A frase – “Na guerra, a primeira vítima é a verdade” – pode ser atribuída a Ésquilo, grande pensador grego e um dos pais da dramaturgia, que viveu no século 6 A.C. Há quem a atribua também ao grande pensador inglês Samuel Johnson, que viveu no século 18, notável ensaísta. Faria também justiça. Mas há uma terceira versão de autoria: Philip Snowden, o 1º Visconde de Snowden. Nascido nobre, em família que era dona de tecelagem, na 2ª metade do século 19, mas que após um grande acidente que o deixou paralisado da cintura para baixo, mergulhou fundo em estudos sociais, tornou-se um forte ativista nos movimentos sindicais, sendo dos primeiros a denunciar o capitalismo como antiético, enquanto pregava a promessa de uma utopia socialista. Entrou para o Partido Trabalhista e chegou a chanceler do Tesouro britânico (1024, voltando ao cargo de 1929 a 1931). Rompeu com os trabalhistas, quando o seu partido foi esmagado pelos conservadores chefiados por Neville Chamberlain. Morreu em 1937, antes do início da 2ª Guerra Mundial e do fracasso total do pacto de não agressão, ou de neutralidade, firmado em Berlim, no covil de Adolf Hitler, pelo primeiro-ministro Neville Chamberlain, que se jactava de estar ganhando tempo para que a Grã-Bretanha e o Ocidente se preparassem para enfrentar as tropas alemãs. Quando foi substituído por Winston Churchill, em maio de 1940, boa parte da Europa já estava sob o jugo de Hitler, exigindo um esforço muito maior em armas e perda de vidas.
Samuel Johnson cunhou outra frase genial, que se aplica tanto aos sombrios tempos de guerra como à livre manipulação pelos demagogos em tempos de paz ou em campanhas eleitorais: “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. O que Vladimir Putin, que há 23 anos domina o poder da Rússia, usando todos os métodos perversos que adquiriu como espião da temida KGB (o equivalente da CIA americana) nos tempos da União Soviética, com serviços prestados na então Alemanha Oriental (criada quando o exército da URSS expulsou as tropas nazistas da Rússia, da Ucrânia e das nações periféricas, e extinta em 1989, após a queda do Muro de Berlim, que levou à reunificação alemã), está fazendo é explorar ao máximo os axiomas de Ésquilo, Samuel Johnson e Philip Snowden. Não que não tenha sido mais ou menos praxe na história. Em tempos de guerra, e também de paz.
Mas em tempos de comoção bélica, e a pretexto da segurança nacional, os países (atacantes ou atacados) divulgam o que lhes interessa. Os primeiros mostram os feitos de suas conquistas, minimizando as baixas de equipamentos e vidas de militares. Já os países atacados valorizam qualquer derrubada de avião ou destruição de armamento mais pesado, como tanques, e a captura e mortes de soldados. E dão enorme ênfase – para comover a opinião pública mundial (que tem horror aos impactos das guerras, uma aberração para seres humanos racionais) e influenciar a posição de governos para condenarem o atacante e evitar a neutralidade ou a abstenção (o popular ficar em cima do muro – no caso da Índia e da China, com interesses inconfessados, o primeiro na região de Caxenmira, que disputa, há décadas, com o Paquistão; o segundo, de olho comprido em Taiwan, depois que a investida sobre Hong Hong foi assimilada pelo Ocidente) sobre as destruições de alvos civis (edifícios residenciais, hospitais, escolas) e a morte de paisanos, sobretudo crianças – situação que os agressores procuram esconder.
Embora tenha travado a guerra de agressão e tentativa de anexação de boa parte da Ucrânia – a visão dos ataques simultâneos ao território ucraniano, ao norte, tendo como marco a capital Kiev, e ao Sul, a região portuária de Odessa, sugere a possibilidade de duas frentes em pinças que podem dividir ao meio o território do maior país da Europa, depois da própria Rússia, celeiro agrícola (a Ucrânia é grande produtora de trigo e milho) e de depositário de minerais estratégicos – Putin acaba de fazer milhares de vítimas entre os 147 milhões de russos ao decretar severa censura aos meios de comunicação e à redes sociais. Notícias? Só as versões oficiais, como as que circulavam na antiga URSS, nascidas nos porões da KGB – cuja porta de entrada, numa das mais movimentadas praças de Moscou era uma loja de brinquedos (corria entre os russos, em 1988, quando visitei Moscou com um grupo de jornalistas convidados pela Andima, da qual era assessor de comunicação, que se tratava da “maior loja de brinquedos do mundo: a porta de entrada era na Praça Gorki, mas a de saída podia ser na Sibéria”…
Pelo que se depreende da “neutralidade” ou “equilíbrio”, repisado pelo presidente Jair Bolsonaro, sua “solidariedade” a Putin é meio semelhante ao fervor que tinha por Donald Trump. O que ambos cativaram em Jair Bolsonaro foi a atitude atrabiliária e despótica comum, expressa pelo desprezo à verdade e o apreço pelos “fatos alternativos”. Mais do que isso – como se viu nas eleições de 2016, quando ficou clara a interferência dos hackers russos (considerados dos mais eficientes e ousados do mundo) na eleição de Trump contra Hillary Clinton – Bolsonaro insistiu até o último minuto na veia do ex-presidente, que insuflou seus asseclas à infame invasão do Capitólio (o Congresso, maior expressão da Democracia nos Estados Unidos), de que a vitória de Joe Biden e Kamala Harris por mais de 3 milhões de votos e maioria folgada no Colégio Eleitoral se deu por fraudes (rejeitadas em todas as instâncias de Justiça). Uma versão já previamente fabricada para contestar qualquer resultado desfavorável em 2022 e abrir caminho para reação semelhante à tomada por Trump em 6 de janeiro de 2021.
