BOLSONARO ENRIQUECE O FEBEABÁ NO NORDESTE

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

Caravana de Bolsonaro no Nordeste queimou na largada; o jegue era cavalo e a água não apareceu

O presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, está tomando uma surra nas pesquisas eleitorais nos nove estados do Nordeste. A região onde vivem 54 milhões de brasileiros e 42 milhões de eleitores foi a única onde o candidato do PT, Fernando Haddad, derrotou Bolsonaro por 69,7% a 30,7% dos votos válidos em 2018. Na pesquisa Quaest/Genial, divulgada esta semana, a vantagem de Lula do PT sobre Bolsonaro é de 61% a 13% na região. Por isso, o presidente da República, que não foi à Bahia (4º maior colégio eleitoral do país) prestar solidariedade durante as inundações de janeiro que mataram mais de 25 pessoas, e há duas semanas, em sua “live” das quintas-feiras, mostrou desconhecimento sobre Padre Cícero e debochou dos nordestinos, chamando-os de “paus de arara”, programou uma agenda especial esta semana no Nordeste para tentar faturar politicamente a inauguração de trechos da transposição das águas do Rio São Francisco.

Cogitada por D. Pedro II, no século 19, a obra foi estudada nos primeiros anos da República, há mais de 100 anos, mas só saiu do papel no 2º governo Lula. As obras continuaram nos dois mandatos da presidente Dilma, tiveram continuidade quando o vice-presidente Michel Temer assumiu o governo, após o início do processo de “impeachment”, em abril de 2016. Quando Bolsonaro assumiu, em janeiro de 2019, restavam pouco mais de 20% dos gastos das obras para serem feitos. Repetindo em escala nacional (ao vivo e a cores para todo o Brasil) o ritual do velho político Amando da Fonseca (vereador que era sucessivamente eleito no antigo Distrito Federal) inaugurando “bicas d’água” nas favelas de então (Dona Marta, Catacumba, Rocinha, Mangueira, etc, antes da inauguração do Guandu sanar o problema), Bolsonaro quis fazer do evento administrativo de chegada da água a pontos do Rio Grande do Norte e da Paraíba, o lançamento de sua campanha à reeleição no Nordeste, num evidente desrespeito à legislação eleitoral, uma vantagem evidente para o presidente, governador ou prefeito que usa as verbas do cargo público para turbinar sua candidatura à reeleição.

Mas a caravana, iniciada na 3ª feira, no Rio Grande do Norte, onde haveria uma “jegueata fake”, pois Bolsonaro montava vistoso cavalo branco, enquanto seus ministros potiguares, Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, incumbido da transposição em seu governo, estava montado em um cavalo castanho, e Fábio Faria, das Comunicações, se exibia em cima de belo cavalo pampa, disputando popularidade para candidaturas ao Senado, já queimou na largada. Também a cavalo estavam os ministros do Turismo, o pernambucano Gilson Machado, o baiano, João Roma, da Cidadania, e o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria Geral). E os cavalos exibiam lustrosas e confortáveis selas inglesas ou australianas. Praticamente não se via nenhum vaqueiro montado com arreios artesanais em jegue, animal que vem sendo substituído no Norte, Nordeste e Centro-Oeste por motos, mais práticas.

Mas o folclore político (inaugurado por maldosa legenda em uma grande foto de um senador montado em jegue, num dos jornais de Assis Chateaubriand, que alvejou o adversário político informando que o “senador é o de chapéu de couro”), sempre procura associar que este ou aquele político está montado em um jegue. Fizeram isso com Fernando Henrique Cardoso, que montava, em 1994, um cavalo branco. Agora, todos estavam reunidos em Jardim de Piranhas, município do Rio Grande do Norte (estado governado por Fátima Bezerra, do PT), para testemunhar a chegada da água do São Francisco. A cerimônia começou ao meio-dia e a abertura das torneiras que verteriam, finalmente, no sertão potiguar as águas do São Francisco, teve de ser suspensa, por falta de água, às 13h10. Bolsonaro deixou o local às 13h50.

