AS GUERRAS DO ÓPIO E MONIZ BANDEIRA

Soteropolitano, como eu, ou seja, baiano de Salvador, o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935 – 2017), autor de extensas estudos abordando, principalmente, os vínculos entre o Brasil e os seus vizinhos continentais, bem como sobre os fortes laços que unem, cultural e economicamente, o País e a Alemanha, foi um grande mestre de muitos mestres.

Um deles é o refinado intelectual Durval de Noronha Goyos, de 68 anos, ex-Presidente da União Brasileira dos Escritores (UBE), meu caríssimo amigo e colega de diretoria na Casa de Portugal, de São Paulo, que acaba de lançar o livro “As Guerras do Ópio na China e os Tratados Desiguais” – dedicado, com todo o mérito, a Moniz Bandeira. Devo também diversos aprendizados ao professor baiano, de alma universalista, como a minha. A mais curiosa, sem dúvida, foi a de me iniciar na arte dos cachimbos. Pacientemente ensinou-me, em 1977, a preparar e fumar la pipa, quando esteve hospedado em meu apartamento em Madri, na região cêntrica, à Calle de Viriato, próxima à Glorieta Quevedo.

Eram os tempos do destape espanhol, a efervescente redemocratização, após 40 anos da ditadura franquista… Madri, então, era mesmo uma festa! Comemorava-se diariamente a reconquista da liberdade, perdida em 1939, com o fim da Guerra Civil. Eu já gostava de charutos. Havia me acostumado a apreciar legítimos puros habanos, na Espanha, onde, àqueles anos, comprávamos a baixíssimos preços nos tradicionais estancos de tabacos. O regime comunista de Cuba estava à época sob rigoroso bloqueio e só mantinha relações na Europa Ocidental, por ironia, com a Espanha franquista. E, por isso, vendia para a antiga Madre Patria seus extraordinários charutosa moderados custos. Contudo, Moniz Bandeira, amante das pipas, somente sossegou quando fumei o meu o primeiro cachimbo – presenteado por ele.  

O valioso trabalho de pesquisa de Noronha Goyos, certamente, o mais brilhante dos discípulos de Moniz Bandeira, também tem o cachimbo ao centro da obra. Mas os que aparecem nas páginas de Noronha Goyos são malditos, ao contrário dos usados e propagados pelo historiador baiano, pois eram utilizados na China, no século XIX, para o consumo do ópio, originário da papoula.

O tráfico do entorpecente era feito pelos britânicos à China, através do porto de Cantão, e tinha como procedência a Índia. Exportar e viciar os chineses em ópio foi a maneira que o Império Britânico teria encontrado para equilibrar a balança comercial com o Império do Meio – como era chamada a China. Quando os mandarins de Pequim decidiram reduzir a entrada da droga, os britânicos provocaram duas guerras e venceram ambas – a primeira, de 1839 a 1842, e a outra, de 1856 a 1860.

Londres impôs aos derrotados, como registra Noronha Goyos, tratados de paz, injustos e desiguais, que promoveriam os acachapantes ‘anos de humilhação’ do milenar Império oriental. Ganharam, em troca, a abertura de todos os portos do país para a livre negociação de suas mercadorias e a concessão de Hong Kong. O tráfico oficial de ópio, em contrapartida, foi interrompido.  

Duas histórias que, a rigor, são desconectadas – os cachimbos de Moniz Bandeira e o indispensável livro publicado. São, entretanto, temas entrelaçados ao longo da vida e na obra de Noronha Goyos. Quanto a mim, confesso que, praticamente, já não fumo puros habanos e pipas… Mas ainda hoje guardo com muito carinho o cachimbo que recebi há 45 anos, em Madri, do querido Moniz Bandeira.  

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL)

Albino Castro é jornalista e historiador

Livre de vírus. www.avg.com.

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