A vadiagem inconsequente de Jair Bolsonaro pela Rússia, epicentro de uma crise internacional e o iminente o conflito na Ucrânia, é a síntese do ócio, do escárnio, da estupidez diplomática e, sobretudo, da recorrente vergonha planetária imposta ao país nos últimos 3 anos. Depois de percorrer os 11.171 quilômetros que separam as duas capitais e posar no rigoroso inverno de Moscou, o estadista cuja compreensão não ultrapassa o cercadinho do Alvorada também capitulou sob o cerco do Kremlin. As baixas temperaturas do General Inverno no leste europeu já infligiram derrotas emblemáticas a outro nazista, cujo desfecho foi a tomada do “Führerbunker” de Adolf Hitler, no coração de Berlin, no final de abril de 1945.
A investida do Exército Vermelho foi batizada de “Operação Mito”. Vigiado, controlado e ridicularizado publicamente o “mito” verde e amarelo, Jair Bolsonaro, amarelou sob a mira russa e atirou o Brasil no torvelinho da maior crise geopolítica desde a segunda Grande Guerra, apoiando a Rússia no método nazista e barbárie da anexação de territórios autônomos.
Com muitas portas fechadas na Europa, Bolsonaro queria demonstrar que não é um pária mundial. Não conseguiu. Falseou, mentiu, reafirmou sua índole autoritária e nunca um chefe-de-Estado foi tão desastroso à imagem do seu país. A solidariedade a Vladimir Putin na maior crise global recente esfolou a diplomacia brasileira de maneira hemorrágica e apartou o Brasil das nações democráticas. Uma asneira gigantesca. A viagem em um momento tão grave, sem resultados, com a participação do gabinete do ódio e da ignorância, inclusive o chefete, Carlos Bolsonaro, levantou suspeitas de toda ordem.
O saldo concreto é único e desastroso: uma estrambótica solidariedade de Bolsonaro a uma aliança entre os comunistas de fachada, Vladimir Putin da Rússia e Xi Jinping da China, que já foi objeto de hostilidades xenófobas do Itamaraty e da família Bolsonaro na Pandemia. Além dos impactos negativos nos preços do petróleo (gasolina, diesel e gás de cozinha), que irá turbinar a alta inflação por aqui em ano eleitoral, o Brasil entra na mira das retaliações de países democráticos da Europa e do próprio Estados Unidos. O porta-voz da Casa Branca já anunciou que o Brasil está “do outro lado”, faltando apenas Bolsonaro reconhecer a independência dos territórios separatistas de Donetsk e Luhansk.
Na Rússia, além do desastre diplomático histórico, o capitão Bolsonaro piou fino e se submeteu aos mandamentos científicos. Se rendeu a todos os protocolos sanitários que sabota diariamente no Brasil, onde desfila potencializando infecções e inflando o número de mortes. Foi colocado em confinamento, usou máscara, respeitou o distanciamento, fez uma bateria de testes de detecção da Covid-19 e bateu continência ao soldado comunista. Quando está em solo brasileiro, onde já morreram mais de 645 mil pessoas – o terceiro pior resultado do mundo –, Bolsonaro exerce a primazia da bandalheira: não faz testes, decreta sigilo centenário sobre sua carteira de vacinação, descumpre quarentena, despreza o distanciamento, convoca aglomerações e desdenha da efetividade das máscaras.
Há uma profusão de atitudes dele escarnecendo da proteção. Ele pressionou o ministro da Saúde a decretar o fim da obrigatoriedade das máscaras e chegou a tirar a proteção do rosto de uma criança. Disse a a um grupo de “forrozeiros” que é “proibido usar máscara no Palácio do Planalto”. Naquele dia 13 de dezembro de 2021 o Brasil contabilizava 617 mil óbitos e a variante Ômicron começava a castigar o País, precipitando a terceira onda da Pandemia. E ele nem fica vermelho.
Antes mesmo aterrissar no berço da bandeira vermelha do comunismo, as redes bolsonaristas, pródigas em delírios e mentiras, disseminavam que a missão do messias genocida seria evitar a terceira guerra mundial. Um de seus sabujos, Ricardo Salles, com a consciência alterada pela fumaça tóxica do maior desmatamento em 14 anos em sua gestão inflamada, chegou a postar em redes sociais que Bolsonaro evitou o conflito e que deveria ser agraciado com o Prêmio Nobel da Paz.
Disse depois que a ameaça de uma guerra de consequências imprevisíveis era uma “brincadeira”. O histriônico Ricardo Salles, que avermelhou as florestas brasileiras com a queimadas, é alvo de um inquérito, autorizado pelo STF, por ter interferido nas investigações sobre a maior apreensão de madeira da história. A PF sustenta que Salles participou de um esquema de tráfico ilegal de madeira. O sigilo quebrado mostrou uma “movimentação extremamente atípica” de R$ 14,1 milhões. Isso não é brincadeira.
O próprio capitão, dado a jactâncias e tolices inverídicas, delirou na tentativa insana de capitalizar a suposta reversão do ambiente bélico no Leste: “A leitura que eu tenho do presidente Putin é que ele é uma pessoa também que busca a paz. E qualquer conflito não interessa para ninguém no mundo. Por coincidência ou não, parte das tropas deixaram a fronteira e, pelo que tudo indica, é uma grande sinalização que o caminho para a solução pacífica se apresenta no momento para Rússia e Ucrânia”, disse Bolsonaro. A tacanhice foi ridicularizada mundo afora e desmentida pelos fatos. Cinco dias depois, o presidente Vladimir Putin reconheceu a autonomia de dois territórios separatistas e sete dias após a profecia da ignorante de Bolsonaro, a Rússia deflagrou a guerra com a invasão do território Ucraniano desafiando o mundo e deixando no ar uma expectativa de derramamento de sangue. Para os bolsonaritas “uma brincadeira” explosiva de redes sociais.
Menos grave do que o desconhecimento sobre a realidade geopolítica na região, mais falso que a submissão à ciência foi a tentativa de vender a imagem de um pacifista. A gestão caótica dele no Brasil se caracteriza pelo método do conflito, dos tensionamentos diários, das crises permanentes, das quarteladas frustradas, das iniciativas de armar as milícias, do belicismo, das ameaças reiteradas contra os Poderes constituídos, da “porrada” em jornalistas, dos desfiles de cacarecos militares pela Esplanada ocorridos, “coincidência ou não”, no mesmo no dia da votação e da rejeição do retrocesso do voto impresso. É o mesmo pacifista de araque que ameaçou guerrear contra a maior potência militar do planeta, os EUA. Não sabe o que diz, não pensa e, pior, desconhece as consequências de suas asneiras para o país. “Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”, disse Bolsonaro ao se referir a possíveis barreiras comerciais dos EUA condicionadas à preservação da Amazônia.
A presença vigiada, as falsidades e a caricatura de Bolsonaro na Rússia passaram em branco para os periódicos avermelhados do Leste. Consegue não ser respeitado por nenhum líder mundial, da direita ou da esquerda. É a imagem da bizarrice e do primado da estupidez. O isolamento mundial e a índole autocrata se acentuaram com a visita inútil e intempestiva à Rússia e, claramente, foi uma tentativa de gerar desconforto nos EUA.
Lá Bolsonaro é ignorado por Joe Biden depois de ter se aliado a Donald Trump e de ter aplaudido a invasão nazista no capitólio que levantava suspeitas infundadas sobre a eleição. Pisando no pé dos ucranianos, conservou sua insignificância mundial. O tour pelo Kremlin é o pior capítulo da vergonha mundial, iniciada nos primeiros meses da gestão que acumula vexames para a diplomacia brasileira. Nódoa inaugurada pelo ex-chanceler Ernesto Araújo, que ideologizou o Itamaraty, exterminou o multilateralismo, implodiu o bloco do BRICs, onde está a Rússia, o Mercosul e pregou a subserviência a Trump por reciprocidades que nunca se materializaram.
