Doria deu o que as concessionárias queriam. As concessionárias incluíram nas contrapartidas o pescoço de Alckmin, que resistiu às jogadas
No dia 21 de março passado, no artigo “O que está por trás da delação da Ecovias sobre as concessões paulistas”, cantei a jogada. A suposta delação do executivo da Ecovias, em relação às acusações de propina a políticos, escondia uma esperteza.
Era uma delação original. Nela, o delator Marcelino Rafart Seras admite propinas, mas não revela a contrapartida.
Conduzidas pelo procurador estadual José Carlos Blat, o único governador visado foi Geraldo Alckmin. Na ocasião, apresentei a seguinte hipótese:
A lógica da delação
A principal jogada das concessionárias consistia em negociar obras com parlamentares. Os deputados entravam com pedidos para sua região, a concessionária realizava a obra, em geral com pouco controle de custo. Depois, conseguia aditivos para prorrogar os contratos de concessão.
A jogada, portanto, eram os aditivos prorrogando a concessão.
Quando ocorreram as primeiras denúncias sobre seus esquemas de propinas, havia duas preocupações imediatas das concessionárias.
A primeira, a revelação da jogada dos aditivos, que poderia atrapalhar novas tentativas de prorrogação. Alckmin tentou brecar os aditivos e o caso foi parar na Justiça, com algumas sentenças a favor e outras contra as concessionárias.
A segunda, a possibilidade de, condenadas, serem inabilitadas para novas concorrências O caminho planejado, então, foi uma delação premiada que não revelasse o motivo das propinas, permitisse pagar uma indenização, mas colocar-se a salvo dos processos, permitindo preservar o jogo dos aditivos e impedindo a ameaça de inabilitação para novas concorrências.
Inicialmente, a CCR tentou uma delação com o Ministério Público Federal. Ofereceu algo similar à Odebrecht: uma delação coletiva de seus executivos. O MPF recusou, por identificar nela uma delação comprada: cada executivo teria direito a cinco anos de remuneração.
A bola passou então para a Ecovias. O escolhido foi o executivo Marcelino Rafart Seras, do Paraná, com algum conhecimento sobre os métodos da Lava Jato
A Ecovias voltou-se, então, para o MPE-SP, através do procurador Blat, que tentou ressuscitar o caso alegando ter provas novas.
Ainda não está clara a motivação do empresário, se incluiu o nome de Alckmin por vingança, por indução do procurador, ou se houve acertos na última gestão dele. Mas está clara a intenção de ressuscitar uma delação arquivada que, em vez de ser contra, é a favor do delator.
Os resultados
A jogada óbvia se concretizou rapidamente, para permitir a João Dória Jr fechar o acordo.
Pouco antes de sair, o governo Doria prorrogou os contratos de concessão por 11 anos.
Segundo a Veja,
O prazo foi calculado com base nas contas da Artesp que tem promovido reajustes por desequilíbrio econômico nas rodovias de 9.500%, mas sem explicar as premissas das contas. A prorrogação fez parte de de um acordo firmado com a empresa e o governo em meados do ano passado˜.
Tudo isso foi possível porque conforme antecipamos, a aceitação da delação limpou o caminho.. Dória deu o que as concessionárias queriam. E as concessionárias incluíram nas contrapartidas o pescoço de Geraldo Alckmin, o governador que resistiu à jogada..
Trata-se de mais uma página polêmica na história do MInistério Público Estadual Paulista. Uma coisa é o papel de um promotor. Outra é do próprio Conselho do MPE, que avalizou a operação.
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LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)