Numa falha digna de entrar para uma edição atualizada do Febeapá (o “Festival de Besteiras que Assola o País”, cunhado por Sérgio Porto – Stanislaw Ponte Preta, depois do golpe militar de 1964), houve uma “inauguração fake”. Por erro de cálculo, incompetência ou sabotagem política, calcularam mal o tempo de chegada das águas até o sertão do Rio Grande do Norte. A vazão prevista para a transposição é de 23m3/s, mas houve erro de cálculo quanto ao tempo de escoamento das zonas de bombeamento até o açude de Jardim de Piranhas e a água do São Francisco, efetivamente, só chegou ao Rio Grande do Norte e à Paraíba, etapa seguinte da caravana de Bolsonaro na tarde da 4ª feira, quando Bolsonaro já tinha regressado a Brasília. Para a turma não ficar a seco, bombearam água das chuvas que já estava represada no açude. Um fiasco total. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, responsável pela obra de interligação nos pontos finais com a interveniência dos governos estaduais, confirmou que a água só chegou no dia seguinte e a vazão plena, no amanhecer de 5ª feira. E insinuou ter havido boicote do governo do estado, petista. Já o secretário de recursos hídricos do RN, João Maria Cavalcanti, disse que o comitê de bacias que monitora o Rio Piranhas-Açu, por onde a água deveria entrar no estado, alertou que o volume de água liberado dois dias antes na Barragem de São Gonçalo, na Paraíba, não chegaria a tempo. Teria sido um grosseiro erro de cálculo.

Lembro a você, caro leitor, para tirar suas conclusões, que boa parte das obras da Transposição ficou sob a coordenação da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. A notória Codevasf, tão pródiga em produzir escândalos de desvio de dinheiro, incompetência e apadrinhamento político em seus quadros, é uma das joias da coroa do PL de Valdemar Costa Neto, condenado e preso por mais de três anos na Lava Jato, e que inscreveu o presidente Jair Bolsonaro como candidato à reeleição. A trapalhada pode ser comparada à proposta do então candidato à presidência da República pela chapa PTB-PSD, Marechal Henrique Teixeira Lott, de “cobrir os açudes do Nordeste de plástico para evitar a evaporação”. Virou chacota e ajudou a afundar sua candidatura, derrotada por Jânio Quadros, em 1960. Para coroar o festival de equívocos, o ex-senador Magno Malta atropelou todos os cânones fazendo discurso de convocação para que os nordestinos reelejam Jair Bolsonaro. A fala eleitoreira em ato administrativo motivou ação da oposição junto ao Superior Tribunal Eleitoral. No limite, poderia até gerar a cassação dos direitos políticos do presidente da República. Com a palavra, o ministro Edson Fachin, que assumiu a presidência do TSE.

O avanço das Federações

Desde 2017 a legislação eleitoral extinguiu as coligações partidárias nas chamadas eleições proporcionais (para deputado federal, deputado estadual, deputado distrital – no DF, e a vereador), mas a porta continuou aberta à união de partidos em torno de uma candidatura única às eleições majoritárias (presidente, senador, governador e prefeito). A intenção da Justiça eleitoral era enxugar o número de partidos políticos do país. Oficialmente, há 32 partidos políticos no Brasil. Mas, da sopa de letrinhas em que se converteram, só 15 têm atualmente assentos no Senado Federal e apenas 25 têm presença na Câmara dos Deputados. Assim, sete agremiações sem representação no Congresso poderiam ser excluídas. Visando ao enxugamento de siglas pouco representativas (entre as quais se encontram o Unidade Popular, o Partido Trabalhista Cristão, o Partido Comunista Brasileiro, o Partido da Mulher Brasileira, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o Partido da Mobilização Nacional, o Partido da Causa Operária, o Partido Trabalhista Cristão, o Democracia Cristã e o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro), desde 2017, o instrumento das coligações partidárias foi extinto nas eleições proporcionais, que elegem representantes políticos para as casas legislativas (cargos de deputado federal, deputado estadual, deputado distrital e vereador). No entanto, a legislação continuou a permitir a união de partidos em torno de uma única candidatura nas eleições majoritárias (para os cargos presidente, senador, governador e prefeito). Para quem não está ligando as siglas às pessoas, o DC é o partido do folclórico José Maria Eymael, enquanto o PRTB era o partido de Levy Fidelix, morto em abril do ano passado, de Covid-19, ao qual está filiado o vice-presidente Hamilton Mourão.

