“Jean-Louis Trintignant foi um gigante num período cultural em que o cinema era um espaço nobre para o debate de ideias”, escreve Paulo Moreira Leite
Longe das produções fáceis do cinema água-com-açúcar, sempre rentável e sem compromissos com a existência humana, Trintignant empenhou seu talento de ator de primeira grandeza para fazer do cinema um espaço de debate de temas relevantes para homens e mulheres que se dispunham a gastar uns trocados na bilheteria.
Foi protagonista de Z, filme de Costa Gavras de 1969, onde denunciava o horror da ditadura erguida na Grécia por coronéis a serviço do governo dos Estados Unidos. Em 1970, ajudou a desvendar as entranhas do fascismo italiano, em O Conformista, de Bernardo Bertolucci.
Consagrado no fim de uma vida com mais de 120 filmes realizados e dezenas de prêmios recebidos, Trintignant parecia satisfeito com a rotina que escolhera para si — produzir vinhos de primeiríssima qualidade numa propriedade no interior da França. Mas não.
Retornou às telas em 2012, para o sucesso absoluto no filme Amor, que retrata o encontro afetivo de um casal de octogenários, que enfrentam as dores de uma vida capaz de prolongar-se mais do que a própria existência.
Nada a ver com as peripécias água com açúcar na guerra de idosos tipicamente hollywodiana entre Henry Fonda e Katherine Hepburn em Lago Dourado.O que se vê em Amor é uma história com dores e medos de verdade, num casal que não desistiu de uma entrega a sem limites — e nenhuma concessão além do afeto, como se vê na cena mais forte do filme, que não quero recordar aqui.
.Com direito a frequentar as melhores escolas de arte dramática de seu país, o prolongado sucesso de Jean-Louis Trintignant possui duas explicações. A primeira é uma técnica de representação, de um ator de cinema minimalista, que expressa as emoções em movimentos econômicos — no olhar, no tom de voz, em movimentos de cabeça, na respiração, no sorriso travado.
A outra razão é uma postura diante da vida. Ele foi capaz de enfrentar e vencer passagens terríveis que poderiam derrubar a maioria das pessoas. Perdeu duas filhas, uma delas massacrada por um marido roqueiro que a matou a pancadas.
Ainda adolescente, assistiu a uma cena traumatizante ao final da Segunda Guerra.Enquanto seu pai, socialista, membro da resistência ao nazismo, recebia as homenagens merecidas após a derrota dos alemães, o destino de sua mãe foi traumático. Ela tivera um romance com um soldado alemão e, na nova situação, foi conduzida a desfilar de cabelo raspado diante das vaias e palavrões da população — um tratamento típico reservado aos traidores.
O choque na sensiblidade do adolescente foi definitivo, como ele diria numa entrevista ao Journal du Dimanche:”Talvez tenha sido por isso que eu me tornei ator. Talvez, em toda minha vida, eu tenha representado a decadência de famílias burguesas”.
Talvez tenha sido esse o segredo que fez a grandeza de Jean Louis Trintignant. Apesar das dores imensas que a vida lhe trouxe, ele não renunciou à possibilidade de aprender alguma coisa com elas — e transmitir seu aprendizado a quem assistiu seus filmes.
Alguma dúvida?
PAULO MOREIRA LEITE ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)