O BRASIL SOFRE COM A FALTA DE GOVERNO

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

…O resultado da alta, sem precedentes, dos combustíveis vai ser uma escalada da inflação

O Brasil está sofrendo esta semana alguns dos impactos indiretos mais duros da invasão da Ucrânia pela Rússia, que entrou na sua terceira semana. O discurso oficial do presidente Jair Bolsonaro já está preparado. Vai repetir, “ad nauseam” que o Brasil foi atropelado pela guerra entre a Rússia de Vladimir Putin, a quem tentou dissuadir de pegar em armas, que invadiu a Ucrânia de Volodymyr Zelensky. O resultado da alta, sem precedentes, dos combustíveis, que antes procurava atribuir em parte aos governadores, pela incidência do ICMS na cadeia de distribuição das refinarias da Petrobras, às bombas, onde o consumidor já paga de R$ 8,00 a R$ 10,0 pelo litro da gasolina – mais do que um litro de cerveja – vai ser uma escalada da inflação.

Mas antes mesmo de entrar em vigor, na 6ª feira, 11 de março, a nova tabela de preços da Petrobras nas refinarias, com alta de 24,9% do litro de óleo diesel, de 18,8% no litro da gasolina e de 16,06% no GLP de 13 kgs, o IBGE, instituto que apura a inflação oficial do país, pelo IPCA (que mede as despesas das famílias com renda até 40 salários mínimos – R$ 48.480), revelou que a inflação já tinha trocado de patamar em fevereiro – aumentando 1,01% sobre janeiro e 10,54% em 12 meses, sob influência dos estragos do clima da produção de legumes e hortaliças e devido aos reajustes anuais das matrículas na Educação. Agora, o cenário deve ser agravado, nos próximos três meses, pelos impactos diretos dos reajustes imediatos da gasolina, do diesel e do GLP no orçamento das famílias, que espremidas pela perda do poder de compra que vai corroendo o recente aumento de 10,02% no salário mínimo, tendo por base a correção do INPC (que mede as despesas das famílias com renda até R$ 6.060 – 5SM) vão perder capacidade de consumo, o que esfria a economia e piora o quadro de desemprego e redução de salários reais (descontada a inflação) no mercado de trabalho.

Os economistas se debruçam, no momento, sobre os desdobramentos dos impactos destes aumentos no custo dos fretes para transporte de mercadorias (os caminhoneiros que contrataram o escoamento das safras agrícolas tomando por base um custo do diesel estão pressionados agora por alta de 25%), nos transportes urbanos (as associações das empresas de ônibus urbanos já botaram a boca no trombone), nas passagens aéreas (as companhias aéreas vão sofrer forte baque com a retração dos passageiros justo quando as grandes cidades começam a dispensar a obrigatoriedade do uso de máscaras – indispensáveis nos aviões). O cenário de nova disparada da inflação, que tinha expectativa de queda a partir de maio, com a esperada redução das tarifas de energia elétrica, se complicou a pode estender a permanência da inflação de dois dígitos até o fim do 1º semestre. Tudo isso já está sendo também calculado pelos estrategistas políticos que assessoram os candidatos às eleições de outubro de 2022.

