Como se trata de um projeto de lei bancado pelos economistas do PT, na prática amarrará um provável futuro governo Lula. Como um senador desinformado, mas de boa fé, acredito que o senador Prates buscará explicações de seus assessores.
Peça 1 – os ataques do senador Prates
O senador Jean Paul Prates mandou um recado gravado com ameaças ao GGN. Deu duas horas de prazo para tirar uma análise do ar, sob pena de processo imediato por difamação.
Na ameaça, com a pose superior de um especialista que consegue adivinhar o texto pelo título, admite que só ficou no título mas foi o que bastou.
O título dizia: “O senador Prates legalizará o golpe de Parente na Petrobras”. Pedro Parente havia dado o golpe da década, ao decidir – administrativamente, com base na maioria acionária do governo na Petrobras – que a empresa passaria a praticar preços internacionais (hoje em dia em mais de US$ 100,00 o barril), mesmo tendo a maior parte da produção interna ao custo de US$ 18 o barril. Com seu projeto de lei, Prates formalizaria o PPI (Preço de Paridade Internacional):
“Art. 68-F. Os preços internos praticados por produtores e importadores de derivados do petróleo deverão ter como referência as cotações médias do mercado internacional, os custos internos de produção e os custos de importação, desde que aplicáveis”.
Explico mais abaixo as implicações desse projeto de lei.
Mas o meu artigo terminava assim, confiando na boa fé do senador:
“Daí a importância do senador Prates rever seu projeto de lei que pretende formalizar o PPI e criar um fundo para compensar os preços. O fundo sairá do orçamento ou do lucro da Petrobras, sem mexer nos ganhos indevidos dos acionistas. Até agora, o PPI foi introduzido administrativamente. Com o projeto do senador, será legalizado. E a reversão se tornará muito mais difícil”.
Mais que isso, Prates foi convidado para uma entrevista, na TV GGN 20 horas, para explicar o projeto. Mas como é um primário, que se emprenha pelo ouvido, meramente a partir da leitura do título tomou a decisão de remeter uma ameaça insólita para a redação, gravada, com uma truculência que nós – críticos contumazes do golpe do impeachment e do bolsonarismo – jamais havíamos testemunhado antes. Nem o coronel dos coronéis do nordeste, Antônio Carlos Magalhães ousou agressividade semelhante.
Por outro lado, em listas de discussões de economistas do PT, os autores intelectuais do projeto esmeraram-se em ataques à minha reputação de jornalista, mostrando uma diferença fundamental em relação a outros trogloditas, como Alexandre Schwartsman: Alexandre mostra a cara
Inicio o artigo, portanto, com a denúncia dessa truculência, imaginando qual o seu grau na hipótese de Prates se tornar um senador da situação.
Mas vamos entender a malícia por trás do projeto.
Peça 2 – a empresa pública
Empresa pública pura, ou de capital misto, não é uma empresa tradicional. Tem prerrogativa de empresa pública, em troca de contrapartidas para o interesse público.
Apesar da abertura de capital, a Petrobras é uma empresa pública. A Lei 2013.303 de 30 de junho de 2016, apesar de promulgada no período Temer, definiu os seguintes pontos:
Art. 8º As empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão observar, no mínimo, os seguintes requisitos de transparência:
I – elaboração de carta anual, subscrita pelos membros do Conselho de Administração, com a explicitação dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas pela empresa pública, pela sociedade de economia mista e por suas subsidiárias, em atendimento ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional que justificou a autorização para suas respectivas criações, com definição clara dos recursos a serem empregados para esse fim, bem como dos impactos econômico-financeiros da consecução desses objetivos, mensuráveis por meio de indicadores objetivos;
(…) V – elaboração de política de distribuição de dividendos, à luz do interesse público que justificou a criação da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
(…) 1º O interesse público da empresa pública e da sociedade de economia mista, respeitadas as razões que motivaram a autorização legislativa, manifesta-se por meio do alinhamento entre seus objetivos e aqueles de políticas públicas, na forma explicitada na carta anual a que se refere o inciso I do caput .
(…) Art. 27. A empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.
§ 1º A realização do interesse coletivo de que trata este artigo deverá ser orientada para o alcance do bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa pública e pela sociedade de economia mista, bem como para o seguinte:
I – ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
II – desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista, sempre de maneira economicamente justificada.
