CIRO VICE DE LULA ?

CHARGE DE HILTON

O título desta coluna não é brincadeira nem fake news. É uma reflexão em um momento crítico da política brasileira

O título desta coluna não é brincadeira nem fake news. É uma reflexão em um momento crítico da política brasileira, às vésperas de um ano eleitoral que se vislumbra tenso e cheio de incógnitas. Trata-se, com efeito, de enfrentar nas urnas um presidente de extrema direita, golpista, que arrastou este país para um dos momentos mais graves e perigosos desde os tempos da ditadura.

A perspectiva é de que os meses que faltam para a sucessão ou reeleição de Jair Bolsonaro sejam duros e difíceis. Há hipóteses para todos os gostos, mas uma coisa que parece certa é que o presidente não deixará o cargo nem será retirado dele antes do fim do mandato, já que boa parte do Congresso está do seu lado e o clamor das mais de cem pedidos de impeachment evaporou. Nem mesmo as graves acusações da CPI da pandemia parecem ter consequência.MAIS INFORMAÇÕESO método Bolsonaro: um assalto à democracia em câmera lenta

Além disso, os últimos acontecimentos dão a entender que, apesar de as pesquisas mostrarem um presidente com cada vez menos consenso popular, ele ainda poderia se recuperar e chegar à reeleição mais forte do que se imaginava. Sua entrada triunfal no PL —um dos partidos do poderoso Centrão—, seu reforço no Supremo Tribunal Federal com mais um ministro indicado por ele, a chegada à política do ex-juiz Moro, temido pela velha política, e o auxílio para milhões de pobres em substituição ao programa Bolsa Família reforçaram sua candidatura à reeleição.

Se os candidatos adversários de Bolsonaro na disputa presidencial não estiverem atentos e presumirem que o presidente chegará desgastado à eleição e poderá ser facilmente derrotado, podem se enganar. Por isso, a situação fica mais delicada e perigosa a cada dia que passa, algo que os candidatos a concorrer com o capitão têm de levar em conta.

Tudo isso obriga os candidatos presidenciais a refletir e a não se deixar levar por mesquinharias ou interesses pessoais em vez de pensar que o importante é retirar do poder um personagem que deixa uma herança de terra arrasada em todos os setores e um Brasil desprestigiado no exterior.

Neste momento, o importante é que aqueles que aspiram a impedir que Bolsonaro seja reeleito reflitam e vejam a forma mais segura para libertar o país do pesadelo em que a trágica aventura bolsonarista o afundou.

E aqui não deve haver personalismos que possam tornar inviável essa possibilidade de libertação. Poucas vezes, às vésperas de uma eleição presidencial, a situação pareceu tão grave como agora, pois se trata de salvar a democracia em perigo e de devolver a normalidade política ao país. Isso me fez pensar que a maior responsabilidade recai sobre Luiz Inácio Lula da Silva, que domina todas as pesquisas e poderia até mesmo derrotar Bolsonaro já no primeiro turno, embora esta possibilidade possa diminuir se, nos próximos meses, o presidente recuperar sua força perdida. Agora, foi a velha política criticada por Bolsonaro, eleito graças à sua promessa eleitoral de pôr fim a ela, que acabou conquistando e protegendo o presidente —e poderia salvá-lo de uma derrota que já era tida como certa.

Não há dúvida de que, sobretudo se Bolsonaro recuperar seu apoio eleitoral, a única candidatura que ainda pode lhe fazer frente com força é a de Lula. Por isso, o que a esquerda não pode esquecer é que se duplica sua responsabilidade na tarefa de ganhar as eleições. Se Bolsonaro acabar sendo apoiado pelas forças das instituições que ele queria destruir, é pouco provável que qualquer candidato da chamada terceira via, destinada a quebrar o duelo entre os dois polos, tenha força para derrotá-lo.