Mas a batata quente caiu no colo do Banco Central que reúne seu Comitê de Política Monetária (Copom) na 3ª feira para analisar a conjuntura nacional e internacional e decidir o nível da taxa Selic – o piso do mercado financeiro – na 4ª feira, 16 de março. O anúncio do Copom, às 18 horas, será precedido, às 15 horas, pela decisão do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos sobre as taxas de juros locais, bem como sua trajetória futura. Por ter elevado os juros à base de 1,50 ponto percentual a cada reunião de 45 dias de intervalo (mas o Fed) ter decidido esperar mais uma nova rodada para definir a trajetória da política monetária, quando estourou a invasão da Ucrânia, há duas semanas, o real tinha um diferencial de juros elevado (10,75% frente aos juros de 0% a 0,25% ao ano nos EUA. Agora, o Fed pode elevar os juros para 0,50% e o Copom, pelo menos a 11,75%, o que amplia o diferencial. Isso atraiu recursos de brasileiros em paraísos fiscais de volta para o mercado brasileiro (é excesso de eufemismo dizer que são investidores estrangeiros apostando no Brasil, pois os brasileiros, incluindo o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto de Oliveira Campos Neto), dispõem de quase US$ 200 bilhões nos paraísos fiscais, que são os terceiros maiores investidores estrangeiros no país. O movimento especulativo fez o real se valorizar perante o dólar em plena crise. Ajudou um pouco a Petrobras a segurar os reajustes (por pressão do presidente Bolsonaro), mas havia risco de ações judiciais de acionistas minoritários, contrariados com a interferência do acionista controlador (a União) nas receitas da companhia. A hipótese foi levantada por conselheiros da Petrobras, também interessados em participar das gordas distribuições de lucros da estatal, que tem capital pulverizado no Brasil e na Bolsa de Nova Iorque, caso houvesse redução frente aos resultados esperados/projetados. Aí a direção da Petrobras aumentou pesado.

Uma das alegações foi de que, pelo princípio da ESG, sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança, em português), princípios usados para medir as práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa. No caso da invasão da Ucrânia pela Rússia, a interpretação pelas grandes corporações de escala global foi de que o conceito não deveria apenas se limitar às três letrinhas do ESG. Mas se estendia às sanções políticas que resultaram em boicotes financeiros e comerciais a firmas russas ou que operem com a Rússia. Isso fez companhias americanas, europeias, canadenses, japonesas e coreanas suspender negócios com os russos e paralisar suas atividades no país de Putin, que retrucou com a ameaça de expropriação/nacionalização dos bens destas companhias em território russo.

(aqui um parêntesis, assim como não houve muita influência da guerra da Rússia contra a Ucrânia nos custos de produção de petróleo pela Petrobras, que extrai mais de 72% de seu petróleo do pré-sal e outros 22% do pós-sal em águas ultraprofundas – com as vendas de campos em terras ou águas rasas, que tinham custos altos e responderam por menos de 6% da produção no ano passado, os custos de produção estão abaixo de US$ 20 por barril, já considerando custos dos fretes e das participações governamentais – e os cálculos do reajuste deviam ter levado em conta que o Brasil, além de autossuficiente em petróleo, extraído a baixos custos, só importa 10% do óleo diesel que consome e menos de 15% do GLP – no lucro recorde de R$ 106,668 bilhões no ano passado, não houve tanto mérito da diretoria e dos conselheiros – o grande salto veio da escalada dos preços internacionais, após a baixa em 2020 – mas a Petrobras distribuiu R$ 101,4 bilhões aos acionistas e aos diretores e conselheiros. As prioridades parecem estar fora de ordem).

A falta da estratégia

Escrevi outro dia na minha coluna “O Outro Lado da Moeda”, aqui no JB, que a gênese da campanha “O Petróleo é nosso”, que resultou na criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás, com acento), liderada pelas forças nacionalistas, começou a surgir quando a 2ª guerra mundial deixou o Brasil vulnerável ao abastecimento de combustíveis. Em 1939, quando Hitler invadiu a Polônia (operação semelhante à invasão da Ucrânia por Putin), Vargas criou o Conselho Nacional do Petróleo, que teve entre seus quadros, por questão de segurança nacional (submarinos alemães torpedeavam navios de petróleo e combustíveis e cargueiros no oceano Atlântico. Alguns desses militares do antigo CNP acabaram integrando os primeiros quadros da Petrobras, quando da sua criação, em 1953, numa campanha que acabou ganhando a adesão da UDN, pela atuação decisiva de Affonso Arinos de Mello Franco. No após guerra também ficou patente a necessidade de melhor aperfeiçoamento dos oficiais das forças armadas aos tempos da guerra-fria (o despreparo de alguns comandantes nas batalhas da 2ª guerra foi encoberto pelo sacrifício heroico de muitos “pracinhas”, na campanha na Itália). É decorrência desta necessidade a criação da Escola Superior de Guerra, na Urca (Rio de Janeiro), no governo Dutra, em agosto de 1949, com a primeira turma iniciada em março de 1950. A ESG surgiu destinada a desenvolver e a consolidar os conhecimentos necessários ao exercício de funções de assessoramento e direção superior e para o planejamento do mais alto nível. Inicialmente, apenas para militares, para em seguida incorporar aos seus quadros setores da elite nacional para juntos, civis e militares, estudarem o país.

