“O documento emitido pelo Ministério da Defesa é gasolina jogada sobre a brasa”, analisa a jornalista Denise Assis sobre o ofício enviado ao TSE
Em decorrência da atitude equivocada, fora dos padrões delimitados pela Constituição e que teve como consequência a intromissão do Executivo no TSE – contaminação indesejável e nociva ao processo eleitoral -, o ministro Luiz Roberto Barroso, enquanto presidente do TSE, introduziu no tribunal, atividades além das necessárias e tradicionais. Instituiu a Comissão de Transparência Eleitoral e convidou membros das Forças Armadas para dela fazer parte.
Tal “providência”, em vez de aplacar as investidas – sem fundamento ou prova – por parte do presidente Bolsonaro, contra a forma como se darão as eleições, acabou por produzir um bate-boca entre os militares e o TSE, longe dos padrões que manda a conveniência. Hoje, no final da tarde, o ministério da Defesa soltou um documento, em que “bate de frente” com o ministro Fachin, vociferando e reivindicando o espaço que lhes foi prometido para “pitacos”.
Em 29 itens, o documento assinado pelo ministro Paulo Sérgio de Oliveira “chora pitangas” e aponta o quanto foram “desprezadas” as considerações dos colegas que integram a Comissão e procuraram “colaborar”. Fosse escrito por Michel Temer e não sairia mais lamuriento.
O documento foi assinado eletronicamente por Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, Ministro de Estado da Defesa, em 10/06/2022, às 16:49, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º, art. 4º, do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020 da Presidência da República. Já no seu item dois, repisa que foram “convidados” para o processo:
“Inicialmente, destaca-se que essa Corte Eleitoral ampliou o escopo do tradicional apoio das Forças Armadas ao processo eleitoral, que, historicamente, provê suporte logístico e segurança, garantindo a votação e a apuração das eleições, ao convidá-las para integrar a Comissão de Transparência das Eleições (CTE), por meio da Portaria n° 578-TSE, de 8 de setembro de 2021”. Cita o artigo 1º, onde estão descritas as finalidades de: “I – Ampliar a transparência e a segurança de todas as etapas de preparação e realização das eleições; II – Aumentar a participação de especialistas, entidades da sociedade civil e instituições públicas na fiscalização e auditoria do processo eleitoral; e III – Contribuir para resguardar a integridade do processo eleitoral.”
Estão certos. Barroso deu a eles “asas” para tal. O que não quer dizer, porém, que devam se assenhorar das eleições, tampouco lhes foi franqueado “um duto” como vive a apregoar Bolsonaro, por onde escoariam os votos concedidos aos candidatos, a fim de que esses senhores, que sonham com a tutela ao poder – haja vista o “Projeto de Nação” onde se colocam como poder paralelo do Estado até 2035 -, façam a contagem e anunciem o vencedor.
Nos itens sete e oito, relembram que: “em 22 de março do ano corrente, as Forças Armadas encaminharam 07 (sete) propostas gerais ao TSE”Lembram que “em audiência realizada no dia 6 de abril último”, tinham a finalidade de “promover a apresentação das propostas, seguida da discussão de ordem técnica com a equipe do TSE, a fim de subsidiar melhor o eventual debate no âmbito da CTE. Uma vez apresentadas as propostas, na reunião realizada no Tribunal, no dia 20 de abril de 2022, ainda não foi possível concretizar a discussão técnica”. Especialistas que tiveram acesso às sugestões, concluíram que tecnicamente nada ali trazia novidades que justificassem mudanças nos procedimentos.
No item 11, “Michelizam” a questão: “Até o momento, não houve a discussão técnica mencionada, não por parte das Forças Armadas, mas pelo TSE ter sinalizado que não pretende aprofundar a discussão”,pecando no estilo, como se pode observar.
