Há duas hipóteses para isso, tomando-se os exemplos da Lava Jato: ou foi alguma vingança das concessionárias, ou seus nomes foram enfiados goela abaixo dos delatores, como parte do processo de barganha.
Peça 1 – uma corporação partidarizada
Há um longo histórico de Lawfare, de manipulação política de procuradores do Ministério Público Estadual de São Paulo.
Caso 1 – a perseguição a Gabriel Chalita, na gestão José Serra. Chalita foi denunciado em dez inquéritos, com base no depoimento de uma única pessoa. O Estadão chegou a publicar reportagem na qual um funcionário público denunciou ter recebido proposta de R$ 500 mil de Walter Feldman – a mando de Serra – para corroborar as acusações. Todas as denúncias foram arquivadas por inconsistentes, mas depois de terem liquidado com a carreira política de Chalita.
Caso 2 – a perseguição a Fernando Haddad quando prefeito.
Caso 3 – a tentativa de denunciar o caso do Triplex, no inquérito que se tornou famoso pela citação de Marx e Hegel.
Caso 4 – a blindagem absoluta ao ex-governador José Serra.
Peça 2 – o político Geraldo Alckmin
Uma análise acurada das diversas gestões de José Serra permitirá identificar uma enorme quantidade de negócios mal explicados. Aliás, se a Receita ou o MPE se dispuser a levantar o acervo de obras de arte que Serra guarda em casa, poderá reconstituir parte da história recente do país.
O mesmo ocorreu com Aécio Neves e com o próprio João Dória Jr.
Aqui mesmo, mostramos o absurdo da entrega de toda base de funcionários da Prefeitura para uma empresa especializada em bigdata – e envolvida em denúncias de corrupção com a Petrobras. Dória ainda anunciou a parceria como se fossem serviços prestados de graça pela empresa ao estado. O MPE não se moveu.
Geraldo Alckmin não tem esse histórico. O que lhe falta é discernimento sobre os auxiliares.
No dia 3 de dezembro de 2010, Geraldo Alckmin recém-eleito governador, escrevi o artigo “A falta de discernimento de Alckmin”. Nele, analiso a indicação de dois secretários anunciada por Alckmin: Guilherme Afif Domingos e Saulo de Castro Abreu.
Dizia:
“Guilherme Afif Domingos tem história, iniciativa e conhecimento – especialmente do universo das pequenas e micro empresas. Mas a indicação de Saulo de Castro Abreu Filho para a Secretaria dos Transportes demonstra a total falta de discernimento do futuro governador Geraldo Alckmin.
O governador se impressiona com retórica, com pessoas que falam bem. Mas não tem a menor noção sobre as aptidões necessárias para se ocupar um cargo público. Em sua gestão como Secretário de Segurança, Saulo demonstrou um desequilíbrio a toda prova. Sempre esteve cercado de decisões polêmicas, truculentas. E não apenas no campo da Segurança”.
Posteriormente, Alckmin embarcou na mesma história quando indicou Ricardo Salles como seu secretário particular. No cargo, Salles se valeu da influência política para manipular mapas em zonas de preservação. Mais tarde, no Ministério do Meio Ambiente, se envolveria em um sem-número de operações suspeitas.
No caso Saulo, o problema que pesa sobre Alckmin, é que foi seu homem de confiança até o final da gestão, passando da Secretaria dos Transportes para a Casa Civil.
Peça 3 – o histórico de Saulo de Castro Abreu
Como Secretário de Segurança do segundo governo Alckmin, Saulo se envolveu em vários massacres. Foi o articulador do Massacre do Castelinho, de execução de 12 pessoas. Era o Secretário de Segurança no massacre de maio de 2006 – mais de 800 pessoas executadas pela Polícia, em represália a uma ação do PCC. Foi acusado de aliciar presos para infiltrá-los, levando vários à morte. Comandou uma invasão da PM na Assembleia Legislativa. Mais tarde, tentou ligar a ação do PCC ao PT, mas acabou recuando.
