Misturar Estado com a religião nunca deu muito certo para as gentes brasileiras. A primeira incursão dos portugueses da frota de Pedro Álvares Cabral, na terra chamada de pindorama pelos indígenas que aqui viviam, foi celebrada em 26 de abril de 1500 na praia de Coroa Vermelha, em Cabrália, atual sul da Bahia, com a “Primeira Missa”, cujo relato extraído da Carta de Pero Vaz de Caminha, dando conta ao rei D. Manuel, o Venturoso, da celebração da chegada da religião ao que seria a “Ilha de Vera Cruz”, sob a visão curiosa e estupefata dos índios, foi pintada por Victor Meirelles. Em 1501, fomos sucessivamente chamados na corte de Lisboa como “Terra Nova” e “Terra dos Papagaios”. Em 1503, com um pouco mais de reconhecimento do terreno, somos promovidos a “Terra de Santa Cruz”. Dois anos depois, já com o uso do pau brasil na tintura, passamos a ser tratados como “Terra Santa Cruz do Brasil” e no mesmo ano, para simplificar, somos mencionados apenas como a “Terra do Brasil”. A identidade de Brasil se materializaria em 1527, três anos das Capitanias Hereditárias serem implantadas (sem a geometria aprendida na escola de fatias cortadas do litoral até a linha do Tratado de Tordesilhas, que cortava os domínios de Portugal de Belém (PA) a parte de Santa Catarina). Piratas e corsários a serviço dos reis da Inglaterra, França e Holanda ameaçavam os domínios do reino de Portugal, que chegou a arrendar em 1501 a “Terra de Santa Cruz” para exploração do pau brasil ao mercador português Fernão de Noronha (nome dado ao arquipélago no litoral Norte, que pertence ao Estado de Pernambuco, segundo a Constituição Federal de 1988, mas a União, por ação do governo Bolsonaro quer tomar o controle).
Os colonizadores portugueses demoraram mais três décadas a perceber, na carne do bispo Dom Pero Fernandes Sardinha, que chegou a Salvador em 1551, vindo de Portugal, devorado em 1556 pelos índios caetés no litoral do Nordeste brasileiro, que nossas gentes tinham suas próprias crenças e não eram muito adeptas às imposições religiosas draconianas da Igreja Católica no tempo da Inquisição. As imagens idílicas da convivência pacífica e plácida dos índios diante de rituais religiosos, pintadas em 1860, surgem três séculos e meio depois, somente na imaginação de Victor Meirelles, após leituras inspiradas na Carta de Pero Vaz de Caminha. Algo semelhante ao ufanismo reinante no século XIX, após a Independência do Brasil do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, retratado no “Grito do Ipiranga” de Pedro Américo. Como se sabe, o quadro, pintado em 1888, 66 anos depois do fato real, não passa de uma “fake news”. Dom Pedro I não estava paramentado, muito menos montado num belo cavalo e acompanhado de uma brigada. Mal vestido, padecendo de diarreia, o regente estava montado em um burro – animal mais comum nas tropas de então – e tinha poucos auxiliares. Mas se tratava de uma encomenda para criar uma nova imagem do Estado Nacional brasileiro e Pedro Américo plagiou três quadros de mestres franceses do século XIX. Do francês Jean-Louis Meissonier usou imagens de Napoleão III apresentadas nas batalhas de Solferino (1863) e Friedland (1870), recorrendo ainda a outro quadro de Horace Vernet, também francês, que retratou a batalha de Friedland (pintado em 1850).
