Barroso aproveitou o palanque de um seminário virtual e desancou as FFAAs de forma generalizada. Com isso, fortaleceu o corporativismo cego dos militares
A supina vaidade, somada à falta de discernimento, transformaram o Ministro Luis Roberto Barroso na maior ameaça institucional, uma espécie de unabomber brasileiro.
Não se trata de um terrorista intencional. O que o move é uma vaidade absurda mesclada a uma desinformação ampla sobre o jogo político, institucional, sobre as estruturas e as idiossincrasias do poder.
Ele trata o jogo político institucional com a mesma superficialidade com que participa de um programa da Globonews, daqueles com perguntas previsíveis gerando respostas previsíveis e suscitando elogios previsíveis.
Foi assim quando usou o palanque da Lava Jato e garantiu a eleição de Bolsonaro ao tirar Lula das eleições e ao abrir espaço para a invasão da política pelas milícias e pelos militares.
Agora, repete o trajeto. Dias atrás, Gilmar Mendes deu uma entrevista substanciosa ao portal UOL. Nela, analisou o risco de golpe, as resistências a aventuras golpistas e tomou uma precaução básica: não generalizou as críticas contra as Forças Armadas.
Imediatamente, Barroso aproveitou o palanque de um seminário virtual e desancou as FFAAs de forma generalizada. Com isso, fortaleceu o corporativismo cego dos militares, levando o Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio, a emitir uma nota desnecessariamente agressiva, provavelmente para atender às pressões da tropa.
Até onde irá essa disputa? Um dos principais especialistas do tema militar, o cientista político Manoel Domingos não está tranquilo. Não acredita em quartelada. Mas não vê uma força estruturada, com comando firme capaz de demover a corporação da ideia fixa de que Lula representa o demônio.
O Ministro da Defesa é visto como um militar correto, mas sem nenhuma ascendência sobre a tropa. Não tem a liderança de um general Villas Boas, nem a capacidade de articulação de um Sérgio Etchgoyen. Por outro lado, a brilhante geração de militares empenhada em construir uma tecnologia militar de ponta acabou, não deixando herdeiros. E, sem eles, tem-se uma corporação sem projetos, cujo único objetivo é ganhar espaços no orçamento e nas benesses públicas.
Aliás, uma característica militar permanente é a resistência contra os militares intelectuais, que se destacam em temas tecnológicos. Pai do programa nuclear brasileiro, o Almirante Othon, por sua distinção e por manejar orçamento secreto – essencial para financiar programas daquela natureza – era tratado como corrupto pelos colegas, mesmo antes da Lava Jato entregar sua cabeça para o Departamento de Estado norte-americano. Conta Manuel que o grande Álvaro Alberto, pai do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa) foi acusado de corrupção pelo marechal Juarez Távora.
Essa é a tragédia militar brasileira, uma tropa cujo padrão de inteligência é o general Pazuello, sem focar um minuto sequer na razão de sua existência – um plano de defesa nacional – que luta para aumentar para 2% sua fatia no orçamento, sem um grupo de trabalho sequer para desenvolver uma estratégia de defesa. E temerosa de que a eleição de Lula corte suas asas corporativas.
De 2016 para cá, o Exército perdeu qualquer dimensão pública. Acabaram com a diplomacia da força, que abria canais de influência na África portuguesa e na América Latina. Esvaziaram as parcerias com a China, para os satélites, e com a França, para os submarinos nucleares. E deixaram, como herança, apenas uma submissão humilhante aos Estados Unidos que, à falta de uma indústria nacional de defesa, garante as quinquilharias para o Exército brasileiro.
Se eleito Lula terá que abrir uma discussão ampla sobre um projeto de defesa nacional – a exemplo do Plano Nacional de Defesa, em torno da Amazonia Azul, desenvolvido na gestão Nelson Jobim e jamais implementado.
É esse o receio dos militares sérios: o de serem desafiados a pensar a vocação constitucional da força.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)