A semana que passou foi quase um trailer do mais paradoxal dos “filmes catástrofes” mencionados pelo genial escritor angolano José Eduardo Agualusa Alves da Cunha, em sua crônica de sábado em “O Globo”. Cidadão do mundo, nascido na 2ª maior colônia portuguesa depois do Brasil, Agualusa morou em Goa (antigo enclave português na Índia), vira e mexe está em Moçambique, terra de Mia Couto, outro brilhante escritor lusófono, em Lisboa (colabora com o jornal “O Público” e tem programa na RTP), no Brasil e em importantes feiras literárias na Europa (onde viveu em Berlim e em Amsterdã) e nos quatro cantos do mundo. Nada do comportamento humano deveria espantá-lo. Mas ele ontem desabafou sobre a superposição de catástrofes dos filmes de ficção – nos quais surgem até dinossauros após um terremoto -, para a vida real, que faço eco: “Nos últimos meses venho me sentindo um pouco como os espectadores revoltados de que falo atrás: primeiro uma pandemia, seguida de ciclones, tempestades, desabamentos, o diabo a quatro — e agora a ameaça de uma nova guerra mundial e de um apocalipse nuclear?! Assim também já é demais! Catástrofes atrás de catástrofes, umas atropelando as outras, ameaçam a credibilidade do enredo. Num filme de pandemia não dá para colocar um terremoto. Numa invasão de extraterrestres não entram dinossauros. Se há um meteoro prestes a destruir a Terra, não faz o menor sentido acrescentar um apocalipse zumbi. Juntar Bolsonaro, milicianos, garimpeiros assassinos, pandemia, aquecimento global, Putin, eventos climáticos extremos, e ainda uma guerra nuclear [ameaçada pelo presidente da Rússia] é brincar com a paciência dos viventes”, diz. Realmente, é muita praga ou falta de imaginação dos roteiristas.
Uma semana após tentar trucar com a “graça” presidencial, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, por 10 votos a um, responsabilizou e condenou a 8 ano e 9 meses, além da suspensão dos direitos políticos por oito anos o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) pelos ataques grosseiros ao STF e ao próprio Congresso, para o qual foi eleito em 2018 após rasgar uma cópia de papel de uma placa de rua (feita de acrílico) em homenagem à vereadora carioca Marielle Franco (do PSOL), assassinada em março de 2018 por dois milicianos da base bolsonarista – quem sabe animado com a compra do aplicativo “Twitter” pelo bilionário Elon Musk, que pretende fechar o capital da empresa e, eventualmente, torná-la menos transparente às pressões dos órgãos reguladores nos países onde atua -, o presidente Jair Bolsonaro decidiu avançar mais uma casa na investida contra o Tribunal Superior Eleitoral, que controla o cumprimento das regras eleitorais e cuja presidência é exercida, em sistema de rodízio, por ministros do STF. Em sucessivos atos esta semana, o presidente Bolsonaro, arvorando-se do cargo de “Comandante em chefe das Forças Armadas”, convocou as Forças Armadas, que terão um representante na Comissão de Transparência das Eleições criada pelo TSE, que será presidido, a partir de setembro, pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das “fake news” (que prefiro chamar de mentiras propagadas em massa, com uso de robôs nas redes sociais) e do voto que prevaleceu na condenação de Daniel Silveira, a criar uma sala paralela para apuração das urnas do TSE. Trata-se de um ensaio do “filme catástrofe” imaginado pelo sempre irônico e afiado Agualusa. E o ingrediente externo de um chabu geral, que poderia levar o mundo a uma guerra nuclear, depende do amigo Putin.
Os militares indicados por Bolsonaro, com a missão específica de semear dúvidas sobre a confiabilidade das urnas eleitorais, testadas e aprovadas a partir de 1996, enviaram uma série de questionamentos sobre situações comezinhas que visavam colocar em dúvida a confiabilidade do voto eletrônico (que permite a rápida apuração e a divulgação do resultado em um máximo de três horas após o encerramento da votação – demora mais ligada ao fuso horário do Acre e Amazonas que a questões técnicas), para justificar sua insistência na contagem paralela de votos manuais. Vale lembrar que, antes que as urnas eletrônicas fossem introduzidas, Bolsonaro participou de três pleitos com voto em cédula: em 1988, quando foi eleito vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 1990 e em 1994, quando foi eleito e reeleito deputado federal. As eleições de 1998, 2002, 2006, 2010 e 2024 ocorreram normalmente via urnas eletrônicas. A única coisa que mudava era o partido de filiação. A inconstância sempre foi uma marca de Jair Bolsonaro, com fidelidade apenas de estar ligado a partidos da base do Centrão.
