TARCÍSIO, O SUPER MINISTRO DE BOLSONARO, E O NEGÓCIOS DO PODER MILITAR

Em setembro do ano passado, investigações da PF levantaram escândalos em contratos assinados por Tarcisio quando esteve à frente do DNIT. Embora não formalmente investigado, seu nome foi citado 17 vezes no inquérito.

Adaptando um ditado conhecido, “quem sai aos seus não regenera”. Poucos homens públicos conseguiram o feito do Ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, de se envolver em rolos continuados, desde que passou a trabalhar no setor de transportes, em sucessivos governos, e estar blindado até hoje, a ponto de ser visto como candidato a cargos eleitos sem vários estados.

Sua trajetória em sucessivos governos é um alerta sobre o risco de envolvimento de militares com atividades civis.

Peça 1 – a entrada no DNIT

Desde a redemocratização, duas instituições públicas se tornaram palco de corrupção e disputas políticas: a Funasa (Fundação Nacional da Saúde) e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), entre outros.

Como Ministro da Saúde, Serra recorreu à Funasa para grande parte de seus malfeitos. Quando se enfraqueceu, após 1999, Fernando Henrique Cardoso entregou o DNIT ao Centrão, através  do Ministério dos Transportes entregue de porteira fechada a Eliseu Padilha.

Depois do mensalão, Lula entregou o Ministério a Alfredo Nascimento Filho, que foi mantido por Dilma, no primeiro mandato.

Provavelmente para segurar a corrupção do órgão, em 2011 Dilma Rousseff demitiu Nascimento e 28 servidores do órgão. E colocou militares no comando, na presunção de que a corporação não fora contaminada pela gana de favores da política.

Para isso, aconselhou-se com o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, pois tinha sido diretor do Departamento de Engenharia e Construção do Exército.

Segundo nota da Veja,

As escolhas de Dilma foram entendidas como um recado de que há uma espécie de “intervenção” para reconstruir a imagem da autarquia, mergulhada numa onda de denúncias de corrupção no último mês. 

Peri indicou para presidir o órgão o general Jorge Ernesto Pito Fraxe, diretor de Obras de Cooperação do Exército. As licitações foram entregues a um funcionário da CGU (Controladoria Geral da União), Tarcisio de Freitas. Antes da CGU, Tarcisio foi engenheiro do Exército. 

Começou ali a saga dos militares no DNIT.

Peça 2 – os personagens indicados

Certamente, Dilma não tinha tomado conhecimento dos estranhos negócios entre o DNIT e o IME (Instituto Militar de Engenharia), demonstrando o extraordinário amadorismo para surfar em rios coalhados de piranhas.

Em 2010 – portanto, dois anos antes das investigações – foram abertas investigações para fatos ocorridos em 2004 e 2005.

Descobriu-se uma série de contratos irregulares firmados entre duas fundações do Exército – Fundação Ricardo Franco, de apoio ao Instituto Militar de Engenharia (IME) e Marechal Roberto Trompowsky Leitão de Almeida (ligada ao departamento de educação e cultura do exército-DECEx), ambas de natureza privada.

Segundo relatório do TCU:

verificou-se que foram produzidos, ilicitamente, 88 (oitenta e oito) processos licitatórios direcionados à determinado grupo de empresas, através de pagamentos antecipados, indevidos e sem a correspondente comprovação da execução dos serviços contratados, objetivando-se o efetivo desvio de recursos públicos, resultando em prejuízos ao Erário no montante aproximado de R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais).

“1 – A maioria absoluta das empresas contratadas era controlada pelo Major Washington Luiz de Paula; 

2 – Nenhuma das empresas suspeitas aparece creditada nos estudos técnicos apresentados ao DNIT como produtos dos convênios; 

3 – Os serviços contratados não foram realizados. 

Alguns serviços especializados, como radargrametria, por exemplo, são inexistentes. Foram utilizados bancos de imagens públicos que se encontravam disponíveis em bases públicas como IBAMA e IBGE; 

4 – Diversas instituições de ensino (Universidade Federal do Pará, Universidade da Região de Joinville, etc) foram as verdadeiras autoras dos estudos contratados por meio de termo de cooperação ou instrumento similar.

Concluímos que houve fraude generalizada, mediante conluio entre militares e empresas de fachada controladas pelo Major Washington Luiz de Paula, para frustrar o caráter competitivo da licitação, em pelo menos 200 processos licitatórios promovidos pelo Instituto Militar de Engenharia – IME e pelo Departamento de Engenharia e Construção – DEC, no período de 2003 a 2009.

Na época, o comandante do Departamento de Engenharia e Construção do Exército, onde foram feitos os convênios com o IME, era o próprio general Peri, padrinho da indicação do general Fraxe e de Tarcísio de Freitas.

Relatório do TCU acusou frontalmente o general Peri de ter beneficiado os militares com dispensa de licitação entre 2003 e 2007.

