Ao endossar a culpa seletiva, não se obtém nem o benefício da condenação futura de qualquer nova invasão de país, independentemente de quem for o invasor e o invadido. Se o invasor for os Estados Unidos, estará previamente blindado de qualquer condenação pública, devido à parcialidade vergonhosa da mídia.
Na entrevista à CNN, o general (da reserva) americano justifica a ação da Rússia na Ucrânia. Ele serviu nas duas guerras contra o Afeganistão. Portanto, seu parâmetro foi a atuação americana no conflito. Defendendo a ação russa, de certo modo, ele defende a americana e sua participação.
Primeiro, considerou moderada a atuação russa. Entendeu que os alvos eram apenas forças militares da Ucrânia, e que a Rússia procurava poupar instalações civis. Daí a demora maior em impor sua estratégia. Comparativamente, conclui-se que a estratégia americana no Afeganistão foi de destruição total de setores civis e militares.
Os estragos na parte civil, segundo o general, foram decorrentes da debandada do exército da Ucrânia que, a exemplo do Afeganistão, misturou-se à população civil para se defender.
O depoimento do militar, no canal de direita Fox News, coloca em dúvida as versões encampadas acriticamente pela mídia brasileira. Há inúmeras explicações para a ofensiva de Putin, em impedir que a Ucrânia aderisse à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). E inúmeros alertas de estrategistas americanos sobre os riscos, para o mundo, de não desmilitarizar a Ucrânia e manter a Rússia acuada.
Mas não absolvem nem Putin, nem os Estados Unidos, dos horrores de uma política de ocupação de um país. Em ambos os casos, foram cometidos crimes contra a humanidade. Putin é um criminoso de guerra, como foram Barack Obama e George Bush Jr.
A entrevista do militar americano apenas mostra que a lógica militar independe do lado: sempre irá considerar as perdas civis como meros danos colaterais.
O anti jornalismo brasileiro
O anti jornalismo praticado, a subordinação vergonhosa às informações oficiais de uma das partes é, primeiro, um atentado aos princípios do jornalismo. Se a responsabilidade do jornalismo é expor fatos objetivos ao público, devidamente contextualizados, trazer apenas uma versão é duplamente irresponsável, porque sem o princípio do contraditório para checar a consistência dos fatos.
É a volta ao velho vício de aceitar todas as explicações da Lava Jato antes da divulgação da Vaza Jato.
Segundo: ao endossar a culpa seletiva, não se obtém nem o benefício da condenação futura de qualquer nova invasão de país, independentemente de quem for o invasor e o invadido. Se o invasor for os Estados Unidos, estará previamente blindado de qualquer condenação pública, devido à parcialidade vergonhosa da mídia.
A guerra atual tem inúmeros responsáveis.
- Vladimir Puttin, pela decisão de avançar com a invasão antes de esgotados todos as demais formas de persuasão.
- Joe Biden, pela irresponsabilidade de coordenar a desestabilização política da Ucrânia, desde 2014, e manter um governo títere de ultradireita. E pela irresponsabilidade de permitir a montagem de uma estratégia destinada a cercar a Rússia pelas armas da OTAN.
- Volodymyr Zelensky, um aventureiro incapaz de pensar no sacrifício imposto aos seus conterrâneos.
- A OTAN (Organização do Tratado da Aliança Norte), um resquício da guerra fria empenhado em manter um estado de guerra latente no mundo, para legitimar sua sobrevivência.
- A mídia, incapaz de se tornar um referencial de verdade, em um momento em que o questionamento da mídia oficial é o principal alimento da indústria de fake news. São incapazes de análises minimamente complexas, de escapar do padrão Datena, de reduzir todos os casos a uma luta do bem contra o mal.
A falta de cobrança, deu plena liberdade para que sejam plantadas as sementes de futuras tragédias.
A distribuição irrestrita de armamento em um país em que o grande protagonista político é o Batalhão Azov – os milicianos terroristas que subiram ao poder, e se integraram às Forças Armadas, com a ascensão de Volodymyr Zelenskyy. Na guerra do Iraque, estratégia semelhante dos EUA permitiu a criação do Estado Islâmico. Agora, entregam a um grupo terrorista armas muito mais poderosas.
Uma eventual queda de Putin jogaria a Rússia, maior potência nuclear do planeta, em uma guerra civil. Ou seja, guerra civil com disponibilidade de armas atômicas.
A guerra atual é sinal da falência da democracia liberal, do multilateralismo e, principalmente, do jornalismo.
LUIS NASSIF ” JORNAl GGN” ( BRASIL)