E batem o coturno: “É plenamente sabido que qualquer sistema eletrônico demanda uma contínua atualização, razão das novidades tecnológicas e da evolução das ameaças. As Forças Armadas buscaram, na CTE, desde o início e de modo colaborativo, contribuir para aumentar o grau de segurança pelo conhecimento e pelo gerenciamento dos riscos existentes. Além disso, a transparência permite à sociedade conhecer e aceitar o nível de segurança do processo eleitoral diante de eventuais riscos. Reitero que as sugestões propostas pelas Forças Armadas precisam ser debatidas pelos técnicos”.
Novamente é preciso dizer que nada do que trouxeram, segundo técnicos no assunto, muda a natureza do processo de forma substancial. E, nesse ponto, chegam ao âmago da birra: “Não basta, portanto, a participação de “observadores visuais”, nacionais e estrangeiros, do processo eleitoral”. Sim, os observadores internacionais. É aí que pega. Ou só a OEA ou nada, faltou que escrevessem. Esta é a posição já declarada até pelo Ministério das Relações Exteriores.
E voltam à lamúria, no item 14: “Destaca-se que as Forças Armadas foram elencadas como entidades fiscalizadoras, ao lado de outras instituições, legitimadas a participar das etapas do processo de fiscalização do sistema eletrônico (…) de votação, conforme estabelecido na Resolução nº 23.673-TSE, de 14 de dezembro de 2021. Até o momento, reitero, as Forças Armadas não se sentem devidamente prestigiadas por atenderem ao honroso convite do TSE para integrar a CTE”.
E partem para o ataque: “O fato de as Forças Armadas identificarem possíveis oportunidades de melhoria e apresentarem sugestões para tratá-las tem como único objetivo trabalhar, responsavelmente, para proteger o processo eleitoral e fortalecer a democracia. Cabe destacar que uma premissa fundamental é que secreto é o exercício do voto, não a sua apuração. Dessa forma, entende-se que a transparência do pleito deve orientar, permanentemente, a atuação das entidades fiscalizadoras e do próprio TSE”.
A sociedade tem acompanhado o empenho do TSE em fazê-lo, bem como as investidas de Bolsonaro (sem apresentar provas) a desqualificar o trabalho desenvolvido, com o claro fito de tumultuar o cenário político que lhe é desfavorável, até o momento. O documento emitido pelo Ministério da Defesa é gasolina jogada sobre a brasa. Nos três últimos itens (19, 20 e 21) o documento engrossa o caldo, deixando transparecer que há algo mais no céu do Brasil, que os aviões de carreira. Se isto não for um sinal de posicionamento sobre o que virá, soa bastante provocador.
“A defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem são as missões estabelecidas pelo Povo para as Forças Armadas, que continuarão trabalhando, diuturnamente, para cumpri-las, pois não há opção que não seja servir aos brasileiros naquilo que eles determinaram. Assim, as Forças Armadas têm firme compromisso com o fortalecimento do sistema democrático brasileiro e com as suas instituições”. O recado seria desnecessário se estivéssemos vivendo tempos normais. Mas não é o que salta deste documento.
No último item, o de número 21, o ministro aproveita a oportunidade “para informar que as Forças Armadas continuarão à disposição do TSE para o prosseguimento dos trabalhos na Comissão, assim como para participar das fases do processo eleitoral como entidades fiscalizadoras, conforme definido pelo próprio Tribunal”. Por fim, encerra afirmando que “a todos nós não interessa concluir o pleito eleitoral sob a sombra da desconfiança dos eleitores. Eleições transparentes são questões de soberania nacional e de respeito aos eleitores”. Faltou dizer que os eleitores estão convictos de que votarão com a tranquilidade de sempre, escolhendo o seu candidato de forma livre. A desconfiança, se existe, não está sendo nutrida no seio da sociedade, mas pelo presidente, a quem deveria interessar manter o país nos rumos da democracia. Espera-se que esses senhores não o sigam em seus devaneios. Pelo bem do Brasil.
DENISE DE ASSIS ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)