Na linguagem dos malandros das ruas do Rio “dar uma cama de gato” significa enganar, aplicar um golpe. A gíria pode ser ouvida em ruas mal-iluminadas, nas calçadas onde qualquer descuido pode servir de oportunidade aos batedores de carteira.
Sabe-se agora que a expressão também faz parte do vocabulário do pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e aliado do presidente Jair Bolsonaro.
Ele a usou para gabar-se de que o homem indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, conseguiu enganar o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), quando provocado a dar opinião sobre a união civil de casais homossexuais. Depois de muito enrolar, Mendonça prometeu defender “o direito constitucional do casamento civil das pessoas do mesmo sexo”.
Segundo Malafaia, era tudo papo furado.
“Sobre essa história de que André Mendonça é a favor da união de pessoas do mesmo sexo no parâmetro da Constituição, ele deu uma ‘cama de gato'”, disse o pastor, em vídeo que postou nas redes sociais. “Ele sabia que sofreria pressão. Foi uma saída espetacular porque a Constituição só prevê casamento de homem com mulher”.
Pastor-deputado ligado a Malafaia, Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) confirmou a maracutaia, dizendo que a resposta de Mendonça foi treinada exaustivamente.
Assim, sem a menor cerimônia, lideranças evangélicas neopentecostais confessaram à nação que armaram um golpe para enganar os congressistas. O parceiro nesse cambalacho? Ninguém menos que o novo ministro da mais alta corte do país. Beneficiário e partícipe da encenação é o próprio presidente Jair Bolsonaro.
Com essas personalidades do Executivo, Legislativo e Judiciário está sacramentada a República da Cama de Gato.
Não que os senadores sejam presas inocentes. Todos sabiam que Mendonça, quando ministro da Justiça, recorreu à Lei de Segurança Nacional para reprimir críticos de Bolsonaro, organizou dossiê contra antifascistas, pediu a abertura de templos religiosos no pior momento da pandemia de covid-19, entre outras barbaridades.
Ao votarem naquele homem de fala mansa e expressão piedosa sabiam muito bem que ninguém muda de tirano para democrata de uma hora para outra. Alguma razão tiveram para fazê-lo.
As verdadeiras vítimas desse e outros golpes são os cidadãos comuns, aqueles que ainda acreditam que “as instituições estão funcionando”. Mesmo os que não acreditam, mas continuam a submeter-se a elas, são também achacados.
Nas mesmas localidades inóspitas onde “cama de gato” é uma gíria comum, circula o seguinte ditado popular: “O que seria dos malandros se não fossem os otários?”.
Deixemos de ser otários, pois.
E aprendamos a cuidar de nossas carteiras.
CHICO ALVES ” SITE DO UOL” ( BRASIL)