FRANCISCO: ESTRATÉGIA DA IGREJA E DO REINO DE DEUS

CHARGE DE DUKE

Muitas qualidades e virtudes têm demonstrado o Papa Francisco ao longo de seus nove anos de pontificado. Diferentes pessoas e instâncias têm apreciado e elogiado publicamente sua sensibilidade humana e pastoral, sua inteligência que responde prontamente às perguntas difíceis ou mesmo insidiosas de jornalistas e curiosos, sua capacidade de pensar de forma ampla e grande os problemas do mundo e as crises pelas quais passa a humanidade neste século XXI.

Sob sua liderança, a Igreja Católica – que ele sempre desejou “em saída” – ultrapassou realmente o nível eclesiástico como único fórum de diálogo e ganhou as praças, as ruas, os espaços acadêmicos, as instituições seculares. Enfim, por todo o planeta, entre católicos e não católicos, crentes e não crentes, a figura de Francisco é respeitada e ouvida como única liderança positiva existente na atualidade.

Por outro lado, não são poucos igualmente os inimigos do Papa que, aberta ou em segredo, militam incansavelmente contra suas iniciativas. Minam Francisco como pessoa, suas propostas, fazem movimentos que são obstáculos aos movimentos por ele iniciados, acusam-no infundadamente. E, sobretudo, adotam uma atitude de silêncio mal-intencionado, interpretado como macabra aposta que o Papa, agora com 84 anos, envelhece e seu pontificado não deve durar muito. Nos bastidores correm nomes sobre seu possível sucessor.

No entanto, os detratores de Francisco fazem mal em não levar em conta uma das virtudes mais importantes do Papa: seu gênio estratégico. Bergoglio é alguém que pensa e vê longe. E age em consequência. Por isso, vem realizando desde o início de seu tempo à frente da igreja de Roma e como chefe da Igreja Católica uma reforma já iniciada com decisões pontuais e significativas.

É assim que a nomeação dos bispos com “cheiro de ovelha”, de perfil mais pastoral e mais próximos ao povo começa a ser visível e apresentar volume e espessura nas fileiras episcopais. Do mesmo modo, as nomeações de cargos importantes de coordenação e decisão dentro da cúria romana: de mulheres, leigos e outros segmentos representativos do povo de Deus, que até então permaneciam fora deste corpo que faz funcionar o cotidiano da Igreja Católica.

Criou também novos dicastérios, extinguindo outros ou reagrupando-os por afinidade. Assim, foi promovendo um certo “enxugamento” de uma cúria que se encontrava pesada devido à existência de uma multiplicidade de organismos e setores para além de suas necessidades reais e, sobretudo, pastorais. Por trás da estratégia do pontífice pode-se vislumbrar o desejo de que uma cúria mais ágil e enxuta sirva melhor ao único propósito da existência da Igreja, qual seja, o de anunciar o Evangelho.

Como confirmação do que se diz acima, no último dia 19 de março, festa de São José, foi anunciada uma nova Constituição Apostólica sobre a Cúria Romana e seu serviço à Igreja e ao mundo. A nova constituição entrará em vigor a partir do domingo, 5 de junho, festa de Pentecostes. Seu título diz muito sobre o conteúdo e principalmente a respeito da intenção e objetivo com os quais é promulgada: Praedicate evangelium.

O Papa não reforma a cúria apenas pelo desejo de reformá-la ou mesmo para afastá-la do que fizeram seus predecessores. Reforma-a para que possa realizar melhor seu serviço por excelência, que é a pregação do Evangelho, o anúncio da Boa Notícia de Jesus Cristo ao mundo de hoje. E a festa de Pentecostes é escolhida propositalmente para a entrada em vigor dessa reforma tão esperada e por fim realizada: é a festa da liberdade e da abertura universal. A festa na qual o Espírito, como artífice da linguagem total, quebra as barreiras linguísticas e semânticas, rompe as barreiras das diferenças e abre ouvidos e línguas ao diálogo e ao entendimento.

Uma cúria pesada e carregada de excessivas estruturas não ajuda a esse diálogo que Francisco vem tentando incansavelmente realizar. Uma cúria reformada, mais enxuta e mais leve, seguramente será um instrumento poderoso para abrir caminhos e corações na direção de mais vida para todos, construindo uma fraternidade universal onde todos os seres vivos possam chegar à vida em plenitude.

É hora de aplaudir e louvar o pontífice por sua estratégia que não recua diante de nada que possa ajudar a Igreja a realizar o sonho de Jesus: o Reino de paz, justiça e amor.

MARIA CLARA BINGEMER ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de Santidade: chamado à humanidade (Paulinas Editora), entre outras obras.

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