A desfaçatez do jornal “O Estado de S. Paulo” alcança níveis absurdos. A edição de domingo (20) traz extensa reportagem que, na versão de internet, intitula-se “Magistrados deixam a toga e atuam em casos bilionários de recuperação judicial”. Tema oportuno, mas que simplesmente passa pano no exemplo mais gritante da prática ilegal: Sérgio Moro, ex-juiz parcial que condenou Lula, abandonou a toga para tornar-se ministro de Jair Bolsonaro e dispensou o cargo para trabalhar na consultoria americana Alvarez & Marsal, de cujos honorários 75% são provenientes de empresas brasileiras alvejadas pela Operação Lava Jato.
A matéria discorre sobre procedimentos do Conselho Nacional de Justiça para investigar a conduta de juízes que pediram exoneração ou aposentadoria antecipada para atuar, em grandes bancas de advocacia, em favor de empresas em dificuldades cujos processos ocorreram sob sua jurisdição. Cita vários casos. Quase no pé do texto, fala de Moro e da Alvarez & Marsal como se este fosse mais um entre tantos.
O “Estadão” aborda a Operação Lava Jato no seguinte trecho: “Na pandemia de covid-19, 1,3 mil companhias recorreram à legislação falimentar do Brasil para enfrentar débitos classificados como impagáveis. A crise sanitária, na prática, aqueceu ainda mais esse segmento, marcado por disputas e denúncias de irregularidades. Há, de fato, muito dinheiro envolvido. As maiores dívidas, porém, são de anos anteriores à chegada da covid-19. Envolvem empresas investigadas pela Operação Lava Jato, como Odebrecht, OAS, Sete Brasil e Oi. Juntas, chegaram a ter R$ 190 bilhões pendentes com credores”.
Quando chega a Moro, o jornal pratica a regra da isenção hipócrita, do benefício da dúvida a quem não o merece, aquele tom que até poderia ser aceito em questões verdadeiramente polêmicas. Mas no caso não há polêmica – estão claros como a luz solar e descrito em inúmeras reportagens da mídia progressista os métodos e os lucros do ex-juiz parcial. Tendenciosamente, o “Estadão” embrulha Moro e tudo que ele representa de deletério para a Justiça brasileira no mesmo pacote de litígios politicamente desimportantes. Como se ele não fosse candidato a presidente de República.
O affair Moro / Alvarez & Marsal não exigiu do “Estadão” descrição do que está em investigação pelo TCU: como noticiado, a consultoria recebeu mais de R$ 42 milhões de empresas pilhadas por Moro e o Ministério Público Federal. E, ao que tudo indica, remunerou o ex-magistrado parcial com esse dinheiro. Cabe ao Tribunal esclarecer.
PAULO HENRIQUE ARANTES” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)