Talvez por isso, foram vistas com preocupação as últimas declarações de Ciro Gomes em que acusa Lula e o PT de estar ajudando o Governo nas votações no Congresso com a finalidade, diz ele, de permitir que Bolsonaro chegue até as eleições —já que, segundo o ex-governador do Ceará, o sonho de Lula é enfrentar o genocida e derrotá-lo na batalha. Por isso, de acordo com Ciro, Lula sempre preferiu que não fosse em frente o impeachment de Bolsonaro. Segundo essa visão, Lula prefere duelar com o capitão para oferecer seu triunfo ao Brasil e ao mundo.

Ciro se equivoca neste momento ao querer dividir as forças de esquerda e centro-esquerda a fim de abrir caminho para se apresentar como candidato com possibilidade de chegar ao segundo turno. No entanto, acreditar, neste momento, que possa superar Lula na disputa contra Bolsonaro parece uma infantilidade. Não há dúvida de que Ciro, que já disputou várias eleições presidenciais e ficou em terceiro lugar contra Bolsonaro, é um dos políticos mais bem preparados e com maior experiência do país, com uma grande bagagem intelectual. E hoje seria um candidato competitivo contra Bolsonaro se Lula não pudesse ou não quisesse disputar a eleição. Mas o melhor agora, para os dois e para o país, seria que esquecessem suas rixas pessoais e voltasse os olhos para aquilo que interessa ao país, que é ficar livre do pesadelo de Bolsonaro.

Assim, há quem pense que uma solução para acabar com esse conflito inútil de Ciro com Lula, de quem já foi ministro e amigo, seria concorrer em conjunto, com o ex-governador como vice do ex-sindicalista, para oferecer ao país uma vitória que seria histórica. Se alguém considera absurda essa possibilidade, não acredito que seja menos crível e vitoriosa do que o vice de Lula contra Bolsonaro ser o conservador e desgastado Geraldo Alckmin, a mil léguas da esquerda.

Uma hipotética candidatura de Ciro a vice-presidente na chapa de Lula seria, sem dúvida, algo diferente do que tem significado até agora esse cargo, que é mais visto, como criticou Michel Temer quando era vice de Dilma Rousseff, como um enfeite sem poder nenhum, como em parte foram quase todos os vices no passado e como está acontecendo no Governo de Bolsonaro, onde Hamilton Mourão conta menos que nada.

Ciro como vice na chapa de Lula, com sua personalidade e força política, poderia ser, mais que um enfeite, uma figura importante em um possível novo Governo progressista de centro-esquerda. Seria, além disso, uma forma de fortalecer a figura do vice, que em outros países, como os Estados Unidos, tem lugar de destaque no Governo.

Diante da hipótese de que Ciro possa ser o vice de Lula, há quem objete que, dado seu caráter impulsivo, a figura do amigo de tantas batalhas em um cargo tão delicado traria mais problemas do que benefícios para Lula. Tudo isso é possível, mas em momentos críticos em que se decide o futuro de um país, é preciso esquecer os velhos rancores e buscar a solução que possa resolver melhor uma crise nacional. Acho que poucos poderiam duvidar de que, com todas as dificuldades pessoais que essa solução de dupla Lula-Ciro possa envolver, essa chapa teria uma possibilidade muito maior de derrotar um Governo que está arrastando o país para o precipício.

Uma vitória de Lula com Ciro como vice-presidente, sendo mais do que uma simples figura decorativa no Governo, significaria uma mudança democrática importante e a garantia de implantação de uma política social robusta que alivie o desastre econômico vivido pelo país e detenha o monstro da fome e da miséria. Apesar das já conhecidas intemperanças do Ciro, o que ninguém pode negar é sua capacidade em matéria econômica, sua cultura, suas conquistas na educação e sua forte personalidade política.

Uma dupla Lula-Ciro teria, sem dúvida, maior peso político e enviaria uma mensagem às forças progressistas, o que não ocorreria com uma chapa Lula-Alckmin, que poderia ser vista como um esforço do ex-presidente e do PT de tirar votos da direita. Estamos em um momento grave em que o Brasil arrisca tudo na eleição, e a esquerda democrática não pode se permitir decisões que cheirem aos velhos jogos da pequena política. É melhor entrar na batalha com o rosto descoberto.

JUAN ARIAS ” EL PAÍS ” ( ESPANHA ? BRASIL)

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

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