O DIESEL PODE SER O ATALHO ÀS URNAS

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

O crescimento de 0,1% do Produto Interno Bruto no 1º semestre foi muito comemorado pelo governo e as hostes bolsonaristas como fato positivo que poderia reanimar a campanha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro, até aqui com riscos cada vez maiores de perder para Lula no 1º turno. Os maus resultados na frente econômica, com a inflação acumulada em 12 meses estacionada há dois meses acima do patamar de 12% (o IBGE divulgará na próxima 5ª feira, 9 de junho, os dados de maio, que poderão indicar uma taxa acumulada abaixo dos 12% desde que a taxa mensal do IPCA fique abaixo dos 0,63%) são o principal obstáculo. E o governo identificou – por pressões da base aliada do Centrão, que sentou praça na Casa Civil e passou a dar a cartas no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios – que o controle dos preços dos combustíveis pode ser o trunfo que resta para Bolsonaro tentar virar o jogo. O Centrão, como se sabe, pratica o avesso da velha máxima anarquista espanhola: “hay gobierno, soy contra”. Se Lula continuar liderando fácil, as deserções que já se notam nas campanhas estaduais irão crescer.

O foco principal seria uma bateria de medidas para derrubar o preço do óleo diesel. Trata-se do produto mais vendido no Brasil pela Petrobras, com impacto tremendo nos custos dos fretes de alimentos, cargas em geral e transportes urbanos. Embora a gasolina tenha impacto direto no IPCA, indicador que mede as despesas das famílias com renda até 40 salários mínimos (R$ 48.480) é nas camadas de menor renda (até dois salários mínimos) que pesam mais os custos dos alimentos (ameaçados pelos impactos recentes do frio e das geadas que chegaram antes do inverno) e das passagens urbanas, todas dependentes do uso do diesel em caminhões e ônibus. Por enquanto, poucas prefeituras cederam às pressões dos donos de frotas de ônibus pelo reajuste das passagens. Em função de dois reajustes do diesel que somaram mais de 33%, só nas refinarias da Petrobras em março e maio, os donos de ônibus pleiteiam aumentos nas passagens acima de 15%. Ou seja, um novo choque semelhante aos 15,50% do reajuste dos Planos de Saúde, a partir de maio.

Por isso há urgência no governo e na equipe de campanha para que o ministro da Economia, Paulo Guedes, que passou a controlar diretamente a Petrobras ao indicar seu braço direito Adolfo Sachsida para comandar o Ministério das Minas e Energia, encontre uma solução já esta semana para o diesel. Se demorar mais, a inflação de junho não poderia mais ser contida por decretos e as chances de reduzir a taxa em 12 meses a um dígito antes de 16 de agosto, começo da campanha em rádio e TV, seriam mínimas. Um dos atalhos seria criar um subsídio de até R$ 25 bilhões para o diesel cair de preço (com a redução do ICMS) e ficar estável até outubro, com a destinação de parte dos dividendos de R$ 31,5 bilhões que a estatal vai distribuir ao governo (R$ 24,6 bilhões à União, que tem 50,3% das ações com direito a voto, e R$ 6,8 bilhões ao BNDES e BNDESPar, que têm 7,8% das ações PN). Além de acalmar a base de apoio dos caminhoneiros (e a inflação), Bolsonaro reforçaria o discurso de que fez tudo que estava ao seu alcance para controlar a inflação. E ainda usaria como remédio parte do “lucro absurdo da Petrobras”. Para não deixar de fora os motoristas de taxis, de aplicativos e mototaxistas, seria criado vale combustível específico. Faltaria controlar o preço do etanol (que entra em 27% sob a forma anidra, na gasolina e vem subindo muito sem haver guerra nas regiões produtoras do Brasil). O problema é, como diria Garrincha, “combinar com os russos”. Quando a eleição chegar, o Hemisfério Norte já estará no outono-inverno, período em que aumentam os preços dos combustíveis para aquecimento das residências. E os recentes e progressivos cortes de fornecimento de gás natural pela Rússia de Vladimir Putin aos países europeus podem provocar nova escalada imprevisível nos preços de combustíveis.