Estudos estratégicos eram o alvo principal dos cursos da ESG. E planos estratégicos de desenvolvimento, iniciados no governo Dutra e continuados nos anos 50 por Vargas e JK, tiveram continuidade nos governos militares. No governo do general Médici surgiu o I Plano Nacional de Desenvolvimento. Quando a crise do petróleo eclodiu em setembro de 1973 e o Brasil só produzia 15% de suas necessidades de petróleo, ficou patente que era preciso reduzir as vulnerabilidades em outras áreas que geravam o maior déficit na balança comercial, para assim garantir divisas para a compra de petróleo e derivados. O governo Geisel lançou o ambicioso II PND, para produzir mais energia elétrica e reduzir a dependência de combustíveis nas caldeiras das fábricas, tornar o país menos dependente na importação de máquinas e equipamentos, alumínio, não ferrosos, petroquímicos e fertilizantes. Deu certo, pois em fins de 1977 e meados de 1978, a balança comercial voltou a ter superávit. A nova alta do petróleo, em fins de 1979, causada pela guerra entre Irã e Iraque, que eram o 3º e 2º fornecedores de petróleo ao Brasil) custou nova crise que levou à escalada de juros nos EUA e às renegociações das dívidas externas dos países em desenvolvimento em 1982. Bolsonaro, reformado com a patente de capitão, não chegou às instâncias de Estado Maior e a cursar a ESG. Sua referência é a Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN), onde preferencialmente recruta para o governo oficiais que por lá passaram.

A história já nos mostrou que episódios de guerra deixam o Brasil mais vulnerável em áreas onde é maior sua dependência de importações. Mas o excesso de liberalismo do governo Bolsonaro, liderado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, elevou a vulnerabilidade não só ao petróleo, que tem a Rússia como maior produtora e exportadora do mundo, com reflexos altistas nos preços dos combustíveis, como o diesel e o GLP. Ao trocar o significado da sigla PND – que implicava maior ingerência do Estado nacional no planejamento estratégico – pela sigla PND – Plano Nacional de Desestatização, numa guinada de 180 graus, o Brasil acabou paralisando as fábricas de fertilizantes da Petrobras e ficado mais dependente dos fertilizantes fornecidos pela Rússia e por seu aliado Biolorússia, igualmente alvo de sanções internacionais.

“O celeiro do mundo” está sob ameaça de suprimento de fertilizantes importados, que tinha a Rússia como maior fornecedor. A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, seguindo a cartilha de Paulo Guedes, preferiu dar ênfase às duas primeiras atribuições de sua pasta e esqueceu de prover o abastecimento interno (em setembro de 2020, o Brasil teve de importar arroz, leite e soja em grão, para extrair óleo, que tinha subido mais de 100% nos supermercados). Agora, está tentando apelar à FAO (órgão da Organização das Nações Unidas para o fomento à agricultura e o combate à fome) para excluir o comércio de fertilizantes das sanções internacionais, pelo risco de agravar a produção de alimentos e a fome no mundo, pela restrição da oferta. É uma decisão tardia e de afogadilho. Critico muitas das ações do governo Dilma, mas não dá para esquecer que ela bem que tentou forçar a Vale a produzir fertilizantes minerais (e forçou a Petrobras a comprar projetos na área que a Vale não queria tocar) há 10 anos, bem como induziu a Petrobras a fazer fábricas de fertilizantes. Diante da queda geral de preços do petróleo, os projetos ficaram gravosos em 2014, foram paralisados e postos à venda pela Petrobras. Um dos motivos da ida de Jair Bolsonaro a Moscou, nas vésperas da guerra foi fechar o acordo da venda das fábricas de fertilizantes da Petrobras à russa Acron. Agora, a estatal está ameaçada de calote dos russos e o Brasil de ficar sem abastecimento de fertilizantes.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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