NAPOLEÃO NA CONSPIRAÇÃO DE RECIFE

RETRATO DE CRUZ CABUGÁ

A historiografia luso-brasileira destaca fortemente a primeira grande invasão estrangeira ao imenso Portugal das Américas, em 1555, com a criação da França Antártica, estabelecida pelos franceses huguenotes, isto é, protestantes calvinistas, às margens da Baía de Guanabara, aliados aos índios tamoios. Os gauleses eram comandados por Nicolas Durand de Villegagnon (1510 – 1571) e permaneceram no território carioca até 1570, quando, finalmente, foram expulsos.

É atribuído a Villegagnon, inclusive, o início da fundação do Rio de Janeiro, ocorrida em 1565. Após a debacle da França Antártica, aplastada pelos portugueses, os homens de Villegagnon se dirigiram à América do Norte, no atual Canadá, e consolidaram, com êxito, a colonização do Quebec. Até os nossos dias, para além do inglês, idioma majoritário canadense, a população do Quebec, onde se encontram as cidades de Montreal e do próprio Quebec, falam o francês. Os gauleses regressariam no século seguinte e tentariam se apossar do Maranhão – mas também ali, às portas da Amazônia, seriam derrotados pelos exércitos da Coroa de Lisboa.

Poucos sabem, porém, que a França voltaria a estar envolvida numa conspiração no Brasil, em 1818, durante a Revolução Pernambucana, quando Napoleão Bonaparte (1769 – 1821) teria aceitado a aliança com o líder do movimento, António Gonçalves da Cruz, o diplomata Cruz Cabugá (1775 – 1833), articulador da causa separatista pernambucana e inspirador da Confederação do Equador, em 1824, conduzida por Frei Caneca, nome religioso de Joaquim da Silva Rabelo (1779 – 1825). Retrato de Cruz Cabugá ilustra a coluna.  

Bonaparte já era prisioneiro dos ingleses, na Ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, entre a África e o Brasil, depois de perder a derradeira batalha na belga Waterloo. Teria recebido as mensagens de Cruz Cabugá via informantes nos Estados Unidos, vinculados à Franc Maçonerie, ou seja, à Maçonaria Francesa, empenhados em bater-se por um maior número possível de repúblicas neste continente – como estava a acontecer nos Quatro Vice-Reinados da Espanha na América Latina.

O projeto era fazer de Pernambuco uma república e romper com o Império Brasileiro – sediado no Rio de Janeiro. A América espanhola estava sendo dividida em 25 repúblicas, através de sucessivas quarteladas. O extenso território português deveria ter o mesmo destino, segundo o sonho de Cruz Cabugá e Frei Caneca, vivamente incentivados por seus ‘aliados’ americanos – os interlocutores de Bonaparte.

O primeiro passo seria, com efeito, a formação da República Pernambucana. O seguinte seria a constituição da República Farroupilha, no Rio Grande do Sul, chefiada por Bento Gonçalves (1748 – 1847), conforme a trajetória da Província Cisplatina, que se desligou do Brasil, em 1830, instrumentalizada pelos ingleses, tornando-se o atual Uruguai. Bonaparte teria pretendido colocar sob seu controle o Nordeste nassaviano. A região governada por Maurício de Nassau, o iluminado conde alemão, no século XVII, a serviço da Holanda.   

O fracasso de Cruz Cabugá o levaria ao exílio nos Estados Unidos, e, posteriormente, na Bolívia, onde morreria. Ainda hoje, entretanto, denomina uma das principais avenidas de Recife – no populoso bairro de Santo Amaro. Maior reverência desfruta Frei Caneca, presente em logradouros de quase todas as cidades no Brasil – chegando até a dar nome a um presídio no centro do Rio de Janeiro. Foram separatistas reabilitados, seguramente, pelo longo braço dos ‘irmãos’ maçons que, em 1889, com um golpe militar, derrubaram o Império e proclamaram a República. Mas já não havia o risco de nos transformarmos em 25 republiquetas.  

ALBINO CASTRO ” PORTGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *