O ESPLENDOR DOS BRENNAND DE RECIFE

Recife é mesmo principal, como afirmava meu querido e saudoso amigo pernambucano Duda Guennes (1937 – 2011), em nossas caminhadas por Lisboa, madrugada adentro, entre copos e fados, nos atribulados anos que se seguiram à Revolução dos Cravos. É, acima de tudo, uma cidade de magníficos personagens, aliás, como o próprio Duda Guennes – que, para além da militância comunista, era, simultaneamente, colunista esportivo do jornal A Bola, mais popular dos diários portugueses, e cronista fait divers do bem-humorado semanário carioca Pasquim.

Profundamente lusitana, um dos símbolos da heroica Restauração de Portugal, ocorrida em 1640, Recife hospeda, no centro histórico, um exuberante Gabinete Português de Leitura – com uma biblioteca que contém as melhores obras publicadas nos últimos séculos na Metrópole. Mas, intrinsecamente, cosmopolita. Foram ali construídas, durante a presença holandesa (1630 – 1654), as duas primeiras pontes nas América e, no mesmo período, a primeira sinagoga no Novo Mundo – erguida pelos portugueses judeus trazidos para cá na administração do Conde Maurício de Nassau (1604 – 1679).

Recife é, inegavelmente, a matriz de grandes arrojamentos. E de homens de letras e artistas – que surgem, eventualmente, na mesma família e no mesmo bairro. Como o genial ceramista Francisco Brennand (1927 – 2019), cujas peças, algumas das quais fálicas, podem ser apreciadas em toda capital nassaviana, inclusive, ao cais do porto, diante do Marco Zero. Ou de mecenas generosos e universalistas, dedicados a preservar, em seus domínios, pedaços importantes da História, como Ricardo Brennand (1927 – 2020) – engenheiro de formação e industrial de sucesso no ramo de fabricação de cimento, vidro, cerâmica e porcelana. Ele foi um incansável colecionador – e o seu primo, um artista revolucionário.  

Ambos eram descendentes de antigos proprietários do Engenho São João, localizado nas terras recifenses do bairro da Várzea, na região Oeste, entre Caxangá e Camaragibe, próximo à Cidade Universitária e à sede da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste).

Possuem o mesmo sobrenome afrancesado. E, no entanto, era inglês, de Manchester, o antepassado deles, Edward Brennand, que chegou a Pernambuco, em 1820, para trabalhar numa ferrovia construída pelos britânicos. Os dois valiosos acervos são separados pelas águas do inspirador Rio Capibaribe. Na margem esquerda, se encontra a Oficina Cerâmica Francisco Brennand, e, na direita, o Instituto Ricardo Brennand – conhecido também como Castelo de Brennand. Admiro, igualmente, o legado dos dois. Apareço, aliás, na foto que ilustra a coluna, ao lado do busto de Francisco Brennand.

São tão ‘principais’, para mim, quanto as fundações culturais que notabilizam o Estado e reverenciam dois extraordinários pernambucanos: o historiador e diplomata Joaquim Nabuco (1849 – 1910) e o sociólogo Gilberto Freyre (1900 – 1987), considerado o pai da Sociologia no País. Têm em comum a Oficina Brennand e o Castelo de Brennand, ademais do esplêndido acervo, o ar bucólico, que caracteriza a Várzea, e a preciosa cozinha de seus respectivos restaurantes – aos quais, minha esposa, Dona Andrea, e eu fomos levados em algumas ocasiões pelo querido casal de amigos, Elio Braz e Goretti Soares, entusiastas, como nós, de ementas que juntam sofisticadas receitas europeias com ingredientes da gastronomia nordestina. Muitas vezes, porém, exagerando no uso de coentro – herança lusitaníssima.  

Vale uma incursão à Várzea, ao visitar Recife, para conhecer o legado dos Brennand. São indeléveis marcas de uma cidade, que, estando ao centro da Restauração de Portugal, soube assimilar, no século XVII, os valores iluministas de Amsterdam.    

ALBINO DE CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL/ PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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