GABEIRA, DE APOIADOR DE BOLSONARO AO ÁLIBI DA CULPA COLETIVA

Admito que tenho implicância pessoal com o “carteiraço”, o sujeito que arrota currículo para impor conclusões pessoais sobre temas complexos, sem se dar ao trabalho de explicar as conclusões. Grande parte do meu trabalho, como jornalista econômico, foi rebatendo os “carteiraços” dos sábios da economia.

Um dos “carteiraços” mais frequentes é no jornalismo. O fato de uma análise sair publicada em veículo de grande tiragem confere autoridade moral ao autor. Os jornalistas mais superficiais se vêem à vontade para arrotar as maiores impropriedades, sem necessidade de mostrar evidências, correlações entre fatos e conclusão.

Dentre todas as formas de “carteiraço”, nenhuma me irrita mais do que o sujeito se colocar na cátedra do veículo e anunciar, solene como um personagem de Eça de Queiroz, que tal conclusão é “teoria conspiratória”. Ele não estuda  o caso, não se dá ao trabalho de pesquisar, não junta elementos para questionar conclusões “conspiratórias”. Assim como um Power Point de Deltan Dallagnol, ou o argumento de um antivacina, ele tem convicção sobre o que diz. E basta!

Não lhe peça para amparar sua conclusão em evidências, observações empíricas, estudos. Se é teoria conspiratória, ele não precisa comprovar nada. É teoria conspiratória, e ponto final, diria ele e dirá o defensor da cloroquina.

É o caso de Fernando Gabeira em sua coluna de hoje em O Globo. Nela, pretende explicar as causas da ascensão de Bolsonaro, sem a menor autocrítica sobre seu papel.

Primeiro, ironiza as chamadas teorias conspiratórias:

Alguns acham que a ascensão de Bolsonaro foi produto de um golpe, envolvendo os americanos, mercado financeiro, Faria Lima e o escambau.

Depois, diz que não quer polemizar. Como assim?

Não quero polemizar. Acho que foi uma escolha popular equivocada, resultante dos erros na democratização. 

Ótimo! E quais erros? O máximo que ele avança é que “os erros foram nossos mesmo”. Não explica nada, não interpreta nada, mas garante que:

Minha interpretação no mínimo contém mais esperança: se tudo aconteceu como fruto dos nossos erros, é possível corrigi-los e evitar uma recaída. Americanos, mercado financeiro e Faria Lima são variáveis que não podemos modificar com facilidade.

É fantástico! A “minha interpretação” não tem nada, um dado sequer a não ser o genérico “nossos erros”. Já basta para que seja muito melhor do que as análises sobre o conjunto de fatores que levou ao desastre Bolsonaro.

Quando se aponta a influência americana no golpe, o que os críticos pretendem? Modificar a geopolítica americana? É evidente que não. O que se pretende é apontar os nossos erros de não termos levado em conta a influência do mercado e do Departamento de Estado e de Justiça no golpe do impeachment.

Mas, para Gabeira, 

A derrota torna atraente a teoria da conspiração. 

Como derrota? Gabeira foi um dos vitoriosos na campanha do impeachment. Para reforçar seu argumento, recorre à malandragem dos falsos paralelismos.

Até o Iluminismo foi interpretado como um complô, assim como a Revolução Francesa, a Independência Americana. Maçons, cavaleiros templários, diferentes vilões desfilaram pela História.

Todos os estudos sobre o papel da maçonaria – inclusive na Proclamação da República – são jogados na vala dos “vilões” para ele reforçar seu não argumento e transformar todos os estudos sobre geopolítica em história da Carochinha.

Se o iluminismo foi palco de teorias conspiratórias, é óbvio que as teorias sobre o impeachment só podem ter sido palco de teorias conspiratórias. Entenderam o paralelismo? Nem eu,

Para questionar a “teoria conspiratória”, Gabeira deveria encontrar uma explicação para episódios conhecidos, invocados pelos adeptos da conspiração, em vez dessa generalização de “nossos erros”. Deveria proceder a uma autocrítica sincera.

* o jornalismo de ódio que gerou a Lava Jato e criminalizou a política;

* o golpe do impeachment, que destruiu o precário equilíbrio institucional da Constituinte;

* a subordinação clara da Lava Jato ao Departamento de Justiça dos EUA. Que tal uma boa explicação para a manchete do seu jornal?

* a imposição da Ponte para o Futuro no golpe. Seria conveniente Gabeira encontrar uma explicação para a manchete abaixo.

Poderia também, apresentar uma boa explicação para a ida de seu correligionário Aloysio Nunes aos Estados Unidos, para conversas com “autoridades governamentais” assim que se consumou o golpe do impeachment.Que autoridades? Que conversas foram essas?

Ou ainda, explicações sobre os documentos da Wikileaks, mostrando seu líder José Serra negociando com a Chevron o fim da lei da partilha. E, assim que o impeachment foi aprovado, a corrida de Serra e Eduardo Cunha para ver quem entregava primeiro o butim.

Wikileaks

Ou poderia explicar a seguinte mensagem enviada pelo Procurador Geral ao Congresso americano.

Inclusive o parágrafo final:

“Por uma questão de política e prática de longa data, o Departamento não pode fornecer informações sobre aspectos não públicos destes assuntos, nem pode o Departamento divulgar detalhes não públicos de outros assuntos”.

Se não for ocupar muito o tempo de Gabeira, sugiro assistir os 5 capítulos de “Lava Jato, Lado B”, onde explicamos didaticamente como os Estados Unidos montaram sua geopolítica com base na parceria com Judiciário e Ministério Público de países como o Brasil. Quem sabe para de falar bobagens sobre teorias conspiratórios, ou tratar as conspirações da CIA como histórias da carochinha,

Quem foi Gabeira no golpe

Finalmente, poderia explicar as seguintes posições que tomou, ou em uma autocrítica sincera ou em uma justificativa lógica. Será a maneira de justificar o título de seu artigo.

O golpe e a demonização da política foram fatores essenciais pra a ascensão de Bolsonaro. À luz das informações atuais, o que Gabeira teria a dizer dessa sua entrevista?

Poderia explicar seu papel na polarização e no discurso de ódio que alimentaram o bolsonarismo.

Ou na imprudência de brincar de chefe das massas, crente de que, dali para frente, elas continuariam obedientes aos golpistas.

Ou explicar as esperanças que tinha em Bolsonaro. E se teria algo a ver com os negócios da privatização, com o fim da Petrobras e outras bandeiras tão caras aos EUA. É incrível o que a perda de referências provoca nas pessoas, a ponto de um ex-guerrilheiro fazer profissão de fé em um vulto dos porões.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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