Perguntado sobre seu sucessor no governo de São Paulo, depois de ser cassado pela “revolução de 64” que ajudou a fazer, Adhemar de Barros definiu assim o deputado Abreu Sodré: “É um bom rapaz, mas não é do ramo”.
Isso me fez lembrar do papel que Sergio Moro, o ex-juiz, ex-ministro e ex-consultor de multinacional, vem fazendo nesta campanha presidencial.
Há controvérsias sobre se ele é “um bom rapaz”, após a surra que levou no Supremo Tribunal Federal, que o considerou suspeito e anulou seus processos na Lava Jato, mas com certeza ele não é do ramo. Por isso, já deve estar arrependido de ter entrado nesta roubada, como mostra a sua expressão contrariada nos compromissos públicos.
Quatro meses após o grande evento em que lançou com estardalhaço sua candidatura a presidente, em Brasília, com ampla cobertura da imprensa, Moro parece completamente perdido neste mundo da política, um estranho no ninho que deve estar se perguntando onde foi se meter.
Sem apresentar até agora nenhum plano concreto, ou uma simples ideia original sobre o que pretende fazer caso seja eleito, sem alianças nem apoios expressivos, sem discurso nem o mínimo de empatia com os eleitores, trata-se de um candidato reativo, que apenas responde pelo Twitter a eventuais ataques dos adversários.
Neste período, ele fez duas viagens, uma ao Nordeste, onde colocou um chapéu de couro, e outra ao interior de São Paulo, em busca do apoio de bolsonaristas arrependidos e conservadores em geral, sem nenhum resultado positivo.
Deve ser uma tortura para os repórteres escalados para acompanhar suas andanças, porque Moro não dá “lead”, a cabeça das matérias que devem despertar o interesse dos leitores com algum fato novo.
Qualquer que seja a pergunta, ele volta a falar do seu combate à corrupção, mas nega que sua campanha será centrada apenas neste tema. O problema é que ele não sabe falar de outra coisa, não conhece o Brasil profundo e sua população, assolada por problemas de sobrevivência após três anos de desmandos do desgoverno ao qual ele serviu. E corrupção deixou de ser o principal problema dos brasileiros, como mostram as pesquisas, hoje mais preocupados com a pandemia, o desemprego, a fome e a perda de renda.
Baseado em não se sabe o que, ele entrou na campanha disposto a enfrentar Lula e Bolsonaro, os dois candidatos que lideram as pesquisas, mas até agora limita-se a disputar o terceiro lugar com Ciro Gomes, ambos sem conseguir passar de um dígito nas pesquisas.
A sua situação eleitoral é tão periclitante, que já está pensando até em mudar de partido, para o Aliança pelo Brasil, o ajuntamento de DEM e PSL que tem um latifúndio de tempo na TV e recursos do Fundo Eleitoral, mas ainda não foi nem legalizado, e está mais interessado em aumentar sua bancada do que em ter um candidato a presidente.
Isso está desanimando até os seus apoiadores em setores da imprensa lavatista, que passaram a procurar outro nome mais competitivo para a “terceira via”, mas até agora não encontraram.
Para complicar ainda mais, de pedra no sapato dos políticos Moro rapidamente virou vidraça, tendo que explicar seu contrato milionário com a consultoria norte-americana encarregada de cuidar da recuperação judicial de empresas quebradas pela Lava Jato.
Até hoje não se sabe exatamente qual foi o trabalho que o ex-juiz prestou nos Estados Unidos, o que está sendo investigado pelo MP e pelo TCU, e isso leva Moro a ter que dar novas explicações diárias, a pior coisa que pode acontecer para um candidato.
Esta semana, Moro contratou um marqueteiro, o argentino Pablo Nobel, que pretende dar ao candidato um ar mais informal no contato com os eleitores, o que não será uma tarefa fácil.
Moro vem do mundo jurídico, dividido entre quem manda e quem obedece, acostumado apenas a dar ordens e sentenças, sem admitir contestações.
A sua busca por eleitores evangélicos e conservadores mostra uma identificação política com o atual presidente, com quem rompeu ao deixar o Ministério da Justiça, em 2020, acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal para proteger seus filhos.
Se não ampliar esse leque para outros setores da sociedade, continuará sendo apenas uma sublegenda da extrema-direita para bolsonaristas arrependidos e viúvas da Lava jato. Muito pouco para quem quer ser presidente da República de um país complexo, polarizado e detonado como o Brasil de 2022.
Quais são, afinal, as soluções que Moro tem a apresentar para melhorar a vida dos brasileiros? Enquanto não responder a essa pergunta, sua campanha continuará empacada.
RICARDO KOTSCHO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)
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