo que co-exerce com o ministro Ciro Nogueira (senador licenciado peplo PP-PI), e do procurador Ricardo Alencar. Como disse um dos membros do Conselho, “ele não pode servir a dois senhores se quiser assumir vaga no Conselho de Administração da Petrobras, que tem demanda fiscais de R$ 110 bilhões contra a Fazenda Nacional, tem de renunciar ao cargo de procurador”.
Bolsonaro, que com um tratoraço no Congresso, com ajuda do presidente da Câmara, Arthur Lira, passou por cima da Constituição, da Lei de Responsabilidade Fiscal, a legislação eleitoral e o teto de gastos, agora acha que poder ignorar os óbices da Lei das Estatais e decidiu insistir na queda de braços com a Petrobras que julga render dividendos eleitorais.
Assim, antes da decisão da AGE de 19 de agosto, uma fonte com assento no Conselho da Petrobras considera que “haverá pedidos de investidores ou até do Ministério Público para que a Comissão de Valores Mobiliários (que é o xerife do mercado de capitais brasileiro) e a Securities Exchange Comission (órgão fiscalizador do mercado de capitais dos Estados Unidos, onde a empresa tem ações negociadas) definam o conflito de interesses.
Para o conselheiro, é evidente que a CVM (que recentemente trocou a direção) e a SEC vão concluir que “a raposa não pode tomar conta do galinheiro”. Este foi o espírito das mudanças radicais promovidas, em 2016 e 2017, para evitar a repetição das interferências governamentais no controle de preços que trouxeram prejuízos bilionários no governo Dilma”.
Pelo mesmo motivo (conflito de interesses), lembra a mesma fonte, altos executivos de petróleo, recrutados por empresas de “head hunters”, desistiram do convite em anos recentes, quando o Celeg exigiu que se desligassem de atividades privadas com possíveis conflitos de interesses ante os amplos negócios da Petrobras”, em menção direta ao Procurador Geral da Fazenda Nacional. Foi esse o motivo que levou o consultor Adriano Pires a desistir de sua indicação à presidência da Petrobras em abril, vaga ocupada por José Mauro Coelho, sucedido por Caio Paes de Andrade.
Tentativa de surfar na marola
A batalha de Bolsonaro tem o objetivo claro de fazer marola política a seu favor. Como a AGE para aprovar a indicação dos conselheiros será em 19 de agosto, caso não surjam objeções, seus mandatos teriam pouco mais de três meses, se Bolsonaro não for reeleito, pois rodariam num governo Lula.
Por sinal, na véspera (18 de agosto), o governo começaria a pagar o Auxilio Brasil de R$ 600, que Bolsonaro acredita ser um grande trunfo para reverter o voto do eleitor pró Lula. O governo não conseguiu liberar nada em julho. Resta saber se o calendário de desembolsos reservará duas outras liberações até 2 de outubro, na votação do primeiro turno.
Mas assim como Bolsonaro desvalorizou o Brasil ao convocar embaixadores para destilar inverdades sobre o processo eleitoral brasileiro, está na campanha procurando se desvincular de qualquer responsabilidade pela inflação. E os combustíveis, por seu apelo fácil, são o alvo das munições de Bolsonaro, que atingem os governadores (com a redução do ICMS, para provar que ele estava “certo” em culpá-los, em parte, pela escalada dos preços nas bombas, e a própria Petrobras. Muito mais difícil é explicar por que a alimentação é tão cara e inacessível para muitos no “país celeiro do mundo”.
Alimentos sobem no atacado
Por sinal, este mês os produtos agropecuários inverteram o sinal e estão subindo 0,19%, após queda de 0,67% em junho. O movimento foi puxado principalmente pela pecuária (5,27% ante -0,72%), com o avanço dos bovinos (4,23% ante -3,44%), leite “in natura” (11,66% ante 5,94%) e suínos (14,71% ante -10,60%). Houve quedas em commodities: algodão (-11,96% ante 2,97%), milho (-4,28% ante -1,17%) e soja (-1,90% ante -1,37%), que suavizaram a alta do grupo.
Os produtos industriais também continuaram a acelerar-se, de 0,56% para 0,64%, ainda impulsionados pelos produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (6,91% ante 2,46%), bem como pelos produtos alimentícios (1,96% ante -1,08%).
Os preços ao consumidor cederam de 0,66% para 0,19%, com o efeito das reduções de ICMS sobre os combustíveis – gasolina (-2,39% ante -0,31%) e etanol (-8,33% ante -6,22%) – e a tarifa de eletricidade residencial (-2,25% ante -0,36%). No mesmo sentido, passagem aérea recuou de 12,15% para 3,77%. Por outro lado, Alimentação (1,23% ante 0,52%) acelerou-se na passagem do mês, destacando-se o encarecimento do leite tipo longa vida (17,82% ante 4,12%) e das frutas (5,26% ante -3,66%).
GILBERTO MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)