A hecatombe produzida por Bolsonaro não contempla só a mortandade das pessoas, no caso da atitude tomada na pandemia, que é o sentido estrito do vocábulo.
Vai muito além, infelizmente, em todos os sentidos.
Todo dia vemos pedidos de demissões no serviço público, inclusive em carreiras de Estado. Quadro agravado pela inépcia de conceder aumento a categorias favoritas do funcionalismo, estimulando a revolta de outras, algumas de marajás públicos, porque no Brasil poucos se importam com o todo e cada um quer mais para si.
Num país em que um juiz flagrado em ilicitude é afastado do cargo com remuneração integral vitalícia, um incentivo à desonestidade, rouba, se colar colou, se não colar, ganha-se uma aposentadoria régia , superior a dos trabalhadores que não cometeram nenhum crime, a vida toda. O que se pode esperar?
Pois Bolsonaro logrou ir além.
O que está aparecendo, e não é pouco, trata-se da pontinha da ponta do iceberg. As instituições públicas estão sendo aparelhadas, impregnadas de desvio de função, outras recebem, mesmo na função correta, diretrizes inconsequentes e suicidas, que vão custar caro e demorar tempo para cumprirem uma trajetória saudável para com o Brasil.
Bolsonaro também está aparelhando as instituições, conseguiu superar o PT nisso, e o desembarque, num próximo governo, não será tranquilo e imediato, tal o grau de disseminação, de profusão e amplitude.
Os bolsonaristas não sairão do poder, em paz e docilmente.
Haverá um período longo de recuperação e convalescença, que também vai cobrar uma conta muito alta nesse hospital público
Com a sensação de alívio pela saída de Bolsonaro, muita gente vai crer que 2023 volta-se ao normal e a esperança tem chance. Que vamos cair numa efeméride de prazer, tal a angústia acumulada.
Em parte sim, em parte não, gerando frustração.
Não vai ser possível efetuar reformas tão rapidamente, e será preciso um tempo de restabelecimento para voltar a operar como num país que busca seu desenvolvimento com distribuição de renda.
A herança maldita será real e pesada.
O que Bolsonaro está a fazer com o Brasil é mais do que inimaginável, é uma obra de destruição real de valores, instituições, a semeadura do ódio, do confronto, do armamento de uma população que já é violenta por si. Brasileirinho não é bonzinho, como Jacqueline Mirna troçava, por ingenuidade, ironicamente, em programa humorístico.
Bolsonaro tirou as amarras da parte fascista da população, que existe, e os brasileiros, por cultivarem um hábito de esconder embaixo do tapete seus problemas, não percebiam.
Sobretudo depois do regime militar, ninguém acreditava que houvesse uma direita agressiva e desumana como a que vemos hoje.
Brasileiro, como a Folha já pesquisou, se acha feliz e orgulhoso, ou pelo menos se achava na época da pesquisa, cerca de 80% se diz assim, mas crê que o resto dos brasileiros são infelizes, cerca de 75%, ou seja, uma impossibilidade lógica, Se 80% são felizes, como 80% podem ser infelizes?
O certo é que a mídia está com foco nos desastres mais visíveis causados por um presidente que ama a dissensão, o confronto e a frivolidade, a falta de compaixão e solidariedade. Sua imagem de jet sky ofende os que estão sofrendo com pandemia, influenza e chuvas. O cúmulo da insensibilidade.
Com tanta coisa desse porte, a mídia não está tendo tempo de investigar os atos e externalidades todas, que Bolsonaro está suscitando, conscientemente.
Já entramos num túnel escuro, desde 2019, e estamos nos afundando num buraco dentro desse túnel. Até a luz do alvorecer vai custar bastante.
A devastação do Estado não se cura em meses.
Bolsonaro não vai ganhar a eleição, porque até a Faria Lima percebeu a extensão dos danos, embora não reze nenhum ato de contrição, pela vaidade impregnada e a necessidade de se mostrar sempre o farol do Brasil. O farol que deseja mais recessão, com ajuste fiscal, do que recuperação com um Orçamento com Base Zero e uma limpa nos privilégios orçamentários existentes. Inclusive nas vantagens empresariais descabidas.
Eles confirmam: Ajuste bom, é ajuste para os outros, sempre. A faria Lima mudou-se para a praia, confortavelmente instalada durante a pandemia. Não há mal em procuar um bom lugar para si, há mal em não procurar o mesmo para os outros.
Com o que Bolsonaro semeou, somado ao que a elite não faz, vai custar caro e demorar muito tempo os efeitos da hecatombe gerada.
Torço para estar errado.
inconsequentes e suicídas, que algum momento vão trazer uma conta caríssima para a respectiva recuperação.
JOSÉ LUIZ PORTELLA ” SITE DO UOL” ( BRASIL)