Eleito presidente em 2018, pelo PSL, que tinha o número 17, ele tentou depois de virar presidente criar seu próprio partido, o “Aliança pelo Brasil”. O partido não conseguiu comprovar as 493 mil assinaturas e foi extinto na semana passada, antes de conseguir o seu registro definitivo na Justiça Eleitoral. Mas Jair Bolsonaro já tinha se abrigado, junto com os filhos 01, o senador Flávio Bolsonaro, eleito pelo PSL-RJ), e o 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, eleito com a maior votação para a Câmara pelo PSL-SP) no ninho do PL de Valdemar Costa. Costa Neto, dono da sigla de nº 22, é um notório corrupto que cumpriu pena de prisão no Mensalão (a cooptação política de apoios no Congresso, à imagem e semelhança do uso atual do Orçamento Secreto), só que com o “toma lá-dá cá” de troca de verbas e cargos por apoio político em determinadas votações tinha irrigação extra de verbas de estatais, com a Petrobras à frente, no tempo do PT. Agora, há pastores intermediando as bilionárias verbas do FNDE, para costurar apoios políticos de prefeitos e evangélicos pelo país afora.
De olho no uso próprio das ferramentas da modernidade, como as armas automáticas de última geração, Bolsonaro e seus apoiadores comemoraram ruidosamente a compra, pelo bilionário sul africano Elon Musk, dono da Tesla e da Space-X, considerado o homem mais rico do mundo, do “Twitter”, aplicativo que passou a usar com mais frequência junto com o “Telegram” para divulgar versões mentirosas, depois que o Facebook e o WhatsApp restringiram os disparos automáticos (com uso de robôs) e proibiram a veiculação de desinformações sobre as vacinas. O mau uso do Twitter pelo então presidente Donald Trump, que fazia uso das mensagens iniciais de 140 caracteres (depois duplicada para 280 caracteres) para insuflar a massa à infame invasão do Capitólio, em janeiro de 2020, levou à sua suspensão das redes sociais. A turma comemorou, prematuramente, uma suposta “liberação geral” do “exercício de opinião” na ferramenta. O Parlamento Europeu está prestes a aprovar as restrições a abusos e proliferação de inverdades nas redes sociais, que poderá servir de balizamento nos países democráticos. Mas o clã Bolsonaro e seus apoiadores são mesmo contraditórios. Ao mesmo tempo em que sonham com os avanços da tecnologia, querem voltar no tempo da roda na questão do voto eletrônico, como vocalizou o general de Divisão Heber Garcia Portella, designado por Bolsonaro para representar as forças armadas na comissão do TSE. O general Portella tem duas estrelas, posto intermediário de general, cujo primeiro galardão antes de alcançar a 3ª estrela de general de Exército, é o general de Brigada. Está bem ao estilo do “slogan” da campanha de reeleição do filho 02, Carlos Bolsonaro, para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro – “vamos fazer avançar a agenda conservadora”. Eleito com a maior votação, pelo partido Republicanos (da Igreja Universal do Reino de Deus do bispo Edir Macedo), o filho 02 passou a ser “vereador federal”, batendo ponto diário na Comunicação do Palácio do Planalto e, depois que virou coordenador da comunicação da campanha da reeleição, passou a dar expediente até em Moscou, onde acompanhou o pai em conversas dos ministros de Vladimir Putin, tirando o lugar à mesa de ministros do atual governo, como o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, que teve se ficar de pé, apesar dos seus 74 anos. Depois de colocar o bombado Daniel Silveira, um ex-PM com carreira cheia de atos de truculência, no centro do ringue, o clã Bolsonaro, por atuação direta de Carlos Bolsonaro, que costuma posar de defensor da moral e dos bons costumes, está empenhado em impedir a cassação de Gabriel Monteiro (PL-RJ) na Câmara do Rio de Janeiro. Também “bombadão” e ex-PM, como Daniel Silveira, o amigo do filho do presidente é acusado de abuso sexual, estupro de vulnerável e assédio sexual, entre outras denúncias. Mais do que salvar o colega, o objetivo maior seria evitar que o número 22 seja tisnado em 2022. Se, em vez de o voto eletrônico ser computado imediatamente, sem tempo para levantamento de dúvidas e arregimentação de tropas, o voto fosse contado manualmente e cantado como no bingo, o 22 teria seu charme, e seria cantado como “dois patinhos na lagoa”. Não é para rir, é para chorar.
