A imprensa corporativa tem descrito Volodymyr Zelensky como uma versão de Churchill do século XXI (ou como um herói mundial) — como destacou a IstoÉ no último fim de semana.
Kolomoisky é bilionário que odeia os russos e é odiado por Putin. Corrupto, deu a Zelensky espaço em sua TV, mais influente na Ucrânia do que a Globo no Brasil
Na vida real, Zelensky é uma figura política criada pelo bilionário Ihor Kolomoisky, dono da rede de TV 1+1, a de maior audiência na Ucrânia, e de múltiplos negócios, entre os quais o de mineração.
Zelensky era um comediante que se destacou em apresentações quando ainda era estudante de direito. Foi para a TV de Kolomoisky e explodiu com uma série na TV chamada Servo do Povo.
Na ficção, ele era um professor que um dia faz discurso contra a corrupção, um aluno grava e coloca na internet.
O vídeo viraliza e o personagem interpretado por Zelensky se elege presidente.
Na série, o candidato defendia a nova política, o que não tem sentido algum, já que existe política, que pode resultar em coisas boas ou ruins.
Mas esse mesmo discurso encontrou adeptos no Brasil, na mesma época, pela militância do MBL, Novo, bolsonaristas e Tábata Amaral, entre outros.
A série termina alguns dias antes da eleição na vida real. Na ficção, Zelensky teve 60% dos votos. Na eleição de verdade, 70%.
Na vida real, quem nega que Zelensky seja extremista de direita diz que os partidos que pertencem abertamente a esse segmento tiveram votação inexpressiva.
Zelensky era o candidato do bilionário que empedrou Zelensky ao mesmo tempo em que financiava (e financia) organizações extremistas, algumas neonazistas, como o Batalhão Azov, cuja doutrina prega a destruição dos moscovitas.
Negar a ligação de Zelensky com a extrema direita é um discurso falacioso.
O financiador da extrema direita era o patrão de Zelensky, que autorizou a série Servo do Povo, que, acredite, tinha o mesmo nome do partido pelo qual Zelensky, na vida real, disputou as eleições.
Quem acredita que seja coincidência talvez seja capaz de negar que as províncias de Luganski e Donetski sejam ricas em minérios, um dos produtos que fizeram a fortuna de Kolomoisky.
Uma das razões para o conflito que abala o mundo é a recusa de Kiev de reconhecer a autonomia daquelas províncias, histórica e etnicamente ligadas à Rússia, uma decisão que atende aos interesses do bilionário.
Na vida real, o enredo por trás da tragédia dos ucranianos tem ainda outro detalhe que não pode passar despercebido.
Em 2014, referindo-se a Kolomoisky, Vladimir Putin disse que era um “bandido único”.
A declaração foi feita depois que o então presidente interino da Ucrânia, Olexandr Turtchynov, nomeou o empresário bilionário governador de Dinipropetrovsk, província que concentra a maior parte da indústria ucraniana e que fica entre o centro e o leste do país.
A nomeação de Dinipropetrovsk é interpretada como recompensa pelo papel que Kolomoisky teve na chamada Euromaiden, a revolução colorida que levou ao golpe contra Victor Yanukovych, pró-Rússia.
Mas Putin já tinha motivos para não gostar de Kolomoisky. Três anos antes, segundo o próprio Putin contou em uma coletiva de imprensa, Kolomoisky teria dado um golpe no empresário russo Roman Abramovich, também bilionário (dono do Chelsea) e amigo do presidentente da Rússia.
“Ele (Kolomoisky) até conseguiu enganar nosso Roman Abramovich há dois ou três anos. O enganou, como nossos intelectuais gostam de dizer. Eles assinaram algum acordo, Abramovich transferiu vários bilhões dólares, enquanto esse cara nunca entregou e embolsou o dinheiro. Quando eu perguntei a ele (Abramovich): “Por que você fez isso?”, ele disse: ‘Eu nunca pensei que isso fosse possível.'”
Prosseguiu Putin: “Não sei, aliás, se ele alguma vez conseguiu o dinheiro de volta e se o negócio foi fechado. Mas isso realmente aconteceu alguns anos atrás. E agora esse bandido é nomeado governador de Dnepropetrovsk. Não é à toa que as pessoas estão insatisfeitas.”
Em 2015, Kolomoisky foi afastado do cargo de governador pelo presidente eleito em junho de 2014, Petro Poroschenko.
Na mesma época, o presidente nacionalizou o banco do empresário, o Privat, o maior do país, depois de acusação de fraude bilionária.
Foi nesse mesmo ano que a TV de Kolomoisky começou a exibir a série Servo do Povo, que terminaria alguns dias antes da eleição, quatro anos depois.
Um mês antes da posse de Zelensky — em abril de 2019 —, a Justiça decidiu que a nacionalização do Privat era ilegal, mas Kolomoisky não quis reassumir o banco. Ele quer ser indenizado em 2 bilhões de dólares.
Se Kolomoisky foi responsável pela propaganda que resultou na eleição presidente do país, já não precisava mais do banco.
Kolomoisky tem parte da sua fortuna investida nos EUA, mas desde o ano passado não pode entrar no país.
Em março do ano passado, já na gestão de Joe Biden, o Departamento de Estado reconheceu o envolvimento do empresário em “corrupção significativa”, o que revela que, nesse ponto, os EUA não podem negar que Putin tinha razão.
Em nota oficial, emitida no dia 5 de março de 2021, o secretário de Estado, Antony Blinken, explicou a decisão de proibir sua entrada no país, conforme registrou a Reuters.
“Embora esta decisão seja baseada em atos (corruptos) durante seu mandato, também quero expressar preocupação com os esforços atuais e contínuos de Kolomoisky para minar os processos e instituições democráticas da Ucrânia, que representam uma séria ameaça ao seu futuro.”
Teatro? Em se tratando de política externa dos EUA tudo é possível.
Mas, considerando que a decisão tenha sido etica e legalmente correto e se Blinken não mudou seu ponto de vista, talvez seja menos complicado do que se imagina encontrar pontos de convergência entre os EUA e a Rússia.
Kolomoisky nasceu na Ucrânia e tem cidadanias israelense e chipriana. Hoje vive na Suíça.
Pelo histórico, no entanto, vê-se que sua pátria é o dinheiro, e o ódio que mostrou sua face na Ucrânia com mais intensidade a partir de 2014 foi uma excelente oportunidade de negócio para ele.
JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)