“No período em que o general Enzo esteve à frente do DEC foram assinados 27 acordos com a Fundação Ricardo Franco, que subcontratou dez empresas ligadas a militares. Todos sem licitação.”

De acordo com o levantamento do portal Sportlight, em uma das denúncias, o Ministério Público Federal (MPF) constatou: 

“A maioria dos atestados de capacidade técnica foi subscrito por membros do Exército, extraindo-se do estatuto da fundação ré que ela se afigura como auxiliar a um Departamento do Exército Brasileiro, o que vem a corroborar a fragilidade e inaptidão de tais documentos em comprovar sua idoneidade e inquestionável reputação ética-profissional”.

Eram as próprias fundações dando atestado de capacidade técnicas às suas próprias empresas.

Por seu lado, o general Fraxe estava sob investigação da CGU, por supostas irregularidades da ONG Instituto Nacional de Desenvolvimento Ambiental (INDA), criada por Fraxe para fechar contratos com o Ministério. O jornal Valor Econômico publicou reportagem mostrando que trechos da BR-101 tiveram aditivos que elevaram o custo original em até 77%. Os aditivos foram de responsabilidade da Divisão de Engenharia do Exército, chefiada pelo próprio general Fraxe.

Peça 3 – as fundações “barriga de aluguel”

As investigações do TCU e do MPF não interromperam a escalada das fundações do Exército.

Em 2011 o MPF já identificava irregularidades nos contratos do DNIT com a Fundação Ricardo Franco. O órgão contratou a Fundação por R$ 12,6 milhões, para estudos sobre impactos ambientais e sociais dos indígenas que pudessem ser afetados pelo asfaltamento da BR0429. No entanto, descobriu-se que 50% do contrato foram pagos nos primeiros 60 dias. O contrato era para vigorar até outubro de 2014.

O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) serviu para turbinar ainda mais as fundações. Assinou um convênio de R $20 milhões com o DNIT, que serviu para contratar até funcionários administrativos, caracterizando o que se conhece no serviço público como “barriga de aluguel”.

Segundo o Estadão

A Ricardo Franco também cedeu 77 funcionários ao Dnit, a título de lidar com projetos básicos e executivos de engenharia. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), concluída em janeiro, constatou que havia pessoal espalhado por inúmeros setores, como a Comissão de Licitação, a Auditoria Interna e até a Corregedoria. 

“Os alocados na DG (Diretoria-Geral) realizam trabalhos de assessoria, respondendo aos órgãos de controle e filtrando pleitos parlamentares.”

“É uma espécie de barriga de aluguel. Você usa para colocar quem quiser dentro”, comparou o ministro José Jorge, do TCU, ao avaliar o caso da SEP. Segundo ele, parcerias como essa, de cooperação técnico-científica, devem ser voltadas para seus objetivos específicos.

(…) Embora se trate de um pacote de serviços técnicos a cargo da fundação, a entidade admite pessoal mediante indicação da Secretaria de Portos para cargos que pouco podem contribuir para a aceleração do PAC. Entre eles, constam parentes de servidores da pasta. O decreto 7.203/2010, da Presidência, proíbe a contratação, para um mesmo órgão, de familiares de funcionários públicos, mesmo quando terceirizados.

Todos os convênios foram assinados no período de Tarcísio de Freitas à frente do DNIT.

O MPF entrou com liminar visando declarar ilegal o convênio firmado entre o DNIT e o MInistério do Exército. Segundo a denúncia, mais de R$ 230 milhões foram repassados às fundações e empresas envolvidas no esquema,

não se afigurando plausível admitir a manutenção de repasses quando a União já constatou as irregularidades e afirma ter adotado providências para fazer cessar as irregularidades, o que não é suficiente, pois o sistema que ensejou as fraudes permanece íntegro e recebendo os repasses de verbas, não havendo indicativo de que as fraudes não voltem a ocorrer, mesmo porque, diversos dos trabalhos que deveriam ter sido realizados não foram executados.

O inquérito resultou na condenação à prisão de dois militares, o Coronel Dias Morales e o Major Washington de Paulo. Mas a tentativa de suspender os convênios foi barrada na 2a Instância.

Segundo levantamentos do Sportlight, em cima dos dados do Portal de Transparência, a Fundação. Ricardo Franco firmou contrato com o governo federal no valor de R$ 245.866.325,27 e a Fundação Marechal Roberto Trompowsky Leitão de Almeida mais R$ 35.722.328,73.

Peça 4 – os escândalos de TIs

Não ficaram nisso os episódios obscuros da gestão de Tarcisio de Freitas no DNIT.

Em setembro do ano passado, investigações da PF levantaram escândalos em contratos assinados por Tarcisio quando esteve à frente do DNIT. Embora não formalmente investigado, seu nome foi citado 17 vezes no inquérito.

No DNIT, Tarcisio assinou parte dos contratos investigados na Operação Circuito Fechado, com desvios de R$ 40 milhões para Business To Technology (B2T).