O mais preocupante é que entre os temas discutidos na agenda de Bolsonaro em Moscou (escamoteados da imprensa brasileira) estava a cooperação entre as forças armadas dos dois países para a elaboração de códigos para proteção de segredos militares. Pode ser uma via de mão dupla para a vinda de técnicos russos ensinarem truques a brasileiros e vice-versa, para interferência nas eleições deste ano (antes, durante e após o processo eleitoral). Por isso mesmo faz todo sentido o pedido de explicações feito pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que controla o inquérito sobre as “fake news” no STF sobre a presença do filho 01, o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, na comitiva presidencial que foi a Moscou. Vale lembrar que Moraes, que já integra o Tribunal Superior Eleitoral, vai assumir a presidência do TSE em setembro e comandar as eleições em outubro.
Por isso, é sintomático e alarmante a mega “fake news” jogada ao vento por Bolsonaro esta semana, quando construiu um suposto pacto de solidariedade a Putin em troca de um apoio russo a um hipotético ataque das forças da Otan e dos Estados Unidos à Amazônia, dentro da “Nova Ordem Mundial”. Caetano Veloso já disse, há muito tempo, que “alguma coisa está fora de ordem; da nova ordem mundial”. Não era Bolsonaro nem Putin. Mas o disparate de Bolsonaro, repudiado até por seu ex-chanceler, Ernesto Araújo, que condenou a agressão da Rússia à Ucrânia, pode ser replicado por seus seguidores e servir de doutrinação a incautos fieis por parte de inescrupulosos pastores evangélicos (gratos a Bolsonaro ter perdoado suas dívidas bilionárias com a Receita Federal), em troca de campanhas abertas por sua reeleição, na qual as doações (muitas vezes proibidas) são legitimadas pelas ditas igrejas.
Todo cuidado é pouco.
O PIB não engana ninguém
A economia brasileira cresceu 4,6% em 2021, após tombo de 3,9% em 2020, devido ao impacto da Covid-19, mal gerida pelo governo Bolsonaro, avesso às medidas preventivas, como o uso de máscaras e restrições às aglomerações, sem falar do corpo mole à compra de vacinas, com resistência mantida até os dias de hoje, apesar de todas as estatísticas vincularem a queda das mortes (que já passaram de 650 mil brasileiros) justamente ao avanço da vacinação. Nos Estados Unidos, a resistência dos republicanos e religiosos, empurra o número de mortes para a casa do 1 milhão, após chegar aos 957 mil, só ameaçado pelos 787,2 mil mortos apontados pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), de Seattle nos EUA, um dos mais respeitados centros de pesquisa de métricas médicas do mundo, mais do que o dobro das 355,6 mil mortes anunciadas pelo governo Putin, superando as 512 mil vítimas na Índia e as 446,5 mil mortes no México, ainda segundo os cálculos do IHME.
Mas você, caro leitor, percebeu que não houve muita comemoração do governo? Em outra época, o ministro da Economia, Paulo Guedes, diria que “o PIB bombou”. Os motivos são vários. Em termos per capita, descontando o aumento da população (entre 0,68% e 0,70% ao ano), o PIB per capita ficou estagnado: tinha caído 4,6% em 2020 e cresceu 3,9% este ano. Como o PIB cresceu 1,9% em 2019 (1,2% em termos per capita), as expectativas para o ano eleitora de 2022 são muito modestas. E é isto que importa. O Bradesco, estima aumento de 0,5% este ano. O Santander espera 0,7%, mas prevê queda de 0,2% em 2023. E o Itaú, que chegou a prever queda de 0,5% este ano, após o bom resultado do 4º trimestre (aumento de 0,5%, puxado pela alta de 5,8% na agropecuária, após dois trimestres negativos, e pelo avanço de 0,5% em serviços, que voltam gradualmente à normalidade), afastada a ameaça maior de restrições no uso da eletricidade, após as chuvas de dezembro, janeiro e fevereiro, já avisou que vai reduzir o “viés de baixa”. Não se sabe se vai indicar, como a média do mercado, crescimento de 0,3% a 0,5%. Pelo sim pelo não, o governo está baixando impostos (IPI), mesmo agravando o rombo fiscal. A tal “reindustrialização” propalada por Paulo Guedes, é mera retórica. Primeiro, o Brasil tem de inserir sua economia (sobretudo a indústria) na rota de mudanças climáticas (que o presidente desdenha, fomentando mais destruição de florestas e invasão de reservas indígenas na região para exploração de minérios, agora com a desculpa esfarrapada de que há muito potássio sobre florestas intocadas, que ajudariam a produção de fertilizantes para o agronegócio.
A baixa dos impostos, no fundo, é o reconhecimento de que o que “bombou” na economia em 2021, na carona da inflação de 10,06%, foi a carga tributária. Segundo o IBGE, a arrecadação de “impostos sobre produtos” cresceu 6,4%. Já a renda das famílias avançou 3,8%, após cair 5,4% em 2020. Com os juros nas alturas e a inflação reaquecida pelos impactos da guerra na Ucrânia, a economia brasileira vai ficar com o freio de mão puxado até o 1º trimestre de 2023, quando então a taxa Selic, que deve chegar a 12,50% este ano (está em 10,75% ao ano), começará a ceder, na avaliação do Santander.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)