Na segunda perna da vagueação vexatória, Bolsonaro ficou muito à vontade ao lado do ditador da Hungria, Viktor Orbán, a quem chamou de “irmão”. Jair Bolsonaro aproveitou o conforto das ditaduras para reproduzir o lema fascista sobre “Deus, Pátria, Família”, em seu discurso de recepção no país. As palavras usadas pelo fascismo italiano foram importadas para o Brasil pela Ação Integralista e também foi usada pela Ditadura de Salazar em Portugal, de 1933 a 1974.
As teses centrais do fascismo/nazismo foram copiadas na gestão Bolsonaro. Desde a posse, ele conspira contra a democracia e seus alicerces sagrados. Seguindo um manual populista grotesco convocou manifestações para rupturas institucionais, pregou abertamente a desobediência a decisões judiciais e tenta recorrentemente deslegitimar os Poderes da República. O golpismo é a reação do cerco ao clã, da queda vertiginosa nas intenções eleitorais, do salto nas estatísticas de rejeição e desaprovação da gestão, da erosão da imagem desencadeada pela CPI da Pandemia, da ruína econômica e da prisão das cavalgaduras que serviram de biombo na tentativa de fragilizar as instituições democráticas.
Em suas deambulações mundo afora, fruto do ócio e do sadismo degenerado, o capitão Bolsonaro parece não cansar de enxovalhar indistintamente os brasileiros por onde pisa, sempre bajulado por comitivas exóticas em hospedagens nababescas. O anão do cercadinho vem buscando camuflar sua pequenez administrativa e política em missões internacionais improdutivas, cada vez mais restritas a nações com fortes convergências com sua índole autoritária e ditatorial, mas que também não o respeitam.
Entre as nações democráticas se sente desconfortável. O tour desértico aos Emirados Árabes, Bahrein e Catar, no final do ano passado, não produziu um resultado concreto, além de uma motociata poeirenta. Outra exibição internacional de despreparo, apenas para verbalizar tolices incompreensíveis. Em Dubai chegou a dizer que por lá tratou da “troca de presos políticos”. Para ele são presos políticos no Brasil Roberto Jefferson, Daniel Silveira, Zé Trovão e, em breve, Allan dos Santos, e outros delinquentes. Golpistas da pior laia.
Em janeiro de 2019, a vergonha e estupidez fizeram a estreia mundial. No encontro de Davos, além de um discurso pífio de 15 minutos que frustrou expectativas internacionais, Bolsonaro protagonizou uma das barbaridades do anedotário mundial da política, ao oferecer a exploração econômica da Amazônia ao ecologista Al Gore. O registro foi publicado em várias redes sociais. Nas cenas, Al Gore se aproxima do presidente para mostrar solidariedade em relação ao estado de conservação da Amazônia: “Estamos todos muito preocupados com a Amazônia, é algo que me toca profundamente”. O presidente brasileiro vê a situação com um olhar turvado, do andar de baixo: “Temos muita riqueza na Amazônia e eu adoraria explorar essa riqueza com os Estados Unidos”.
Na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2021 em Nova York, o guru do cercadinho não se limitou a ridicularizar o Brasil. Mentiu numa incontinência despudorada: “Estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção”…“Na Amazônia, tivemos uma redução de 32% do desmatamento no mês de agosto, quando comparado a agosto do ano anterior”… “No Brasil, para atender aqueles mais humildes, obrigados a ficar em casa por decisão de governadores e prefeitos e que perderam sua renda, concedemos um auxílio emergencial de US$ 800 para 68 milhões de pessoas em 2020”… “Lembro que terminamos 2020, ano da pandemia, com mais empregos formais do que em dezembro de 2019”… “Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina”…”Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina”…”Não entendemos porque muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial”.