Peça 3 – o jogo do mercado
Há, portanto, uma longa discussão jurídica e conceitual sobre a função e os limites da empresa pública. Ao mesmo tempo, há uma disputa surda, entre economistas ligados ao PT, para ver quem conquista a confiança do mercado.
E uma praga similar à que acomete o mercado executivo. No mercado executivo campeiam os CEOs genéricos, que manobram alguns conceitos financeiros, sem dispor de conhecimento do setor. O economista genérico é semelhante. É os que busca soluções econômicas sem se debruçar sobre as características do setor analisado. Isto é, sem conhecer o mercado.
É nesse contexto que surge a lei Prates, com o intuito de se antecipar ao governo Lula e definir, por vias tortas, o tratamento a ser dado às empresas de economia mista com controle público – como a Petrobras e a Eletrobras. Ou seja, estão se apropriando antecipadamente de algo que deveria ser uma decisão de governo.
O ponto central do preço dos combustíveis é a mudança nos critérios de definição dos preços internos, perpetrada na gestão Pedro Parente, um caso clássico de corrupção sutil.
Historicamente, os preços da Petrobras sempre foram um mix entre custo de produção interna e petróleo importado. O custo de produção beira os US$ 18 dólares, muito mais baixo, na maior parte do tempo, do que as cotações internacionais.
Ao assumir a Petrobras, Pedro Parente alterou administrativamente o sistema de preços, introduzindo o Preço de Paridade Internacional (PPI). Isto é, os preços teriam que acompanhar as cotações internacionais. Com isso, a produção interna de petróleo e os preços dos derivados passaram a acompanhar as cotações internacionais, quase triplicando o custo – e os lucros da companhia.
Foi um ato de corrupção porque os acionistas da Petrobras haviam adquirido papéis com a perspectiva de definição do preço médio ponderado. Mudando a regra, imediatamente os papéis tiveram uma valorização expressiva, sem nenhuma contrapartida da parte dos acionistas. Foi um presente bancado pelo consumidor, já que o lucro da Petrobras tem relação direta com o custo do combustível na bomba e o preço do gás.
Obviamente, se a Petrobras mudou a estrutura de preços mediante uma medida administrativa, entrando um presidente com ideias diversas sobre o papel da empresa, haveria a volta ao padrão de preço anterior.
Mais que isso. O extraordinário lucro dos acionistas – à custa dos consumidores -, decorrente da alta internacional do petróleo, trouxe à baila uma discussão sobre os limites de fixação de uma empresa quase monopolista, com controle público.
Peça 4 – o projeto Prates
É nesse contexto que o projeto de lei do senador Prates aparece, como um presente ao mercado.
O que ele pretende, segundo consta na sua introdução, é criar condições para que o presidente da República possa interferir nos preços da Petrobras, em situações abusivas, como agora.
Mentira! A idéia de que os lucros dos acionistas da Petrobras são imexíveis foi uma jogada de mercado, repetido à exaustão pela mídia. A qualquer momento o presidente poderia interferir no jogo. Ou definindo a volta ao sistema tradicional do preço médio ponderado, ou impondo outras soluções. Bolsonaro não interferiu por medo do mercado e desse discurso – encampado, agora, pelos assessores do senador Prates.
Se os economistas genéricos que assessoram Prates consultassem juristas especializados, constatariam um sem-número de alternativas legais.
De fato, sobre o pescoço do setor há várias espadas de Dâmocles. Há legislações para coibir altas expressivas de produtos, por fatores externos ao desempenho da empresa, ainda mais em casos de quase monopólio. Haveria a possibilidade de montar um fundo de estabilização, com os ganhos extraordinários da empresa, em caso de alta das cotações, e compensações, em caso de queda. Além disso, como empresa pública, em área estratégica, estaria submetida a restrições, em caso de altas excessivas e ameaças à segurança nacional – os efeitos do IPCA, na Selic e na fome são fatores mais que expressivos.
O que o projeto de lei Prates faz é tirar todas essas espadas do pescoço do setor, endossando o discurso do mercado, em troca de um pagamento ínfimo: um imposto de exportação progressivo.