“O primeiro contrato com a Business To Technology (B2T) para fornecer licenças de softwares (programas de computadores) para o Dnit foi assinado pelo atual ministro em 14 de agosto de 2012, no valor de R$ 11,7 milhões. Depois disso, mais dois aditivos, nos anos seguintes, tiveram o aval dele, elevando o negócio para R$ R$ 22,6 milhões. Segundo a PF, não há qualquer evidência de que o serviço foi efetivamente prestado e a suspeita é de que as contratações serviram de fachada para o dinheiro ser desviado.”

Seguindo a PF, a Advocacia Geral da União apontou a necessidade de três providências:

1. Para que o órgão demonstrasse “a justificativa de que os preços unitários estimados” eram compatíveis com os praticados no mercado. 

2. Para “apresentar pesquisa de mercado nacional”. 

3. Comprovar, de forma efetiva, que os preços estimados para o certame se encontravam em conformidade com a realidade do mercado, de forma a evitar qualquer prejuízo ao erário.

Os alertas aconteceram ainda em 2012, antes da formalização da licitação e da assinatura de dois aditivos com a B2T. A PF aponta que o DNIT , inclusive, “ignorou as sugestões da AGU acerca das irregularidades contidas na pesquisa de preços”, por meio de um parecer dado em 13 de agosto de 2012.

No mesmo dia 13 de agosto de 2012, Tarcísio assinou o contrato, sem mencionar os alertas. Justificou apenas que havia recursos para a contratação.

“Mesmo assim (diante das irregularidades apontadas), no dia 15/10/2014, o diretor geral substituto do DNIT, Tarcísio Gomes de Freitas, e o diretor presidente da B2T, Nelmar de Castro Batista, assinaram o segundo termo aditivo do contrato nº 786/2012, no valor total de R$ 4,18 milhões, sendo que mais da metade desse valor, o total de R$ 2,631 milhões, foi destinado aos serviços de consultoria e de treinamento, serviços que podem propiciar o desvio de recursos públicos”, registra o inquérito.

Recentemente, a B2T foi acusada em compra de sistema  pelo Ministro Osmar Terra, do Ministério da Cidadania. De setembro de 2020, a Operação Gaveteiro foi bater em novas negociações da B2T. Além de contratos em vários Ministérios, a B2T continuava atuando no DNIT.

Em nota divulgada, o DNIT, subordinada a Tarcisio, dizia ter tomado a iniciativa de colaborar com as autoridades.

Mais que isso, o inquérito apontou que a B2T usou uma empresa de fachada para pagar as emissões e propinas. Três funcionários subordinados a Tarcisio receberam propinas. Um deles, Marcus Thadeu de Oliveira Silva, voltou a trabalhar com Tarcisio, quando foi nomeado Ministro da Infraestrutura de Bolsonaro.

Peça 5 – o último escândalo

No dia 26 de outubro passado – portanto, há menos de 2 meses – estourou o último escândalo do DNIT, na Operação Burolano, que investiga fraudes em pregões eletrônicos para aquisição de móveis pelo órgão.

Cerca de 100 agentes cumpriram 22 mandados de busca, apreensão e sequestro de bens no valor de R$ 12 milhões. Os escândalos de referem ao período 2017 e 2017.

Pouco antes, no dia 24 de agosto, a Operação Daia, da Polícia Federal, identificou o Diretor de Infraestrutura do DNIT, Marcelo Almeida Pinheiro Chagas como suspeito de participação de favorecimento irregular a uma empresa. A Justiça Federal ordenou seu afastamento. A beneficiária era a Aurora da Amazônia Terminais e Serviços Ltda. 

Peça 6 – a moeda de troca com o Centrão

Na eleição de Arthur Lira para presidente da Câmara, o DNIT teria tido papel central.

Corriam informações de que parlamentares do Pará receberam cerca de R $300 milhões para obras em rodovias, como as BRs-155, 158 e 163, e no Aeroporto de Breves. Em Santa Catarina, foram R$ 80 milhões para a duplicação da BR-280. As negociações com deputados da Bahia chegaram a R $500 milhões, para duplicação da BR-101 e da BR-116 eprojetos de pavimentação na BR-135 e na BR-030.

Em outubro saiu a informação de um edital de licitação para a construção do contorno sul metropolitano de Maringá, que valorizaria empreendimento imobiliário de Ricardo Barros, líder do governo na Câmara. A concorrência foi aberta no ano passado, com valor previsto de R$ 270 milhões. Agora, o DNIT reagiu reajustando para R$ 288 milhões.

Peça 7 – o último lance

Não parou aí.

Em 2011 foram lançadas as debêntures incentivadas, com benefícios fiscais para debêntures emitidas visando financiar novos projetos.

Sem qualquer explicação, Tarcísio passou a estender o benefício a projetos já lançados e amortizados. Ou seja, o acionista emite uma debênture incentivada, ganha todos os benefícios fiscais, amplia radicalmente sua rentabilidade, sem precisar lançar um tijolo novo.

Não surpreende. Surpreende, apenas, que tenha passado incólume por todos esses episódios.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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