As imagens de Jair Bolsonaro curtindo férias bancadas com dinheiro público em Santa Catarina enquanto voluntários tentavam salvar pessoas em um Sul da Bahia submerso são de uma insensibilidade chocante. Mas também mostram um presidente coerente, que sempre defendeu que “todos iremos morrer um dia” e que devemos tocar o barco em frente. Ou melhor, o jet ski.
Quando o Brasil registrou pouco mais de 10 mil mortes por covid-19, e a população nem imaginava que chegaríamos a mais de 618 mil, Jair se deixou registrar cavalgando um jet ski nas águas do lago Paranoá, em Brasília. Era o longínquo 9 de maio de 2020. Queria convencer que isolamento social e cuidados para evitar o contágio eram “frescura”, que luto era “mimimi” e que deveríamos basicamente ignorar o coronavírus.
Na mesma São Francisco do Sul, onde descansa agora, Bolsonaro andou de jet ski e causou aglomerações nas praias nos dias 13 e 15 de fevereiro deste ano, querendo provar que tudo estava bem no país que ele, em tese, governa. As mortes por covid escalavam e contávamos com quase 240 mil óbitos, o auxílio emergencial havia sido suspenso e, com isso, pessoas passavam fome e muitas cidades não vacinavam idosos porque não havia imunizante disponível.
Bolsonaro sabe que provoca indignação no naco civilizado da sociedade e ganha espaço na imprensa ao demonstrar indiferença enquanto pessoas morrem ou ficam desabrigadas. Mas isso fortalece a sua imagem junto aos seus seguidores, que não veem seu comportamento como uma afronta à dignidade humana, mas como o de um líder que quer o Brasil passando por cima dos problemas – mesmo que isso signifique sapatear no túmulo de muita gente.
As fotos de jet ski conseguem manter Jair nos holofotes do debate público, garantindo que seu discurso seja espalhado a apoiadores e simpatizantes. E ele precisa desse pessoal excitado e engajado para garantir sua passagem ao segundo turno das eleições do ano que vem. Pelos índices das últimas pesquisas, ele vai mantendo uma base sólida que confia nele até debaixo d’água.
Ao mesmo tempo, contas automatizadas do Gabinete do Ódio ou aliados do presidente estão à toda para atacar postagens que afirmem que Bolsonaro resolveu tirar férias enquanto o Sul da Bahia se dissolve. Querem fazer crer que a terceirização das ações para os ministros da Cidadania, João Roma, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e a liberação de uns caraminguás que não dá nem para o cheiro do atendimento às vítimas, bastam.
Não é coincidência que, na primeira onda da catástrofe há duas semanas, Bolsonaro preferiu participar de uma formatura de aspirantes da Marinha no Rio a visitar o Sul da Bahia. Estava mais preocupado em falar com seu público-alvo eleitoral. Diante das críticas, sobrevoou as áreas alagadas e usou a tragédia para atacar as medidas de isolamento social que salvaram vidas na pandemia. Transformou, como sempre, a morte em seu palanque eleitoral.
Um dos legados que já foram deixados por ele através de sua liderança pelo mau exemplo será um Brasil mais indiferente à morte. Derrotá-los nas urnas será muito mais fácil do que revalorizar a vida por aqui.
LEONARDO SOKAMOTO ” SITE DO UOL” ( BRASIL)