JORNALISTAS QUE COBRIAM BOLSONARO FORAM ALVO DE GRUPO FORMADO PELO PALÁCIO DO PLANALTO, ADMITE O GENERAL HELENO

CHARGE DE NANDO MOTTA

Corria o mês de maio de 2020, a pandemia se agravava e o presidente Jair Bolsonaro parava na entrada do Palácio da Alvorada para insultar e dar respostas truculentas à imprensa sobre qualquer assunto acerca do qual era indagado. No “cercadinho” criado pelo governo na frente do Palácio, Bolsonaro era aplaudido por seguidores a cada ataque que fazia à imprensa. Os bolsonaristas xingavam e investiam contra repórteres, cinegrafistas e auxiliares das emissoras de rádio, jornal, TV e internet.

A situação ficou tão tensa que vários dos principais meios de comunicação do país, incluindo o UOLresolveram retirar suas equipes da cobertura presidencial no Alvorada a fim de proteger suas equipes de agressões físicas, uma decisão inédita nos 35 anos de democracia.

Nesta sexta-feira (11), quando vem à tona a íntegra do depoimento prestado pelo ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general reformado Augusto Heleno, as dúvidas que ainda podiam existir se aqueles manifestantes eram “espontâneos” ou orquestrados se dissiparam: o movimento contra os jornalistas na porta do Palácio era executado por um grupo de radicais de extrema-direita denominado “Grupo dos 300”. E o órgão mais alto da inteligência de governo tinha pleno conhecimento da ação anti-imprensa.

O depoimento demonstra que Augusto Heleno sabia que os ataques aos jornalistas eram coordenados e também sabia quem os coordenava. Na época, contudo, em público ele nada falou sobre isso. Quando se manifestou, disse apenas que os jornalistas deveriam “fingir que não ouviam as ofensas”.

No depoimento prestado à delegada da Polícia Federal Denisse Ribeiro em 14 de dezembro passado em inquérito que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal), Heleno explicou o foco do “Grupo dos 300” no trabalho da imprensa: “O Grupo dos 300, na época, estava tomando atitudes hostis contra jornalistas que acompanhavam o dia a dia do presidente”.

Heleno disse que partiu dele a iniciativa de contatar o “Grupo dos 300” a fim de “mitigar as ações hostis” contra os jornalistas, pois a “situação não era de interesse do governo federal” – o verbo “mitigar” significa abrandar ou suavizar, entre outros significados, mas não eliminar. Ele se encontrou no gabinete do GSI, no Palácio do Planalto, com os principais líderes do grupo. Heleno reiterou à PF que o “objetivo da reunião foi tentar convencê-los a mudar o tratamento que eles estavam dispensando à imprensa”.

A delegada quis saber se a reunião ocorreu no dia 26 de maio de 2020, uma data apontada a partir de levantamentos feitos pela Polícia Federal. Heleno respondeu “provavelmente trata-se da reunião” com o “Grupo dos 300”. Assim, a declaração de Heleno sobre os jornalistas “fingirem” que não escutavam teria ocorrido apenas dois dias depois da reunião.

No mesmo dia 26 de maio de 2020, ao comentar negativamente colunas publicadas por jornalistas, Heleno escreveu em rede social contra “grande parte da imprensa”: “Concordo que o bom jornalismo depende de credibilidade e honestidade. Essas virtudes foram abandonadas por grande parte da imprensa, hoje pautada pela parcialidade e pelo fanatismo contra o Governo Federal”.

Durante o depoimento de Heleno, a PF não aprofundou o tema dos ataques à imprensa na cobertura da Presidência. Não ficou claro, por exemplo, que evidências Heleno tinha contra o “Grupo dos 300” para culpá-lo pelas “ações hostis” à imprensa, por que não falou em público sobre quem coordenava os ataques e que medidas eventualmente tomou para prevenir futuros ataques aos jornalistas, além da reunião no GSI.

RUBENS VALENTE ” SITE DO UOL” ( BRASIL)

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