CHARGE DE JAFFERSON
aquele que busca a proteção da legislação americana e que se confessou suspeito em todas as decisões que tomou quando juiz da Lava Jato — anunciou a ambição de “arrebentar a polarização” entre Lula e Bolsonaro. A expressão pertence à família de memes característicos de redes sociais. Dublês de políticos e “influencers” de direita e extrema direita costumam falar bem de si mesmos apelando a verbos disruptivos. Nunca vencem um adversário num embate, mas o “arrebentam”; nunca expõem de modo eficiente um ponto de vista, mas “detonam”; nunca rebatem contraditas, mas “demolem” o oponente. Talvez Moro devesse ter 20 anos a menos de idade para não semelhar um desses tiozões de TikTok. Ou ter 20 a mais de reflexão — hipótese impossível —, parafraseando o poeta português Antero de Quental.
Para uma polarização ser “arrebentada”, forçoso é que se construa, primeiro, a dita-cuja. Pode até ser que venha a acontecer. Por ora, ela não está dada. Lembro de novo: há uma extrema direita com potencial para chegar ao segundo turno, por intermédio de Bolsonaro, mas inexiste o seu contrário: a extrema esquerda. Logo, do ponto de vista ideológico, inexistem polos em confronto. Quando se convoca a matemática, também não se encontram os tais polos. O atual presidente tem menos da metade dos votos que seriam dados a Lula. A única polarização visível, convenham, se dá entre o petista e todos os outros — somados. Há uma falha conceitual na definição do objetivo.
Moro, no entanto, anunciou a sua disposição para arrebentar como um sinal de sua valentia e de sua suposta capacidade de ser o nome que vai destronar os dois candidatos que, hoje, teriam em torno de 70% dos votos. Não é uma tarefa fácil, como pode concluir qualquer um. Mas é certo que falta muito tempo até a eleição, e pode ser que o ex-juiz venha a revelar qualidades que até agora sonegou do distinto público.
Quem é o homem que se dispõe a “arrebentar a polarização”? Quais seriam as qualidades que o habilitariam a essa tarefa? Bem, as credenciais que apresenta são conhecidas: foi o juiz da operação Lava Jato, que migrou para o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, onde, segundo consta, pretendia comandar a cruzada de combate à corrupção, aí na esfera do Executivo.
Agora na disputa eleitoral, vê-se que Moro, com efeito, era um inimigo político e ideológico do PT que se escondia numa toga. As escolhas que fez depois de deixar a magistratura iluminam as decisões ilegais e atrabiliárias do então juiz. A forma como rompeu com Bolsonaro também joga luzes sobre a atuação do ministro da Justiça, evidenciando que assumiu a pasta com a ambição de ser chefe do seu chefe — o que, como se nota, não deu certo.
A PERGUNTA
Com a experiência, pois, de quem fez política quando estava no Judiciário e de quem tentou dar um “by pass” naquele que o nomeou — e Moro se esforça para demonstrar que só agiu desse modo porque é uma pessoa boa e confiável –, o pré-candidato do Podemos à Presidência anuncia, então, a intenção de “arrebentar com a polarização”. Pois é… E, no entanto, essa figura ínclita, única, imaculada, que só pensava no bem do Brasil, sem ambições políticas, não consegue responder a uma simples pergunta: “Quanto, afinal de contas, a Alvarez & Marsal lhe pagou?”
Está preparado para mudar os rumos da eleição desde que não lhe dirijam perguntas incômodas. E notem: ninguém estaria a fazer tal questionamento se não tivesse ido trabalhar justamente na empresa que respondia pela recuperação judicial de empreiteiras que a Lava Jato quebrou. A argumentação capenga a que recorre a própria A&M para justificar a contratação de Moro e o sigilo sobre seus vencimentos já foi abordada aqui. Ele pretende que se considere normal o seu destino: passou de juiz que impediu a vitória de um candidato a ministro do oponente daquele que ele tirou da eleição; passou de ministro de estado a funcionário de um grupo que lucra com empresas que quebraram em razão de decisões que ele tomou quando juiz. É do balacobaco.
Moro não quer só vencer uma eleição. Ele pretende que os brasileiros lhe deem uma vez mais uma carta branca para o vale-tudo. Não por acaso, sem nenhum pudor, sai por aí a prometer a criação de um tribunal de exceção, segundo o modelo que, segundo ele, é bem-sucedido na Ucrânia. Nunca foi notável por ter limites.
SUSPEITO EM TUDO
Na conversa que teve no Flow Podcast, indagado sobre o dinheiro que recebeu, afirmou tratar-se de uma perseguição política. E disse com todas as letras: “Olha, eu comandei a operação Lava Jato, né? Era Juiz (…)”. Ora, ou bem se comanda uma operação ou bem se é juiz. Moro confessa ter sido as duas coisas. Ele se declarou suspeito em todos os casos relativos à operação que passaram pela 13ª Vara Federal de Curitiba.
Ele sabe que juiz não pode comandar operação? É claro que sabe! E por que diz o que diz? Porque aposta que ninguém vai se incomodar com a aberração e poque se considera acima das querelas humanas. Tanto é que se nega a revelar quanto a Alvarez & Marsal lhe pagou alegando sigilo contratual segundo a legislação americana. O cara que quer ser presidente do Brasil apela às leis dos EUA para não dizer quanto amealhou como funcionário do grupo que faz a recuperação judicial das empreiteiras que a Lava Jato — que ele “comandou” — quebrou.
O procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Rocha Furtado, propôs que tribunal obtenha os dados que tanto Moro como a A&M se negam a fornecer — com base na legislação americana… — por intermédio do Banco Central e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Afinal de contas, tudo o que disser respeito à Lava Jato e a processos de recuperação judicial dizem respeito a matéria de interesse público.
QUESTÃO PENAL
Desde quando a Alvarez & Marsal anunciou a contratação de Moro, afirmei que a questão deveria ser investigada pelo Ministério Público. Há aqui um vídeo de 2 de dezembro de 2020. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) entrou ontem com uma representação junto no Ministério Público Federal em Brasília pedindo que se determine a abertura de um inquérito para apurar o caso.
Eis aí: o homem que vem para destruir a polarização é aquele que confessa ter comandando força-tarefa quando juiz, que vai trabalhar no grupo que faz a recuperação judicial de empresas que quebrou em razão de decisões que tomou e que tenta apelar à legislação americana para não revelar quanto ganhou no tal grupo.
Ele realmente arrebenta!
REINALDO AZEVEDO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)