Em Economia, como em tudo na vida, o que importa é o que o virá pela frente. Quem pilota a Economia (e leva a Política de carona) dá bem mais atenção ao que está sendo visto pelo para-brisa do que enxerga pelo retrovisor (este é usado para verificar se não vem um caminhão-jamanta desembestado por trás, como a invasão da Ucrânia pela Rússia). Se o destino são as urnas de outubro, os obstáculos da estrada, com calçamento pior e previsões de perda de visibilidade à frente, recomendam muito cuidado para a parada final não se dar no 1º turno, em 2 de outubro. As pesquisas da semana mostraram que a vantagem no momento pelo ex-presidente Lula supera a soma de todos os demais candidatos. Se nada mudar, não teria 2º turno em 30 de outubro.

Frustração no agro, que não ‘é tudo’

Uma das frustrações do governo em relação ao resultado do PIB no 1º trimestre, que esperava ser bem mais turbinado para garantir um crescimento de quase 2% até o fim do ano, como já alardeou o ministro Paulo Guedes, veio da área mais ligada ao presidente Jair Bolsonaro: o agronegócio. O agro mostrou que não “é tudo”, como alardeia a propaganda institucional da Rede Globo, patrocinada pelo Bradesco e por rodízio de fabricantes de pick-ups (veículos muito utilizados no campo). Superado apenas pelo Banco do Brasil no crédito rural, ao Bradesco interessa financiar máquinas e equipamentos ao produtor rural, incluindo pick-ups. O parceiro da temporada é a Ford. Para azar do governo, justamente depois de atingir 8,1% de participação no PIB em 2021 (a indústria, incluindo a de transformação, estativa mineral, construção e serviços de utilidade pública, somou 22,2%, e o setor de serviços, 69,8% no ano passado), a produção agropecuária tomou um tombo no 1º trimestre com a seca que atingiu os três estados do Sul e o Mato Grosso do Sul (enquanto Bahia e Minas Gerais eram assolados pelas chuvas que agora castigam Pernambuco e outros estados do Nordeste), causando queda na produção de soja, de arroz e de fumo. Apesar da crescente participação do Paraguai na produção de cigarros, proveniente das folhas de fumo produzidas nos três estados sulinos e depois escoada pelo “contrabando formiguinha” dos sacoleiros que atravessam as fronteiras do Paraguai com Paraná e Mato Grosso do Sul, o grosso da produção nacional de fumo é transformado em Santa Cruz do Sul (RS), de onde também saem as matérias primas para a maior fábrica da Souza Cruz, em Uberlândia (MG), que lá se instalou na metade dos anos 70 para ficar no centro da maior região consumidora do país.

Se o agro frustrou, assim como a exportação de minério de ferro (com a interrupção da produção em Minas Gerais pelo excesso de chuvas que puseram novamente em risco as barragens de rejeitos), empurrado pelo avanço da vacinação, que permitiu a retomada da circulação das pessoas nas atividades de lazer, o setor de serviços cresceu 0,8% no trimestre e garantiu o número positivo do PIB. No 2º trimestre as apostas dos principais bancos são de avanço entre 0,6% e 0,8% no PIB, com base na retomada das vendas de minério e produtos agrícolas, apesar da desaceleração da economia mundial, em especial da China, nosso principal comprador mal saído do “lockdown”.

Para o 2º semestre, as previsões são sombrias. Com a escalada dos juros para o Banco Central tentar conter a inflação (empurrada também pelo dólar), o Itaú, maior banco privado do país, prevê retração de 0,4% no PIB do 3º e 4º trimestres. Queda em dois trimestres seguidos configura recessão. Mas os resultados só serão conhecidos após a manifestação das urnas… Para o ano, o Itaú prevê crescimento de 1,6%. Comparado ao aumento de 4,6% no ano passado, após o tombo de 3,9% em 2020, é um crescimento bem modesto.

E o Santander se junta ao Itaú em previsões sombrias para 2023 e 2024. A população brasileira aumenta em torno de 0,6%/07% ao ano (só o Censo 2022 vai medir o tamanho do estrago da Covid-19). Pelas contas desses dois grandes bancos privados, o Brasil teria recessão “per capita” (crescimento menor da economia que o da população). A previsão do Bradesco, de aumento de apenas 0,48% no PIB de 2023, confirma o prognóstico ruim. Se forem levados em conta os valores em dólar do PIB “per capita” (o valor em dólar do PIB dividido pelo tamanho da população), é de chorar no meio-fio, como diria Nélson Rodrigues. O poder de compra do brasileiro encolheu mais de 40% desde 2012. Tão cedo a classe média voltará à Disney e muito menos com a empregada a tiracolo, que virou diarista com o empobrecimento dos patrões.

