O PETRÓLEO À LUZ DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

A petroleira precisa das refinarias como o homem precisa de oxigênio, contrariando as falas de nosso presidente.

Desde sempre o ser humano procurou o remédio que cura todas as doenças, a panaceia. Como a Economia é a ciência que estuda a saúde da vida material, é natural que alguns alquimistas do setor preguem a existência de uma panaceia econômica. A mão invisível de Adam Smith, com a crença de que a concorrência resolve tudo, é uma beberagem mítica capaz de viciar o público. Outra mezinha econômica muito viciante é a terceirização. Há pessoas que ficam tão deslumbradas com os argumentos do curandeiro que levam o conceito a diante, chegando à quarteirização. Essa ideia veio de um trabalho de Ronald Coase, economista britânico radicado nos Estados Unidos, publicado em 1937,  que procurou estudar o porquê de empresas hora produzirem internamente, hora delegarem parte de sua cadeia produtiva a terceiros, pondo e tirando participantes de sua cadeia de suprimentos. A isso ele deu o nome de “custo de transação”.

Quando se decide por produzir algo internamente, é preciso considerar outros custos que não o da produção em si, incluindo encargos sociais, pessoal envolvido com compras, controle de estoque etc. Quando se busca um fornecedor, é preciso considerar outros custos, que não o preço do produto. Contratar requer esforço, além do risco de o fornecedor não honrar cm as entregas e a linha ficar parada por isso. Há também o custo de controlar a qualidade do que chega, pois o fornecedor tende a minimizar custo e, se o comprador não ficar de olho, é a qualidade que se esvai.

Ocorre que, muitas vezes, o produtor pode adquirir fornecedores e clientes como parte de sua política de manutenção da posição perante o mercado. A indústria de automóveis, por exemplo, sabe que ao internalizar itens que antes eram comprados, garante o segredo de uma tecnologia. Quando esse saber torna-se público, ela terceiriza para obter ganhos de escala. A manutenção dos veículos vendidos é mais lucrativa que que a venda de novos, daí controlarem o sistema de distribuição via concessão de revendas, num sistema de franquia. Dessa forma, ela pode prender o consumidor a si, pelo menos, pelo período de garantia. Em outras palavras ter poder de monopsônio[1] perante seus fornecedores e poder de monopólio[2] em face de seus consumidores garante a permanência da empresa no mercado.

O petróleo tem uma das cadeias mais complexas entre todas as indústrias do mundo. O poder de monopsônio que ela detém perante seus fornecedores é indiscutível porque tudo o que ela consome para a extração depende das condições de cada poço em que o item será usado, tornando o ganho de escala discutível. Por outro lado, o pode de monopólio é pífio, se considerar-se o óleo cru somente, pois sua venda vai depender das condições específicas de cada refinador. Assim, é o refinador que exerce poder de monopsônio sobre o extrator de petróleo. A solução para isso é o minerador refinar seu próprio produto vendendo derivados, pois ele terá o poder de construir refinaria adequadas à matéria-prima que extrai. Além disso, para equalizar o peso do petróleo, a petroleira pode proteger-se de choque de preços, impondo um escambo, trocando, fisicamente, óleo pesado por leve e vice-versa. De qualquer forma, a petroleira precisa das refinarias como o homem precisa de oxigênio, contrariando as falas de nosso presidente.

Ocorre que derivados precisam ser distribuídos para chegarem ao consumidor e a constituição de uma distribuidora passa a ser vital para a petroleira, caso contrário, não poderá competir na ponta do varejo. Dominar a cadeia do poço ao posto é almejado por todas as petroleiras do mundo porque elas passam a ter o poder de balancear as margens do começo ao fim da cadeia, tornando-se competitivas e o país será tão mais competitivo quanto mais eficiente for sua disponibilidade de energia.

Ao vender-se a BR Distribuidora, quebrou-se a cadeia do poço ao posto, pois a adquirente passa a tratar a Petrobras como a um fornecedor qualquer. Se o combustível  estrangeiro tiver preço melhor, que se compre dele, limitando a margem das refinarias locais. Ao vender as refinarias, a Petrobras retrai-se ainda mais, ficando à mercê da equalização que se possa fazer com petróleo de outros lugares do mundo. Resumindo, a Petrobras já não tem o poder de ditar preços, a não ser nas refinarias que detém. Na medida em que ela aumenta o preço dos combustíveis, na verdade, induz as refinarias concorrentes a fazer o mesmo, constituindo um cartel. Assim, o problema do aumento do preço dos combustíveis não vem somente da PPI (paridade de preços internacionais) praticada pela Petrobras. Ele vem do desmantelamento da política do poço ao posto que foi implantada, paulatinamente, desde a constituição da empresa em 1954. A PPI não é nada além do saque que precede  uma pretensa privatização. Cada tostão distribuído em dividendos é um tostão não investido e distribuir o lucro em sua totalidade obstrui qualquer capacidade de investimento que tenha restado à empresa. Por todas essas causas, bem como por cada uma delas separadamente, a redução do ICMS não trará benefício algum à população, mas aumentará muito a margem do cartel em que esse mercado se transformou no brasil.


[1] Distorção de mercado em que há vários fornecedores para um só consumidor que, por causa disso, dita o preço.

[2] Distorção de mercado em que há somente um fornecedor para muitos consumidores, que ficam sujeitos ao preço ditado pelo nopolista.

LUIZ ALBERTO MELCHERT ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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