A rigor, define as seguintes condições:
- Indica as cotações internacionais (o PPI) como um dos referenciais de preço. Se o próximo governo quiser segurar o impacto das cotações internacionais sobre o lucro dos acionistas, estará legalmente impedido. No 69-F estipula que “os preços internos praticados por produtores e importadores de derivados do petróleo deverão ter como referência as cotações médias do mercado internacional, os custos internos de produção e os custos de importação, desde que aplicáveis”.
Na prática, o que ocorrerá? O único custo do mercado será um imposto de exportação progressivo, de valores irrelevantes.
Confira. O quadro abaixo foi calculado em cima de um preço de referência de US$ 40,00 para o barril. Se o preço subir para US$ 50,00, o imposto de exportação minimo será de 12 centavos, o máximo, de 37 centavos. Se o preço for para US$ 120,00, o imposto será de 4 dólares e pouco na minima e 6 dólares na máxima.
Cotação | Alíquota mínima | Alíquota máxima | Aumento | Aumento 1 | Aumento 2 |
50,00 | 49,88 | 49,63 | 25,0% | 24,7% | 24,1% |
60,00 | 59,63 | 58,88 | 50,0% | 49,1% | 47,2% |
70,00 | 69,38 | 68,13 | 75,0% | 73,4% | 70,3% |
80,00 | 79,13 | 77,38 | 100,0% | 97,8% | 93,4% |
90,00 | 87,75 | 87,75 | 125,0% | 119,4% | 119,4% |
100,00 | 97,63 | 98,00 | 150,0% | 144,1% | 145,0% |
110,00 | 106,38 | 106,00 | 175,0% | 165,9% | 165,0% |
120,00 | 115,13 | 114,00 | 200,0% | 187,8% | 185,0% |
Peça 5 – quem paga a conta
Aqui é o busílis da questão.
No artigo 68-H diz que o poder executivo “regulamentará a utilização de bandas móveis de preços com a finalidade de estabelecer limites para variação de preços dos derivados de petróleo, definindo a frequência de reajustes e os mecanismos de compensação”
Quando se imagina que, finalmente, chegará ao cerne da questão – os ganhos abusivos dos acionistas da Petrobras com eventos sem nenhuma relação com o negócio – o projeto de lei propõe a criação de um Programa de Estabilização, financiado da seguinte maneira:
I – Imposto de Exportação incidente sobre o petróleo bruto;
II – Dividendos da Petrobrás devidos à União, e apenas esses;
III – Participações governamentais destinadas à União, resultantes tanto do regime de concessão quanto do regime de partilha de produção, ressalvadas vinculações estabelecidas na legislação; e
IV – Resultado positivo apurado no balanço semestral do Banco Central do Brasil da gestão das reservas cambiais referida no arts. 3o e 5o da Lei no 13.820, de 2 de maio de 2019.72 de 2021.
§ 3o O Programa poderá, extraordinariamente, utilizar como fonte adicional de receita o superávit financeiro de fontes de livre aplicação disponíveis no Balanço da União”.
Ou seja, preserva integralmente os ganhos extraordinários dos acionistas privados, à custa de um fundo com recursos orçamentários, que poderiam ser aplicados na área social, em prioridades sociais. Os únicos dividendos afetados serão aqueles recebidos pela União, e que integram o orçamento público.
Mantém intocados os lucros dos acionistas da Petrobras, em caso de explosão das cotações internacionais do petróleo. A rigor, a única conta a ser paga é um Imposto de Exportação ridiculamente pequeno. E nem se poderá ousar avançar sobre dividendos extraordinários, porque os economistas do senador Prates já definiram que a conta será paga apenas pelos dividendos da União.
Não apenas isso.
Trata-se de uma demonstração de profunda ignorância sobre o funcionamento do mercado. No país há refinarias que dependem de petróleo importado. Logo o custo da refinaria é o PPI. Já a Petrobras produz a maior parte do petróleo que usa, cerca de 85%, a um custo muito menor. Se a Petrobras praticar seu preço, inviabiliza o concorrente. Este tem sido um dos argumentos para permitir à Petrobras o PPI. O projeto de lei simplesmente passa ao largo da questão. Ou, então, utilizará os dividendos da Petrobras e os recursos públicos para bancar tudo.
Como se trata de um projeto de lei bancado pelos economistas do PT, na prática amarrará um provável futuro governo Lula.
Como um senador desinformado, mas de boa fé, acredito que o senador Prates buscará explicações de seus assessores.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)