A incompatibilidade entre ciência e religião ficou evidente em “O Planeta dos Macacos”, filme de Franklin J, Schaffner, baseado na distopia “La Planète des Singes”, escrita em 1963 pelo do francês Pierre Boullee, na figura do orangotango-chefe o Dr. Zaius, que encarna a antagônica e incompatível figura do “Ministro da Ciência e da Religião”. O próprio Dr. Zaius reconhecia que era preciso omitir as explicações da ciência pois enfraqueceria o poder de dominação da religião. No Brasil de Jair Bolsonaro, com o avanço da “agenda do atraso”, não chegamos à reversão total da espécie humana que “devolve” a evolução aos símios, mas caminhamos para uma forçação de barra semelhante à que vitimou o Bispo Sardinha, que era peixe só no sobrenome. Entregar o Ministério da Educação (vale dizer, uma das vertentes do avanço da ciência) a um religioso, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro era desconhecer a Constituição de 1988 que definiu o Brasil como um “Estado Laico”. Mas o poder dos bispos e pastores das igrejas evangélicas, no caso os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, ligados à alta cúpula da Assembleia de Deus, a mais influente igreja evangélica brasileira, autorizados pelo presidente Jair Bolsonaro a atuar como gazuas das liberações dos recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), o bilionário fundo de mais de R$ 67 bilhões, comandado por aliados de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, ao qual se filiou o presidente Bolsonaro e seu clã, está mais ligado à sua capacidade de aliciar apoios políticos de prefeitos pelo Brasil afora. A moeda de troca seria o nosso dinheiro no FNDE, com liberações milionárias (e sem concorrência) para a compra de ônibus escolares e reformas ou construção de novas escolas pelo interior do país.
Já escreve aqui sobre a importância do Censo (que o IBGE vai fazer este ano, após dois anos de atraso, devido à pandemia) para que se tenham várias radiografias atualizadas e já em progressão, conectadas às projeções das taxas de crescimento populacional, para definir as políticas públicas. O Censo, se bem trabalhado, permite o casamento das futuras demandas de saúde, educação, saneamento básico, transporte, segurança pública etc, com o Orçamento Geral da União. O OGU destina hoje, obrigatoriamente, 25% das receitas para a educação e 12% para a Saúde. Mas em que área da educação há mais carência: nas creches, no ensino básico, no secundário ou no superior? Pelo que conheço no interior do RJ (situação que se repete em Minas, no Nordeste e pelo país afora), quando chega dezembro e o orçamento tem verbas ociosas (o que ocorreu em 2020 e 2021, quando boa parte das escolas esteve em recesso) os gestores ficam pressionados pelo cumprimento do gasto obrigatório. O lógico seria o remanejamento, mas o engessamento “burro” do orçamento (que se repete na Saúde, onde o Censo vai dizer se há mais demanda para a pediatria ou para a geriatria, com todas as doenças circulatórias pelo intermédio) obriga a compra de ônibus (com parte da frota ainda tinindo) e novas obras sem que a população escolar tenha necessariamente aumentado. Tudo é motivo para superfaturamento e repartição de comissões. Os pastores entram em campo como “corretores políticos” que vão amarrar apoios em troca de “módicas” comissões, seja em dinheiro, barras de outro ou milhares de bíblias. Está evidente que o sigilo da confissão ou dos registros da presença dos pastores no Planalto era para evitar investigações de sua atuação na campanha eleitoral de forma corrupta. Dr. Zaius não faria melhor do que o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, que primeiramente alegou razões de “segurança nacional” para manter a questão sigilosa por 100 anos. Vamos ver agora se na paródia brasileira de Bolsonaro, em vez da ruína da Estátua da Liberdade surgir em uma praia deserta, quem sabe não, surge uma das réplicas postada nos estacionamentos das lojas do “véio da Havan”, notório patrocinador de “fake news”.
Saudades da ditadura
A morte, aos 97 anos, do general Newton Cruz, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), apontado nas investigações da Comissão da Verdade como um dos 377 militares que combateram crimes durante a ditadura está longe de encerrar o capítulo da intervenção dos militares no poder em 1964, louvada pelo general Braga Neto, ainda ministro da Defesa, na “Ordem do Dia” de 31 de março, como um “avanço democrático” parece não ter encerrado um período triste da história brasileira. Os militares esquecem da parte final, da ruína que foram os seis anos do governo do general João Batista de Figueiredo, oficial de cavalaria e antecessor de Newton Cruz no comando do SNI, que dizia “preferir o cheirinho dos cavalos ao cheiro do povo”. O país terminou quebrado, recorrendo ao Fundo Monetário Internacional para renegociar a dívida externa. E a inflação tinha saltado dos 46% ao ano em março de 1979, quando Figueiredo assumiu, para 220% em março de 1985, quando se recusou a entregar a faixa presidencial ao vice-presidente José Sarney, eleito com Tancredo Neves, que teve de ser operado na véspera da posse e morreu sem assumir o poder, porque Sarney deixara o comando do PDS, o partido do governo, para ingressar no PFL (atual DEM, que se fundiu com o PSL no União Brasil) quando da eleição de Paulo Maluf como o candidato oficial para enfrentar Tancredo Neves (MDB).
O mal explicado episódio da compra de 35 mil comprimidos de Viagra pelas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) continua mal explicado e servindo para toda a sorte de memes e piadas jocosas. A explicação mais plausível é de que os comprimidos da Pfizer (cujas ofertas de vacinas para a Covid-19 foram solenemente ignoradas por Jair Bolsonaro e seu 3º ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, seriam fornecidos pelas farmácias das três armas a oficiais da reserva ou aos mais idosos da ativa. Mas os da ativa não querem assumir que estariam inativos e preferem tirar da bula a explicação de os comprimidos seriam utilizados para combater hipertensão pulmonar. Conta outra, que esta não cola. Não seria melhor dizer que tudo não passa do saudosismo da dita dura… Ou ir no cerne da questão: o que há não é disfunção erétil nem hipertensão pulmonar, mas uma crônica disfunção democrática.
Restaurantes como biombos
O noticiário foi sacudido esta semana com o suposto leilão do restaurante Mr. Lam, na Rua Maria Angélica, 21, na Lagoa, uma das últimas joias da outrora brilhante coroa de Eike Batista, que chegou a ser o 7º homem mais rico do mundo há uma década e hoje tenta salvar uns trocados do que sobrou de seu malogrado império. Na verdade, o que iria a leilão eram os três terrenos de Eike, sobre um dos quais se assentou o restaurante. De olho nos futuros compradores de minério de ferro de seu império (a MMX cuidaria do minério de ferro a ser exportado pelo superporto de Itaguaí, no Grande Rio, e do minério de Minas Gerais para o porto do Açu, no Norte do Estado do Rio de Janeiro) e os chineses deveriam ser os futuros compradores, bem como dos futuros barris de petróleo que jorrariam das perfurações da OGX na Bacia de Campos, Eike montou o mais sofisticado restaurante chinês do Brasil. Os negócios foram à míngua, a começar pelos poços da OGX que mais pareciam de Batalha Naval (só davam água) e passados adiante como quase todo o império de Eike. Mas muita gente pergunta por que Eike dava tanta importância ao Mr. Lam, a única das empresas do seu mitológico grupo EBX que não utiliza o sinal multiplicador de riquezas.
Por uma razão simples que veio à tona nas delações premiadas da Lava-Jato e outras histórias famosas do mundo de negócios e da política: restaurantes são, foram e sempre serão ótimos locais para se tratar de negócios. É muito mais fácil o controle de uma empresa, uma associação entre dois grandes empresários do mesmo ramo ou uma transação entre um banco e uma empresa ter início em uma mesa de restaurante do que no frio ambiente de um escritório empresarial.
Antes dos chineses, Eike usou o ambiente do restaurante para negociar com os governos Rosinha Garotinho (que deu o ponta pé inicial do Porto do Açu) e Cabral (que deu as licenças ambientais para o mineroduto que traria minério de ferro de Minas para o porto do Açu, complexo vendido à Anglo American, e para o Porto de Itaguaí, ambas em tempo recorde.
Pedro Barusco, ex-gerente de serviços da Petrobras, área que contratava e superfaturava milhões em contratos de afretamento de sondas, navios de apoio e plataformas de petróleo, confessou que se reunia com a turma que devolveu parte dos R$ 6,2 bilhões à Petrobras no restaurante Alcaparras, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro. Um amigo da coluna, que atuou durante muitos anos na área de energia (petróleo, gás e energia elétrica) garante que as mesas do finado Garcia &Rodrigues, na Avenida Ataulfo de Paiva, no final do Leblon, sabiam segredos bilionários de várias transações bilionárias realizadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, quando foram constituídas muitas sociedades de propósito específicos com os sistemas Petrobras e Eletrobras (incluindo Furnas, Chesf e Eletronorte), com eventual interveniência do BNDES.