Em meio a esse cenário, tal E qual o Wally, que estava sumido, o ex-presidente Lula resolveu falar sobre a graça presidencial quase uma semana depois do indulto do presidente Jair Bolsonaro. Em entrevistas a sites e jornais mais favoráveis ao PT, o candidato que lidera as pesquisas eleitorais usou o final do Big Brother Brasil, da Rede Globo, tendo o prêmio de R$ 1.5 milhão sido vencido pelo dublê de ator e cantor Arthur Aguiar, com a mobilização de perfis sociais montados por sua mulher, e suspeita de uso de robôs nas redes sociais, para fazer uma analogia com a campanha eleitoral brasileira, na qual é flagrante a interferência de mentiras articuladas por apoiadores e formadores de opinião, que atuam como propagadores simultâneos de uma versão. É preciso estar atento e forte, pois a campanha já começou, com uso da máquina do governo, embora o prazo oficial seja agosto. Já dizia Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista de Adolf Hitler, que “uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”. Ex-auxiliares caíram do governo por repetirem “ipsis litteris” frases de Goebbels. Bolsonaro não chega a tanto, mas se socorre da Bíblia para usar um derivativo “Conhecerás a verdade e a verdade vos libertará”. Será?
A eleição ideal dos militares (de Bolsonaro)
Seria cômica se não fosse trágica a pregação do presidente Jair Bolsonaro para desacreditar as urnas eleitorais, com a última convocação para que os militares façam uma apuração paralela para autenticar o resultado da votação. Nos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório, o republicano Donald Trump estava certo de que seria reeleito. Mas vieram a Covid-19, da qual desdenhou (como Bolsonaro, e o país tem 993,5 mil mortes, contra 663,5 mil no Brasil), e atos de racismo explícito, como a morte de George Floyd, que mobilizaram a opinião pública, com hispânicos e negros engordando o eleitorado democrata com o voto antiaglomeração pelo correio, e Joe Biden foi eleito. Trump, banido do Twitter e do Facebook (atual Metaverso) por excesso de mentiras, esperneou e insuflou seus fanáticos seguidores à infame invasão do Capitólio para impedir coroação da democracia: a diplomação dos eleitos.
A menos que queira forçar uma ruptura institucional, convocando uma insurreição nacional contra um resultado nas urnas desfavorável, o que vai acontecer nessa hipotética sala de apuração? Me veio à lembrança a deliciosa história que meu mestre na Escola de Comunicação da UFRJ, o panamenho Homero Icaza Sánchez, conhecido como “el brujo” das pesquisas de audiência nos primórdios da TV Globo, falecido em 2011, contou de peripécias de seu pai, político e diplomata, numa campanha eleitoral num surto de redemocratização do Panamá. Quem recontava a história com grande verve, na sala de reuniões do Editorial do JORNAL DO BRASIL, era o querido editor Marcos de Sá Correia. Para proteger a família, o pai despachara os filhos para estudar ou trabalhar em vários países. Numa janela de oportunidade, convocou os filhos a participar da campanha e ficarem vigilantes na apuração por votos de cédulas depositadas nas urnas (processo rudimentar e sujeito a todo o tipo de fraudes que as urnas eletrônicas arquivaram com grande eficiência e precisão). Um dos irmãos estava em uma junta de apuração conferindo, madrugada adentro, os votos que se dividiam entre o seu pai e o candidato do governo. Ao adormecer, por cansaço, seu pai liderava a contagem. De repente, acorda assustado e ouve o escrutinador, qual um prosaico jogo de bingo, só contar votos para o candidato situação. “E mi papá?” perguntou de imediato…Pego em flagrante, o escrutinador passou a disparar como uma metralhadora: “tu papá, tu papá, tu papá”. Como o esquema era amplo e a capacidade de fiscalização da prole e dos partidários pequena, ganhou o candidato do governo.