A hipocrisia, a ignorância e a mentira patológica estarrecem. O PSL pelo qual foi eleito usou laranjas e há indiciamentos. Os filhos estão investigados ou denunciados por corrupção, o vice-líder do governo foi flagrado com dinheiro na cueca, há ministros indiciados por crimes contra a administração pública, Paulo Guedes tem uma offshore bilionária em paraíso fiscal, o orçamento secreto é para corromper setores do Parlamento e o escândalo de corrupção das vacinas foi escancarado. Na compra da Astrazeneca era cobrado 1 dólar de propina por dose. A aquisição da Covaxin, exigida por Bolsonaro, só foi cancelada depois que a CPI do Senado encadeou mais de 20 irregularidades. Entre elas superfaturamento, falsificação de documentos, pressão sobre servidores e pagamentos antecipados em paraísos fiscais a empresas estranhas ao contrato.
A compra só foi desfeita depois que o laboratório indiano descredenciou a intermediária, a Precisa Medicamentos, caloteira íntima do líder do governo e ex-ministro da Saúde, Ricardo Barros, e o relatório final da CPI indiciou Bolsonaro por 9 crimes comuns ou de responsabilidade, devidamente congelados por Augusto Aras. A excursão à ONU, além de disseminar fake news em série, serviu para espalhar um rastro de Covid-19 e ainda rendeu um festival de gafes, esfarelando o pouco que restava da nossa credibilidade. Bolsonaro se encontrou com o premiê britânico Boris Johnson e respondeu que “ainda não” se vacinou, que estava com imunidade contra Covid-19 alta porque já teve o vírus. O dedo obsceno do ministro da Saúde, Pazuello de jaleco e estetoscópio, nas ruas de Nova Iorque também não será esquecido.
Em novembro 2021, os périplos liliputianos de Jair Bolsonaro evidenciaram o desprezo diante dos chefes de Estado do G20 em Roma. O capitão ficou deslocado, não conseguiu interagir com outros líderes, bateu papo com os garçons e o Brasil amargou a certeza de ser um pária mundial, insignificante para outras nações. Não pisasse o pé de Ângela Merkel, Jair Bolsonaro teria saído da Itália sem ser notado. Para o Brasil ficou apenas a imagem da agressão selvagem a jornalistas brasileiros nas ruas da capital italiana. A vergonha foi de tal magnitude que Bolsonaro foi constrangido a desistir da segunda perna da excursão, em Glasgow, na Escócia. No Brasil, o próprio mandatário faz o papel de bobo da Corte. É uma reiteração da humilhação mundial.
Os resultados nulos – econômicos ou geopolíticos – dessas jornadas nas mil e uma noites escuras das arábias ditatoriais, na Rússia autoritária ou na Hungria sombria, servem apenas para reforçar a relevância do ex-presidente Luiz Inácio da Silva no cenário mundial. A cada viagem de Bolsonaro multiplicam-se nas redes sociais as memórias das recepções ao ex-presidente Lula pelo mundo. Tratado com honrarias reservadas a altas personalidades, Lula foi recebido no ano passado por Emanuel Macron, no Palácio do Eliseu com a marcha da guarda republicana, distinção dada aos representantes de grandes instituições internacionais. Além da forma, o governo francês divulgou – ao contrário das conversas ociosas de Bolsonaro – o conteúdo do encontro: governança global, combate às desigualdades, à fome, crise sanitária, situação climática e o desmatamento.
Antes de se reunir com Macron no ano passado, Lula foi recebido também pela prefeita de Paris – berço do iluminismo e da civilização -, Anne Hidalgo. Na passagem pela Europa ainda teve o encontro com Olaf Scholz, primeiro-ministro da Alemanha, e com Pedro Sanchez, premiê e líder dos socialistas da Espanha. No carnaval Lula irá ao México se encontrar com o presidente Andrés Manuel López Obrador. A recepção respeitosa e as conversas de Lula pela Europa e nas Américas sempre têm ampla repercussão e editoriais nos jornais. Servem para redimensionar o Brasil no exterior, revelando que o país é bem-vindo ao debate mundial sobre temas globais relevantes e contemporâneos como meio ambiente, fome, emprego, crises sanitárias, entre outros. É desprezado quando a pauta é a do cercadinho, medieval, bizarra, belicista e antidemocrática. Nossa bandeira já é vermelha, com o rubor da vergonha.
WEILLER DINIZ ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)