OS 40 ANOS DO JORNAL DO CARRO

Quando Estadão cometeu o crime jornalístico de popularizar e, depois, fechar o Jornal da Tarde, sobrou apenas o Jornal do Carro, como lembrança do mais criativo jornal brasileiro do seu tempo. 

Jornalistas do Jornal do Carro me convidam para uma chopada em comemoração aos 40 anos do jornal. O tempo passa rápido. 

Eu tinha dois anos de Jornal da Tarde. O editor de Economia, Kleber de Almeida, me convidou para assumir a pauta e a chefia da reportagem de Economia. O convite veio em boa hora, em 1979, pois a pressão de José Roberto Guzzo, diretor de redação da Veja, era pesada. Em outros momentos, tentou me afastar, mas um movimento de solidariedade da redação me segurou. Mas o subdiretor Sérgio Pompeu, que fazia contraponto à truculência de Guzzo, estava de saída. E, para seu lugar viria Elio Gaspari, ambicioso, mão pesada. Por isso, o convite veio no melhor momento. 

Pouco antes de sair da revista, fiz um curso de matemática financeira para calculadora, com o professor José Dutra Vieira Sobrinho. Fui ao Mappin, comprei uma calculadora Texas e constatei que não tinha memória suficiente para cálculos mais complexos. Troquei então por uma HP 45C. 

Pouco depois, apareceram os primeiros computadores pessoais, montados pela Dismac e pela Prológica. Juntei a poupança, comprei um Dismac e uma impressora Star. Não havia programas na época, a não ser um bem rústico, de texto. Para operar o micro, precisava aprender o Basic, linguagem de computador. Fiz um curso na Computique, primeira loja de microcomputadores de São Paulo, de propriedade do Ernesto Camelo, pai do futuro músico Marcelo Camelo. 

Meu primeiro desafio foi desbravar a matemática do sistema financeiro da habitação. Mas resolvi também testar o sistema em um programa comparando os carros a álcool com os carros a gasolina. Havia o custo do combustível, do IPVA, da manutenção e do automóvel usado. O único item negativo para o álcool era o preço do usado. Mas era questão de tempo. Como havia deslanchado a fabricação de veículos novos a álcool, para o próximo ano era óbvio que os preços dos usados se equivaleriam. 

A reportagem deu boa repercussão. Na época, procurei a revista Quatro Rodas, para saber se teriam interesse no programa que eu havia montado. Seus diretores eram o José Carlos Marão e o Eurico Andrade. Não mostraram interesse. 

Por aqueles dias, o Alcides Nogueira, que cuidava da seção de cartas do JT, me contou algo curioso. Chico Mesquita, herdeiro do lado administrativo da família, havia montado uma equipe de pesquisa, mas estava fazendo um curso no MIT e a equipe ficara ociosa. Quase 30 pesquisadores de mãos abanando. 

Na mesma hora bateu a ideia. A inflação mensal estava em 7% ao mês. A única tabela de veículos usados era da Quatro Rodas, montada da maneira mais amadora possível. Uma pessoa ia até a boca do lixo, local de negociação de carros usados, anotava os preços dos veículos. Ocorre que a tabela só era publicada dois meses depois, já que a Quatro Rodas era uma revista mensal. Ele então estimava de cabeça uma correção no preço. 

Se houvesse um levantamento semanal, de cara passaria a ser referência para bancos e seguradoras e, em seguida, para os consumidores. E o universo a ser pesquisado eram os classificados de jornais, muito mais confiáveis do que as informações da boca. 

O Alcides me levou até o andar de baixo, onde ficava a equipe de pesquisa. Lá, encontramos a diretora Adelia Franceeschini, muito acessível e interessada em encontrar uma tarefa para tirar a equipe da ociosidade. 

Contei o que tinha pensado, ela topou montar um piloto e desenvolver uma metodologia inicial – que consistia em levantar preços e em expurgar da média preços muito altos ou muito baixos. 

 O piloto já estava pronto quando Chico retornou do curso. Tivemos uma reunião, onde expliquei a lógica pensada. O sistema de computação do jornal – IBMs parrudos – montaria um sistema que permitiria não apenas calcular o preço médio de cada veículo como montar um índice de preços por montadora. Por conta própria, eu tinha ido à FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) da USP e combinei com o diretor Alexandre Berndt a montagem de indicadores de marca pelo instituto. Foi a semente da futura Tabela FIPE. 

Chico chamou o diretor de informática para a reunião e ele alegou que o sistema era muito complexo. Pedi um tempo, fui à redação, peguei meu computador e mostrei o programinha que havia montado para o projeto piloto, em Basic, de uma simplicidade franciscana. A provocação surtiu efeito e o departamento montou um baita sistema de tratamento dos dados. 

A única contrapartida que pedi foi um computador Prológica, com disquete.  Mas não consegui. 

O passo seguinte foi a negociação do caderno com a Redação. Antes, eu já tinha montado o projeto do Seu Dinheiro, que se tornou sucesso instantâneo do jornal. Mas o diretor Fernando Mitre passou a edição para meu colega e amigo Celso Ming. Eu não era considerado “da turma”. 

Na hora de montar o Jornal do Carro, Mitre passou a incumbência ao Bill Duncan, especializado na escola de diagramação do Jornal da Tarde. Fez um belo boneco. Mas não incluiu todos os pontos que eu havia sugerido. O principal deles era montar uma enorme rede de oficinas mecânicas, permitindo a cada usuário dar uma nota para o atendimento. O jornal se limitaria a divulgar as oficinas mais bem avaliadas. 

Com o boneco pronto, a edição foi passada para um jornalista especializado na matéria. Fui completamente afastado do jornal. Na verdade, carros nunca me interessaram, mas tinha um conjunto de ideias sobre indicadores, que acabaram se perdendo. 

Em pouco mais de um mês, o Jornal do carro passou a responder por 30% da publicidade do Jornal da Tarde, aumentando substancialmente a tiragem das terças-feiras. 

Tinha dado duas contribuições para o JT: o Seu Dinheiro, às segundas. O Jornal do Carro, às terças. Tinha outras ideias, para um caderno por dia. Havia espaço para um caderno de informática e para um de supermercados. Mas romper a inércia do jornal era excessivamente trabalhoso. E, por alguma razão, Mitre não abriria espaço para meu crescimento profissional. Acho que minha hiperatividade incomodava seu estilo. Seu grande papel, no jornal, era manter as rotinas e a paz interna, fazendo um bom meio de campo com os Mesquita. 

Sem espaço, decidi sair do jornal e aceitar o convite da Folha. O Jornal do Carro continuou sendo tocado por equipes sucessivas, que lograram manter sua qualidade. Quando Estadão cometeu o crime jornalístico de popularizar e, depois, fechar o Jornal da Tarde, sobrou apenas o Jornal do Carro, como lembrança do mais criativo jornal brasileiro do seu tempo. 

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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