A pergunta do general Heleno
Por falar em Twitter, além do clã Bolsonaro e seus apoiadores, um dos usuários habituais da ferramenta é o general Augusto Heleno. Em postagem no fim de semana passada, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) indagou por que um grupo financeiro poderoso como o XP gasta dinheiro para fazer pesquisa eleitoral ouvindo apenas 1.000 pessoas em todo o país. O general, ou é desinformado ou jogou verde para colher maduro, mas passou recibo duplo de desinformado e ingênuo. O universo de pesquisa eleitorais só se amplia nas vésperas das eleições, para captar tendências já definidas dos eleitores nos diversos estados. Fazer pesquisa não é repetir o Censo do IBGE, que é feito a cada 10 anos – o de 2020 foi adiado pela pandemia e o de 2021 transferido para este ano por alegação de falta de verba, quando a radiografia do país que o Censo oferece ajuda a calibrar melhor as políticas públicas e desperdiçar menos dinheiro, como estava ocorrendo na farra dos pastores no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação. As pesquisas seguem a metodologia de outras pesquisas de amostragem do próprio IBGE, como a PNAD Contínua, que não precisa fazer visitas casa a casa como no Censo (e nem em todas são aplicados os questionários completos, mas outros mais sintéticos) para medir o desemprego no país.
A XP faz, desde 2018, pesquisas de avaliação do governo e sobre as tendências eleitorais realizados pelo Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), criado em 1986, em Recife, pelo respeitado sociólogo Antônio Lavareda, estudioso do quadro político e social do país, com as oscilações da economia e da gestão pública. Várias instituições financeiras patrocinam pesquisas. Conglomerados financeiros, bancos e corretoras, além de grandes empresas, têm departamentos de estudos econômicos ou contratam consultorias para acompanhar (e se antecipar) a mudanças na economia (doméstica e internacional), com real impacto nos negócios. Com a pandemia da Covid-19, em março de 2020, o Itaú criou um grupo só para acompanhar a disseminação do vírus no Brasil e no mundo, atitude acompanhada por muitos de seus pares. Em países democráticos, como se viu agora na França, as eleições são acompanhadas com atenção, com o cruzamento de dados de vários institutos de pesquisa. Se a esquerda tivesse ido ao 2º turno contra Macron, em vez de Marine Le Pen, quem sabe o resultado não poderia colocar Jean-Luc Mélenchon no comando do Palácio do Eliseu, no lugar de Emmanuel Macron? O que mudaria o rumo dos negócios.
No Brasil não é diferente e não é desprezível o fato de que o “Posto Ipiranga”, Paulo Guedes, foi um dos principais cabos eleitorais de Bolsonaro, em 2018. O BTG-Pactual patrocina pesquisa da FSB, que ouve 2.000 pessoas. A revista Exame (que passou ao controle do Pactual) faz pesquisa ouvindo 1.500 eleitores. O Datafolha ouviu 2.556 na pesquisa de março e a de abril está saindo do forno. Os modelos seguem a amostragem da representatividade das regiões e das classes sociais no eleitorado. Não é porque a pesquisa ouve 2.000 (caso da pesquisa Modal + feita pelo Instituto Futura, que pode desaparecer ou prevalecer pois o banco foi comprado pelo XP), 2.500 (Datafolha), 3.000 (Poder Data) ou 5 mil pessoas que é mais o menos confiável do que outra que ouviu 1.000 (XP) ou 1.500 pessoas (Exame/Ideia). Pesquisa não é enquete. Todas usam amostragem. Ouvir mais ou menos é uma questão de economia. Ao fim e ao cabo tendem a apontar a mesma tendência. Vejam as pesquisas dos últimos 10 dias. A XP/Ipespe divulgada dia 22, deu Lula com 45% e Bolsonaro, com 31. A do BTG-Pactual/FSB, divulgada dia 25, fez consultas entre os dias 22 e 24 de abril com Lula liderando com 36%, contra 30% de Bolsonaro. E a mais recente, do Poder Data, feita entre os dias 24 e 26 de abril e divulgada dia 19 apontou 41% de intenções de voto em Lula e 36% em Bolsonaro. Pesquisa é como termômetro. Indica a temperatura, mas não diagnostica a doença ou prescreve receitas.
