A conquista da cidade marroquina de Ceuta, na costa do Mediterrâneo, em 1415, pelas forças do Mestre de Avis, o Rei Dom João I (1357 – 1433), o de Boa Memória, marca o início das Grandes Descobertas. A Coroa de Lisboa asseguraria, rapidamente, o controle do litoral do Marrocos – construindo inexpugnáveis fortalezas, ao longo do Mediterrâneo e Atlântico, estendendo-se ao Sul de Agadir, nos contrafortes da atual Mauritânia. As feitorias resistem até os nossos dias.
Os lusitanos começariam a ocupar o restante da África no final da Idade Média – principiada em 476, com o fim do Império Romano, prolongando-se por quase mil anos, ou seja, até a queda da cristã bizantina Constantinopla em poder dos sultões islamitas otomanos, em 1453. Quando os portugueses chegaram às Áfricas, só existiam, lá, duas nações cristãs – o Sudão, antiga Núbia, ao Sul do Egito, e a bíblica Etiópia, próxima ao Mar Vermelho, domínio do mítico soberano Prestes João. Ambas eram Ortodoxas – seguidores dos Coptas egípcios.
As populações do continente eram, majoritariamente, muçulmanas e animistas. Foram os portugueses que levariam o Catolicismo para todos os rincões de África. Seus missionários, como sabemos, evangelizaram, igualmente, grande parte da Ásia e o próprio Brasil. Mas uma localidade africana, à margem do Índico, com arraigada presença islâmica, exigiria dos lusitanos um esforço redobrado. Trata-se da belíssima Ilha de Moçambique, que terminaria por dar nome ao país, na Província de Nampula, ao Norte, perto da Tanzânia, em frente a Madagascar. Muitos dos fiéis das religiões africanas, os chamados animistas, seriam vendidos como escravos por seus algozes maometanos e trazidos pelos mercadores europeus para as Américas.
Mais de 500 anos depois do desembarque do Almirante Vasco da Gama (1469 – 1524) à Ilha de Moçambique, em 1498, antes de alcançar a Índia, o território insulano, que ainda hoje preserva esplêndidas edificações em estilo arquitetônico Manuelino, vive sobressaltado com o terrorismo islâmico atuante na Província de Cabo Delgado – vizinho ao Norte de Nampula.
Foi justamente em Cabo Delgado, no último dia 15 de dezembro, que o catequista católico, Matias Buscam, moçambicano negro, foi barbaramente degolado, diante da mulher e dos filhos, por um comando adepto do ‘Estado Islâmico’. Os assassinos obrigaram a esposa a carregar a cabeça do martirizado marido, a fim de apresentá-la às autoridades do país com a intimidatória mensagem: “Ainda estamos aqui”. O catequista estava a se deslocar com a família rumo à ‘machamba’ – termo usado para a agricultura.
Há muito tempo, na região do Índico, os extremistas muçulmanos estão presentes – insuflados, na maioria das vezes, pelos grupos mais radicais da ancestral Etiópia, que se transformaram em repúblicas islâmicas, a exemplo da Somália e Eritreia, antigas colônias italianas, bem como o velho ‘protetorado’ francês do Djibuti. O Administrador Apostólico da Diocese de Pemba, onde ocorreu o odioso crime, Dom António Juliasse Ferreira Sandramo, disse aos informativos da Santa Sé que o recrudescimento dos ataques terroristas em sua prelazia pode causar a fuga em massa para o Sul da nação, na qual se encontra a capital Maputo – cidade fundada pelos portugueses, em 1787, com o nome de Lourenço Marques, navegador que se estabeleceu no século XVI naquelas terras.
Também a Ilha de Moçambique, primeira capital da colônia, está ameaçada – embora desde quando era uma província ultramarina de Lisboa há uma convivência relativamente pacífica entre muçulmanos e católicos. De Moçambique, convém sempre lembrar, saíram alguns dos maiores craques da História do futebol europeu. Como Eusébio e Coluna, que brilharam nos anos 1960 no Benfica, e os irmãos Vicente e Matateu, à mesma época, no meu querido Os Belenenses. Todos negros e de famílias católicas convertidas pelos missionários portugueses.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador