BRIZOLA, 100: NO FINAL DO EXÍLIO, ELE QUERIA SABER O QUE ACONTECIA NO MUNDO

CHARGE DE MARIGONI

“Meu filho, antes de você me fazer perguntas, deixe-me fazer algumas para você. Eu vivo há muitos anos entre bois e ovelhas… Primeiro preciso saber um pouco do jornalista sobre o que está acontecendo aqui…”

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Hamburgo, 1977. Foi a primeira vez que eu dei uma entrevista antes de fazer a minha. Depois de hibernar por mais de uma década em seu exílio numa fazenda no Uruguai, Leonel Brizola estava de volta ao mundo para participar de um encontro da Internacional Socialista, comandada pelo alemão Willy Brandt. Tinha vindo de Lisboa, onde morava agora, e começava a preparar a sua volta ao Brasil. Parecia completamente estranho naquele ambiente.

Brizola era um mito para mim. Não o conhecia pessoalmente, pois, quando ele foi obrigado a deixar o país, eu estava começando no jornalismo. Como ele não dava entrevistas fazia muito tempo, preparei uma longa lista de perguntas, mas antes de responder à primeira, o ex-governador foi de uma humildade tão sincera que nunca mais esqueci da sua cara de espanto diante da grandiosidade do salão onde acontecia o evento.

Como outros exilados brasileiros, Brizola já estava com a cabeça no Brasil, só pensando em recriar o seu Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), proscrito pela ditadura, junto com as demais agremiações. Aos trancos e barrancos, a abertura política promovida pelo general presidente Ernesto Geisel avançava.

Nova York, 1979. Com a anistia assinada pelo novo presidente, general João Figueiredo, o ultimo dos militares, até o final do ano voltariam ao país alguns exilados ilustres, como Leonel Brizola, que marcou sua viagem para setembro.

Numa suíte do Hotel Roosevelt, em Nova York, reencontrei Brizola já de malas prontas e acompanhei o último dos seus 5489 dias de exílio.

Os cabelos ficaram ralos e encanecidos, abertos em leque na nunca. Ele lembrava um maestro em férias. O Brizola que entra correndo na sala e vai direto atender o telefone, falando com todo mundo ao mesmo tempo, parece muito mais moço do que aquele homem amargurado que encontrei em Hamburgo. A certeza da volta iminente remoçou Brizola, que anda lépido de um lado para outro, dá ordens aos assessores, atende telefonemas, tudo como nos bons tempos do poder.

A certa altura, todo mundo olha para a porta da suíte 729 e não acredita no que vê. Sim, era ela, Candice Bergen em pessoa, uma das atrizes mais badaladas da época, que veio encontrar o jornalista Tarso de Castro, seu namorado, um velho amigo do ex-governador gaúcho que também estava ali para acompanhá-lo na volta do exílio.

Brizola tinha ido dormir às três da manhã, depois de trabalhar seis horas seguidas nos discursos que pronunciaria em São Borja, Porto Alegre e por onde passasse em sua volta ao país. “Já estou com o pé no estribo”, repetia a toda hora para quem ligava perguntando como estavam os preparativos para a viagem.

No dia 6 de setembro, Leonel Brizola estava, finalmente, de volta ao Brasil. Mas eu, não. Nem eu nem os demais jornalistas, parentes e correligionários do velho PTB que o acompanhavam na viagem de regresso.

Numa conexão em Washington, perdemos todos o avião da Braniff que levava Brizola e a mulher, dona Neuza. Os dois tinham ficado no avião porque ela não estava passando bem, e nós não ouvimos a chamada para o voo. .

Só depois de conseguir chegar ao Brasil, eu viria a saber que Brizola tentou fazer o comandante do Boeing retornar a Washington quando descobriu que toda sua comitiva tinha ficado no aeroporto. Mas não teve jeito, E eu quase perdi o emprego por causa dessa mancada.

Na semana seguinte, voltaria outro célebre exilado, o ex-governador pernambucano MIguel Arraes, que sairia de Paris.

“Como você costuma perder aviões, em vez de ir para Paris e voltar com ele, é melhor ir direto para o Crato (no Ceará, onde vivia sua família) e espera ele lá. Só que, desta vez, você vai de ônibus, que é mais garantido…”, puniu-me o chefe Mino Carta, no “Jornal da República”, que não aceitou meu pedido de demissão.

Brizola, Arraes, um a um os antigos líderes, por tanto tempo exilados após o golpe de 1964, estavam voltando ao país, com muita festa nos aeroportos..

Mas, como nada na vida de Brizola, que completaria 100 anos hoje, seria fácil, ele não demoraria a receber a má notícia: tiraram dele a legenda histórica do PTB criada por Getúlio Vargas e a entregaram à sua sobrinha Ivete Vargas. Em pouco tempo, ele seria obrigado a formar um novo partido, o PDT (Partido Democrático Trabalhista), hoje controlado, nas voltas que a vida dá, por Carlos Lupi e Ciro Gomes.

Pelo PDT, Brizola se elegeria duas vezes governador do Rio de Janeiro e foi candidato a presidente da República, em 1989, ficando em terceiro lugar, atrás de Collor e Lula, de quem seria candidato a vice na chapa de 1998.

Mesmo sem chegar ao Palácio do Planalto, o principal objetivo da sua longa e acidentada trajetória, que começou no Rio Grande do Sul, onde comandou a resistência para garantir a posse do seu cunhado João Goulart, em 1961, na crise da renúncia de Jânio Quadros, Leonel Brizola foi um cavalheiro gaúcho muito lhano, sempre fiel aos seus princípios trabalhistas, caso raro de político honrado e leal que deixou sua marca até hoje.

Vivo ainda fosse, ele certamente estaria lutando de novo na oposição contra os entreguistas, predadores da democracia, esbirros de 1964, que estão destruindo o país que ele tanto amou e a quem dedicou sua vida.

Vida que recomeça.

RICARDO KOTSCHO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)

https://outline.com/bvPFHv

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