Tenho desde sempre uma forte ligação com Petrópolis. A família de minha avó paterna, Laura de Oliveira Xavier, é de lá. Trago da primeira infância algumas faíscas de memória, todas felizes.
Há exatos vinte anos e meio tenho uma casa no distrito de Araras, um tanto distante do centro, onde passo metade da semana e me sinto especialmente abrigado.
Faço esse relato para explicar que a tragédia vivida pela bela cidade me dói de maneira especial. E, ao mesmo tempo, reforça a minha mais profunda indignação.
Até o momento em que escrevo são 106 mortos e ao menos 134 desaparecidos. É a pior tragédia da história da cidade de Petrópolis. Sim, sim, há pouco mais de dez anos houve tragédia ainda maior, com mais de 900 mortos, mas em todo o município, que é extenso. Na cidade propriamente dita foram 74.
As imagens que circulam intensamente desde o mesmo entardecer da terça-feira são chocantes e dolorosas. Agora mesmo acabo de ver a filmagem de várias pessoas tentando desesperadamente sair de dois ônibus mergulhados na correnteza de lama e sendo levadas pelas águas. Terão sobrevivido?
Na quarta-feira vi o desespero de uma jovem mãe tentando, com uma enxada, resgatar a filha que estava soterrada. Não conseguiu. O corpo morto da menina foi encontrado no dia seguinte.
Por todos os lados circulam pedidos de doações. Petrópolis precisa de comida, de água, de roupas e colchões para quem perdeu tudo.
Pois precisa disso e de muito mais. O que estamos vendo não é, ao contrário do que dizem os incautos ou os ignorantes ou os cúmplices, um desastre causado pela fúria da natureza.
Não, não: como bem disse há décadas o escritor uruguaio Eduardo Galeano, a natureza não se enfurece. Ela apenas reage ao que fazem com ela.
O que estamos vendo em Petrópolis é o resultado do que se vê Brasil afora: a ocupação desenfreada de áreas de risco, de zonas abandonadas, e na imensíssima maioria dos casos essa ocupação é feita pelos pobres ou miseráveis.
É o resultado das brutais desigualdades sociais que encobrem este país de vergonha e miséria.
E também o resultado da incompetência pública dos governantes. Sim, sim: de prefeitos, governadores, legisladores e dos presidentes. Da falta radical de políticas de preservação, de urbanização e principalmente de moradias populares.
Se algo se avançou nessa direção durante um tempo, hoje o que temos é puro retrocesso.
Em 2017 um estudo da Defesa Civil alertou que na cidade de Petrópolis havia quinze mil imóveis em áreas de risco de destruição – leia-se: alto risco. E nada foi feito.
Ou melhor, uma coisa o governador bolsonarista Claudio Castro fez: no ano passado, cortou para pouco menos da metade o dinheiro previsto em orçamento para programas de prevenção de riscos e resposta a desastres ambientais no estado do Rio de Janeiro. O resto teve outro destino.
Não é preciso ser urbanista ou especialista para entender o que eles todos dizem: a falta de uma política habitacional destinada às camadas mais pobres da população é a verdadeira causa das invasões desenfreadas de zonas de risco, tanto terras públicas como abandonadas pelos donos.
E enquanto nada for feito, novas tragédias vão acontecer.
Não, não, a culpa não é da natureza. A culpa é da injustiça social escandalosa de nosso país e da irresponsabilidade de nossos governantes.
ERIC NEPOMUCENO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)