Nos tempos da resistência à ditadura e do começo da Nova República, o restaurante preferido das conversas políticas do Dr. Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados e virtual cacique do MDB, em Brasília, era o Piantella. Ao mudar de mãos, na gestão do PT, perdeu a clientela e o encanto. Coube ao empresário Omar Resende Peres recomprar o Piantella, no governo Temer, redecorar suas paredes com fotos de políticos que fizeram história no país, retratados pelas saudosas lentas de Orlando Brito, que nos deixou recentemente. As conversas no governo Bolsonaro têm outros cenários – alguns bizarros, como mesas da área de alimentação de shoppings, onde eram discutidas milhões de reais em comissões para vacinas contra a Covid-19, mas a preferência fica com ruidosas churrascarias, ou com churrascos particulares no Alvorada, mas com carnes especiais com preços impensáveis em restaurantes de Nova Iorque.
Pouca gente faz a ligação do esvaziamento da noite no Rio de Janeiro com a transferência do centro financeiro do país para São Paulo. Atribuem exclusivamente à queda brusca da inflação com o Plano Real, a partir de 1994. As duas coisas andaram juntas. Sem a hiperinflação, que punha os juros mensais no limitar da casa dos três dígitos, sumiu o cenário propício a negociações entre um banco, uma corretora/distribuidora e um fundo de pensão ou um gestor de uma estatal para o rateio do diferencial a menos dos juros remunerados numa aplicação “over night”. O fim da ciranda financeira tirou o estímulo dos dançarinos noturnos cariocas, mas o baile segue com o rodopio dos operadores paulistas e paulistanos.
Empreiteiros também fechavam contratos iniciais que eram eternamente corrigidos por aditivos à mesa, em torno de umas garrafas de vinho ou de uísque e uns bons pratos. Mas os sobrepreços e as comissões pagas foram crescendo uma barbaridade. E mesmo com a maior parte das grandes empreiteiras no limpo, pagando os pecados levantados e confessados na Lava-jato, não se pense que a corrupção dos fornecedores de obras ao Estado brasileiro diminuiu. Ela apenas trocou de mãos e de personagens. Alguns nem tanto, como o PL, de Valdemar Costa Neto, cujos representantes estão à frente de muitas falcatruas do FNDE e da Codevasf, responsável pelas obras da transposição das águas do Rio São Francisco para o sertão do Nordeste e diversas intervenções nos nove estados da região, que privilegiaram, na maioria dos casos, sem licitação aberta, uma empreiteira do Maranhão, a Engefort, que vem ganhando musculatura para competir com as hoje desnutridas Novonor (novo nome da Odebrecht), com a Camargo Correa, a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão, entre outras.
E pensar que ouvi, no fim do século passado uma confissão, deliciosa, mas ingênua, de uma das netas de um dos maiores empresários brasileiros do século XX, Alberto Soares Sampaio. Nascido em Petrópolis, Soares Sampaio formou-se em engenharia, ganhou muito dinheiro em obras públicas (atuou no desmonte do morro do Castelo para o aterramento da atual Praça Paris e abrir avenidas do centro da cidade (esplanada dos ministérios da Fazenda e Trabalho) até Botafogo, passando pela praia do Flamengo e Avenida Oswaldo Cruz. Sua empresa concluiu a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, empreitada que desafiou construtoras inglesas, francesas e alemãs, que abandonaram a obra no caminho. Era um verdadeiro Barão da República. Se envolveu na implantação de refinarias no Brasil e na Bolívia antes da Petrobras (de 1953) e fundou a Unipar (União de Indústrias Petroquímicas), em Cubatão (SP), depois estatizada pelo general Geisel, quando presidia a Petrobras. Sua última grande aventura empresarial naufragou: o Banco União Comercial, criado em 1972, com a fusão de três bancos, foi dirigido pelo ex-ministro Roberto Campos, avô do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mas entrou em crise aguda após a intervenção do BC no Banco Halles, em abril de 1974 e teve de ser vendido ao Itaú em fins de 1974. Filantropo, doou vários quadros e obras de arte para o acervo do MASP. Morreu em 1977.