Foi pensando em unir forças e conquistar o ganhar o maior tempo de rádio e TV no chamado “horário eleitoral gratuito” (pago por todos os contribuintes/eleitores, vale dizer por você e eu, caro leitor), que o PSL, presidido pelo pernambucano Luciano Bivar, partido pelo qual se elegeu Jair Bolsonaro, em 2018, e conquistando o maior número de cadeiras na Câmara Federal (55, contra 53 do PT), se uniu ao DEM (28 deputados). Mas a fusão provocou debandada de bolsonaristas no PSL e no DEM, com o União Brasil ficando com 44 deputados. Muitos migraram para o novo partido ao qual se filiou Jair Bolsonaro, o PL do notório Valdemar Costa Neto. Apesar de tantas siglas e agremiações partidárias, dos 513 deputados federais, apenas 10 partidos concentram 381 deputados, ou 74,2% da representação. Com os 25 deputados do PDT (11º partido da Câmara), o grau de concentração passa de 80%. Isto significa que menos de 20% são repartidos entre 14 siglas. Na Europa, onde o parlamentarismo é adotado pela maioria dos países, a fragmentação partidária é combatida com a exigência mínima de representação no Congressos da Europa.

Diante da fragmentação partidária, a história nos ensinou que nem sempre o presidente, o governador ou o prefeito eleito com folgas nas urnas consegue unir em torno de si uma representação no Congresso Nacional, na Assembleia Legislativa ou na Câmara dos Vereadores para fazer avançar suas propostas. Getúlio Vargas percebeu isso e criou o PTB, para romper o antagonismo entre o velho PSD e a UDN. Mas Jânio Quadros ignorou os partidos (montou no cavalo da UDN porque estava selado) e se deu mal, quando encenou a renúncia (que esperava virar golpe com apoio militar que não veio a tempo, porque sua carta de renúncia foi lida no Senado e se tornou fato consumado).

Na redemocratização, a Constituinte desenhou a Constituição Federal de 1988 para vigorar em regime parlamentarista-republicano (preferência de Tancredo Neves, que, doente, deu lugar ao vice, José Sarney, e do presidente da Câmara, Ulysses Guimarães). Mas Ulysses deixou para um plebiscito decidir se o Brasil teria uma Monarquia ou República com presidencialismo ou parlamentarismo. E um segundo plebiscito (em abril de 1993) derrotou pela 2ª vez o parlamentarismo (o de 1963 devolveu o poder presidencial a João Goulart, do PTB – na época a chapa para presidente e vice não era casada -, após a tentativa de evitar sua posse plena em 1961, após a renúncia de Jânio em 25 de agosto). A criação do regime de Medida Provisória era um instrumento típico do parlamentarismo. Assim, o movimento alcunhado de “Centrão”, que surgiu durante a Constituinte de 1986-88 para defender interesses conservadores difusos, aglutinando deputados do chamado “baixo clero”, passou a ter peso e poder de barganhar votos de apoio a propostas do governo em troca de benesses políticas a seus currais eleitorais. Nos governos de FHC e Lula o “Centrão”, em todo ou em partes, acabou sendo cooptado pelo governo, por métodos nem sempre republicanos, como ficou claro no “mensalão” do governo Lula. Um egresso do “baixo clero”, o pernambucano Severino Cavalcanti (PP) acabou furando a disputa de poder entre o bloco do PMDB (atual MDB), PSDB, DEM, contra o PT, que resolveu lançar candidato próprio e venceu como azarão. Durou pouco no cargo, forçado a renunciar após denúncia de recebimento de propina de um concessionário do restaurante da Câmara. Mas o “Centrão” continuou com forte poder no Congresso.

Com a criação das federações, os partidos poderão se unir para apoiar qualquer cargo, desde que assim permaneçam durante todo o mandato a ser conquistado. A federação de partidos vale para eleições majoritárias, bem como para as proporcionais. Em princípio, caro leitor, você pode considerar que não vai mudar muito. Que vamos trocar seis por meia dúzia. Não é bem assim. As federações (firmadas antes das eleições) terão efeito duradouro (quem se associou antes não pode apear do apoio ao governo depois do pleito). Isso pode oferecer previamente força política maior ao novo governo para tramitar suas pautas no Congresso. Nas alianças firmadas nas coligações, elas valiam só até a eleição, podendo ser desfeitas em seguida. Se a Justiça Eleitoral for atuante, podemos ter um avanço na vida política brasileira. Menos por enxugar a sopa de letrinhas e mais por reduzir a capacidade de alguns partidos assaltar os cofres públicos em troca de apoio ao governo federal, nos estados ou nas prefeituras.

Seria um ganho para o eleitor/contribuinte.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL Do BRASIL” ( BRASIL)

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