O que Bolsonaro fez na Rússia, afinal?
Em comunicado ao mercado, nesta 5ª feira, 28 de abril, a Petrobras informou que “não foi concluído o processo de venda da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN-III), no município de Três Lagoas (MS), com o grupo russo Acron”. A concretização do negócio, que fora conduzido pela ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, desde o fim do ano passado, foi um dos trunfos anunciados pelo presidente Jair Bolsonaro em sua visita a Vladimir Putin, na primeira quinzena de fevereiro, quando sua comunicação, chefiada pelo filho 02, o vereador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (Republicanos), chegou a alardear que o déspota de Moscou tinha atendido a apelo de paz do presidente brasileiro e decidira recuar as tropas russas da fronteira com a Ucrânia. Como é sabido, dia 14 de fevereiro, tropas de Putin, apoiadas por mísseis e bombardeios da aviação, invadiram vários pontos da Ucrânia. Com as sanções do Ocidente à Rússia de Putin, dissemos aqui que o negócio estava na corda bamba, o que ocorreu.
O projeto de Três Lagoas nasceu em 2010 com a doação de uma área gigantesca de 50 hectares do município sul-mato-grossense pela então prefeita Simone Tebet (MDB-MS) à Petrobras. A estatal iria construir uma fábrica de fertilizantes nitrogenados, usando o gás natural que o Brasil importa da Bolívia através do Gasbol (gasoduto Brasil Bolívia), que vem do país vizinho e atravessa Mato Grosso do Sul em direção a São Paulo, com extensão de ramais para abastecer indústrias do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Com as crescentes descobertas de gás associado ao petróleo nas gigantescas jazidas do pré-sal nas bacias de Santos e de Campos, o Brasil, que produz mais de 130 milhões de metros cúbicos de gás natural, poderia abrir mão da cota de importação de 30 milhões de m3 de gás boliviano. Mas o gás da vizinha Bolívia poderia ter um uso nobre, qual seja, o de produzir fertilizantes à base de nitrogênio no Centro-Oeste, que hoje produz praticamente metade dos grãos do país numa cidade que está no centro da região agrícola brasileira que inclui, Paraná, São Paulo e Minas Gerais.
A Petrobras investiu mais de R$ 3,8 bilhões na fábrica, que está com 80% das obras executadas. Mas a queda das cotações do petróleo, a partir de 2012, e a escalada do dólar (ou melhor, a desvalorização do real) pressionaram o caixa da Petrobras, levando ao cancelamento, em 2016, na gestão de Pedro Parente, no governo Temer, de muitos projetos que tomaram por base projeções de que o barril de petróleo iria flutuar na faixa de US$ 200, de 2015, até os dias atuais. Além da fábrica de Três Lagoas, foram hibernadas e postas à venda unidades de fertilizantes em Araucária (PR), na Bahia e em Sergipe. Acontece que as importações fertilizantes para as lavouras no país aumentaram mais de 50% desde 2015, quando somavam 30 milhões de toneladas, para 46 milhões no ano passado. E a dependência do produto importado (sobretudo da Rússia) aumentou de 73% para mais de 85%. O acordo com a Rússia gorou porque foi mal amarrado. A Acron não queria usar o gás natural da Bolívia e traria matéria prima da Rússia. O que ficou complicado com as retaliações da guerra E o pagamento da operação, impossível com o bloqueio do “swift” às transações de empresas russas.
Resta a pergunta que não quer calar (e cuja explicação foi proibida na agenda da viagem do presidente Jair Bolsonaro): qual o objetivo do encontro com oficiais russos especializados em criptografia? Os russos são habilidosos em pirataria de dados, ou melhor, como “hackers”. Até hoje está mal explicada a colaboração de “hackers” russos na eleição de Donald Trump contra Hillary Clinton, em 2016. Como nuvens de fumaça tornam menos transparente o ambiente das nossas eleições em outubro, é preciso evitar sigilo de 100 anos.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)