Atribuir a crise de 2015 à herança do Lula de 2008 é simplesmente considerar que o pacote estava certo: o mundo real é que estava errado.
Uma das discussões econômicas mais tolas do momento é a tentativa dos chamados economistas de mercado de tirar a responsabilidade do pacote Joaquim Levy sobre a crise que levou ao impeachment de Dilma Rousseff.
O pacote Levy foi uma criação exclusiva do mercado, que Dilma Rousseff encampou. Por isso, ela tem responsabilidade direta nas suas consequências. Assim como é sua responsabilidade os erros políticos e econômicos que antecederam o pacote. Mas o pacote é uma fórmula exclusiva do mercado.
Mas o que porta-vozes do mercado defendem é que o pecado original estava lá atrás, no período 2008-2010, no qual as decisões de política econômica adotadas por Lula permitiram ao país sair soberbamente da crise que se alastrou pelo mundo.
Pretendem que a estratégia do período gerou passivos públicos, para capitalizar o BNDES, por exemplo, cujos efeitos tornaram inevitáveis as medidas adotadas no pacote Levy.
É o argumento invocado, por exemplo, pelo ultraortodoxo Alexandre Schwartsman e pelo economista Rogério Werneck. Se a economia já vinha caindo desde 2014, como culpar o pacote Levy, que era de 2015 – como se a ausência de crescimento de 2014 fosse semelhante aos 5% de queda do PIB em 2015.
São cabeças de planilha na definição clássica, aqueles que defendem fórmulas feitas independentemente das circunstâncias.
A crise de 2015 e a estagnação da economia dali em diante têm como único responsável a política econômica adotada sucessivamente por Henrique Meirelles a Paulo Guedes, seguindo os cânones de mercado.
Um dos papéis centrais da política econômica é atuar anti-ciclicamente, dentro de determinados limites. Se a economia está desaquecida, tomam-se medidas para aquecê-la; se está muito aquecida, tomam-se medidas para desaquecê-la.
A economia brasileira aproveitou bem o crescimento da economia mundial e, especialmente, o ciclo de alta dos commodities na crise de 2008. A razão era simples. Os bancos centrais injetaram dinheiro na economia global. Com as economias nacionais em crise, esse dinheiro foi deslocado para especulação nos mercados de commodities. E o Brasil foi o grande beneficiário, porque o aumento da receita externa e interna foi aplicada em medidas de estímulo à economia, capitalizando o BNDES, utilizando bancos públicos e estatais para movimentos anti-cíclicos.
Recorde-se que o tal mercado, na figura de Henrique Meirelles, aumentou os juros no final de 2008 alegando que a economia estava “robusta” – apesar da queda de 50% nas encomendas de máquinas e equipamentos. A receita convencional do mercado seria um choque fiscal que colocaria a perder todas as oportunidades de recuperação, a exemplo do que ocorreu em choques externos com Fernando Henrique Cardoso.
O que ocorreu, a partir de 2014, foi um desaquecimento do mercado de commodities, com reflexos sobre a economia brasileira. E, aí, Dilma-Mantega não soube como atuar. Em 2013, o Banco Central inverteu a política de juros, provocando uma nova rodada de apreciação do câmbio. Foi sugerido a ela que aliviasse a situação dos setores mais expostos à competição externa, permitindo trocar tributos sobre a folha por impostos sobre o faturamento, com claro impacto sobre a arrecadação fiscal.
Dilma gostou da fórmula e, em vez de setores selecionados, passou a distribuir benesses para todos os setores da economia. Todo o mês Mantega convocava uma coletiva para analisar os dados econômicos negativos, anunciava as novas prendas setoriais e previa uma recuperação da economia que não ocorria.
Ao mesmo tempo, para evitar pressão sobre a inflação – e, consequentemente, sobre os juros – Dilma comprimiu os preços da Petrobras, levando de roldão o setor sucroalcooleiro, pela incapacidade do etanol de competir com a gasolina barata.
Até 2013, a economia vinha em uma escalada. Com o aquecimento anterior houve uma mudança de patamar nos passivos das famílias e das empresas – algo similar ao que aconteceu em 1994, no início do plano Real. O caminho correto seria um processo gradual de preparação para os novos tempos, flexibilizando o crédito, de maneira a que o nível de endividamento fosse gradativamente reduzido, sem maiores traumas.
Aí sobreveio o pacote Levy, um dos três mais desastrosos pacotes que testemunhei em toda minha vida de jornalista econômico – ao lado do pacote de Delfim Netto, de 1982 e do próprio pacote do Real em 1995.
Seguindo as máximas do mercado, aplicou-se um choque em todos os níveis visando equilibrar instantaneamente as contas públicas. Ocorrendo isso – dizia os Wernecks e Schwartsman -, imediatamente haveria uma redução da taxa de juros longa e, com a sinalização dos juros, os investimentos voltariam a fluir na economia. Como se os investimentos não dependessem do mercado de consumo, que foi arrebentado pelo pacote. E como se o pacote não tivesse efeito nenhum sobre a geração de receitas fiscais: se o corte de despesas afunda a economia, haverá uma redução de receitas que anulará o efeito fiscal dos cortes.
A soma de medidas era terrível: choque tarifário, choque cambial, choque de juros e, ao mesmo tempo, restrição de crédito, tudo somado jogou a economia na maior recessão da história.
O pacote Levy não significou apenas uma traição ao discurso econômico da campanha eleitoral. Foi um desastre em si. Pretender atribuir a crise de 2015 à herança do Lula de 2008 é simplesmente considerar que o pacote estava certo: o mundo real é que estava errado.Veja mais sobre:Dilma Rousseff, Guido Mantega, Joaquim Levy, pacote Levy
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)