Saulo ainda teve participação direta em um caso estranhíssimo, que relatei em 9 de maio de 2011.
As empresas de telecomunicações haviam tentado se unir para adquirir a Embratel – que fazia parte do espólio da quebrada MCI, nos Estados Unidos. Os americanos negociavam com Carlos Slim, da Telmex. Em Nova York, um juiz duro não liberava as ações da Embratel, para que pudessem ser transferidas para Slim.
No meio do processo, a Polícia Civil invadiu os escritórios da holding da Telefonica, em um caso mal contado. Um fornecedor havia supostamente entrado com uma denúncia contra a substituição de brasileiros por espanhóis pela Telesp. A polícia resolveu dar uma batida. Só que em vez de ser na sede da Telesp, foi na da holding da Telefonica. Lá, foram direto para a sala de um diretor que tinha, na mesa, estudos sobre os preços que a Embratel poderia praticar, caso adquirida pelas teles. Havia indícios de uso cartelizado da Embratel.
O material foi passado por Saulo para a Folha, publicado e serviu de argumento para que os advogados de Slim, logo na sequência, obtivessem a liberação das ações.
Peça 4 – o caso das concessionárias
No dia 7 de janeiro, com apenas 7 dias de gestão Alckmin, alertei para o que chamei de “O jogo com os pedágios paulistas”.
“A primeira declaração do novo Secretário dos Transportes de São Paulo, Saulo de Castro Abreu, foi a de que iria rever a questão dos pedágios. Agora, jogam esse balão de ensaio, mostrando de quanto poderia (repito: poderia) ser a redução dos lucros das concessionárias.
É evidente que não vão rever. Estão apenas chamando as concessionárias para conversar e definindo o ponto de partida da conversa.
É um jogo tão óbvio que causa até sono”.
O ponto de partida foi uma entrevista ao Valor, na qual Saulo estimou qual seria a perda das concessionárias com outro índice de reajuste.
“Os pedágios das rodovias paulistas concedidas em 1998 seriam 26% mais baratos, caso o indexador para reajustes fosse o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – como nas novas concessões – em vez do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M)”.
Em 2014, final da gestão de Saulo na Secretaria, o lucro líquido das concessionárias havia saltado de R$ 1,67 bilhão de 2010 para R$ 2,37 bilhão.
No final do ano, no encerramento da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Pedágio, na Assembleia Legislativa de São Paulo, os deputados Antonio Mentor e Gerson Bittencourt divulgaram votos em separado, para fugir do relatório final, do deputado governista Davi Zaia (PPS).
Durante a CPI foram rejeitados diversos requerimentos da oposição, a rejeição mais retumbante das quais foi a negativa para convocar o Secretário Saulo de Castro Abreu para prestar esclarecimentos.
No voto, ambos os deputados relatam que nada foi feito para reduzir os pedágios, e mostram cálculos que permitiriam a redução de 9,5% nas tarifas de pedágio, só por conta da retirada do ônus fixo e variável, ocorrida nas negociações com as concessionárias.
Finalmente, propunham uma redução de 37% das tarifas de pedágio para corrigir o desnivelamento entre IGP-M e IPCA.
Peça 5 – o inquérito do MPE
Na delação divulgada pelo MPE paulista, os dois deputados que mais batalharam pela redução dos pedágios, e da remuneração das concessionárias, são apontados como beneficiários de propinas.
Há duas hipóteses para isso, tomando-se os exemplos da Lava Jato: ou foi alguma vingança das concessionárias, ou seus nomes foram enfiados goela abaixo dos delatores, como parte do processo de barganha.
De qualquer modo, o vazamento do inquérito apenas comprova a vocação continuada do MPE-SP, de servir de instrumento de manobras políticas. E a ausência do ex-procurador estadual Saulo de Castro Abreu apenas aumenta a desconfiança sobre o inquérito.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)