666, o número da bestialidade

Ainda vai ser contabilizado o impacto que a demora na vacinação no Brasil – de resto desincentivada pelo presidente Jair Bolsonaro, que deveria ter sido o primeiro cidadão brasileiro a se empenhar pela fabricação local e distribuição urgente do único antídoto eficaz contra a Covid-19 – causou nas famílias brasileiras, devastadas pela perda de entes queridos, e na economia. Bolsonaro recusava medidas de isolamento e uso de máscaras, alegando que se a economia afundasse, afundaria o seu governo.

Pelos números de 6ª feira do Ministério da Saúde, o Brasil deve ter abandonado ontem o incômodo milhar da “besta do Apocalipse” (13:18). Pelos dados do Ministério chefiado por Marcelo Queiroga (ou seria por seu filho, o jovem Antônio Cristóvão Neto, de 23 anos, estudante de Medicina e candidato a deputado federal pelo PL da Paraíba, que chegou a comandar esta semana alguns atos da pasta?), o Brasil registrou dia 3 de junho, quando teve 43 novos óbitos, um total de 666.971 vítimas da Covid-19. Desde o dia 25 de maio, quando acumulava 666.037 mortes, o Brasil, que tem 214,685 milhões de habitantes, segundo as projeções do IBGE, tinha entrado na marca da besta.

Só os Estados Unidos, com 326 milhões de habitantes e 1.008.031 de vítimas superava o Brasil (em termos relativos, a Covid-19 foi mais letal por aqui). A Índia, com 1.380 milhões de habitantes, tinha 525 mil mortos oficiais. A Rússia, de Putin, com 147 milhões de habitantes, registrava 380 mil mortes nas estatísticas oficiais. O México, com 128 milhões de habitantes, acumulava 325 mil mortes, e o Reino Unido, com 67,3 milhões de habitantes, festejou a semana do 70º aniversário da Rainha Elizabeth II com a macabra cifra de 179 mil vítimas, em situação pior que a do México e Índia. Desculpem, poderia ter falado da bestialidade da polícia. Faltam palavras adequadas.

A 3ª via é viável?

Um dado interessante e que merece atenção é o comportamento do chamado eleitorado que não se mostra inclinado nem a dar seu voto a Lula nem a Bolsonaro nas urnas em outubro. As pesquisas eleitorais não costumam dar destaque à manifestação espontânea dos entrevistados, onde até alguns meses atrás os sem-candidato superavam os números do presidente e do ex-presidente. Por praticidade se concentram nas respostas ao questionário em que são apresentados os nomes dos candidatos ainda em disputa. Mas é evidente que os que estavam em cima do muro esperando a definição das águas começaram a escolher de que lado ficar quando as águas ficarem menos turvas (eleitor gosta de alardear que seu voto foi vencedor).

O termômetro para isso é a chamada opção de voto “nem-nem” – nem Lula nem Bolsonaro – que alimentava as possibilidades de surgir um candidato da 3ª via, para romper a polarização dos que preferem Lula porque não votariam em Bolsonaro mais uma vez de jeito nenhum (no espelho do que muitos fizeram em 2018, quando votaram em Bolsonaro para não votar no PT). Em janeiro, quando o ex-juiz Sérgio Moro, então no Podemos, liderava as intenções de voto dos “nem-nem”, esse contingente rebelde enfeixava 24/25% dos votos válidos (sem contar abstenção, brancos e nulos). Na saída de Moro, que chegara a ter 12% de indicações, Bolsonaro ganhou parte dos votos dos adversários do PT decepcionados com a má gestão do atual presidente. E a chamada 3ª via viu seu cacife encolher para 17% dos eleitores.

Após a renúncia do ex-governador de São Paulo, João Dória (PSDB), a fatia dos “nem-nem” que poderia ser herdada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS) ficou ainda mais enxuta, caindo a 13%. A menos que ocorra reviravolta (desidratação de Bolsonaro com fuga de votos para a senadora), a 3ª via está perdendo substância e viabilidade eleitoral a cada rodada de pesquisa. Mas o partido em que a candidatura de Bolsonaro à reeleição foi se abrigar (o PL, do notório seu Valdemar Costa Neto) tratou que fazer inserções no horário eleitoral pintando uma imagem de cordeiro, de sereno pai de família, do bélico presidente Jair Bolsonaro, cercado por uma plateia com perfil evangélico, para tentar seduzir dois segmentos do eleitorado em que apresenta baixa aceitação: os jovens e as mulheres. O bolsonarismo raiz, a começar pelo filho 02, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), parece não ter gostado da peça.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL ” ( BRASIL)

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