Sua neta me confidenciou que o avô era um homem muito bom, dinâmico e magnânimo. Fazia do antigo Lidador, na Rua da Assembleia, no coração do Rio, então capital federal, seu “segundo escritório” na cidade, onde recebia, num discreto restaurante que ficava aos fundos, separado por uma porta de madeira da parte inicial, onde eram vendidos produtos importados, “empresários, banqueiros, políticos, ministros e outras autoridades” entre os anos de 40 e 70. “Vovô era muito bom”, me confessou candidamente. “Um dia, o seu Cabral [fundador de o Lidador, que hoje opera por várias franquias, uma das quais está no mesmo local onde foi construído um prédio moderno] chegou e disse: Dr. Alberto, vou ter de fechar a loja, porque o locatório me pediu. Vovô imediatamente perguntou quanto ele queria aumentar o valor do aluguel. “Não, seu Alberto, ele vai vender o prédio”. “Quanto é?, emendou o vovô? “Não posso seu Alberto, não tenho condições”, disse o seu Cabral desolado. “Vovô insistiu, seu Cabral falou, vovô puxou o talão de cheque (quem sabe do BUC) e assinou, dizendo “Você me paga quando puder”. “Vovô era muito bonzinho”.
Realmente, Soares Sampaio era de um tempo em que os agrados da corrupção se limitavam a umas garrafas de uísque importado, uma cesta de Natal, ou de Páscoa, um licor ou um Champagne francês, por suposto. Era um país sem tantos pastores pregando a Bíblia e cometendo toda a sorte de pecados.
O tamanho da crise
Há várias maneiras de medir o tamanho e a profundidade da crise econômica agravada pela má gestão do governo Bolsonaro da pandemia da Covid-19 e durante a pandemia. O tamanho do desemprego e da inflação são o outro lado da moeda do pífio desempenho do Produto Interno Bruto. Como o PIB encolheu 3,9% em 2020 e reagiu crescendo 4,7% no ano passado, mas a população aumenta 0,7% ao ano (com as mortes da Covid) o ritmo desceu para 0,6% ao ano, estamos no zero a zero. Mas as projeções para 2022 apontam um crescimento entre 0,9% (previsão da Confederação Nacional da Indústria, o Banco Central previu no fim do mês passado 1%, mesmo nível do Itaú e do Bradesco) e 1,5% nível garantido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Tirando o crescimento populacional, é muito pouco: de 0,3% a 0,8%. Parte do crescimento viria das consequências da crise causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, que elevaria a demanda e os preços das exportações de minérios, petróleo e commodities agrícolas. Mas isso implica também maior pressão na inflação, forçando o Banco Central a puxar o freio de mão da economia, com a elevação dos juros. Tradução: o crescimento deste ano implicará queda em 2023. Ou em outras palavras: o cinto que apertou em 2020 e 2021 o consumo de iogurte, biscoitos, chocolates e gastos com viagens, vai ter de encurtar mais um furo para limitar a cesta de compras às coisas mais indispensáveis.
A presidente-executiva da Abal, Janaina Donas viaja na maionese e atribui o recorde “aos esforços e investimentos da indústria do alumínio na modernização do setor e de ampliação dos centros de coleta e reciclagem”. Se a indústria do alumínio e os fabricantes de latas, diante das altas tarifas de energia que repassam, em última análise aos consumidores, resolveram pagar um pouco mais pelo quilo do alumínio aos catadores (reaproveitar latas já processadas economiza muito mais energia comparada ao processo inicial de extrusão da bauxita em alumínio, fizeram muito bem (embora sempre se possa pagar melhor). Mas o fator determinante do alto índice de reciclagem foi o aumento da necessidade da população desempregada que passou a revirar durante a noite os sacos de lixo doméstico postos nas calçadas antes do recolhimento pelos garis da limpeza urbana, bem como em grandes eventos ou nas praias. Um olhar atento também percebe que aumentou o número de moradores de rua que reviram os coletores de luxo postos pela Comlurb nas calçadas cariocas. Situação que se repete pelo Brasil afora. A quebra dos recordes é uma das faces da crise.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)