A FUZARCA DOS 14 CAMELOS DE DOM PEDRO II

Dom Pedro II (1825 – 1891), O Magnânimo, foi um Imperador fascinante. Está presente até hoje no imaginário nacional. Era, ao mesmo tempo, membro da Sereníssima Casa de Bragança, portanto, de alma lusitana, monarca erudito, e, brasileiríssimo – um carioca da gema.

Nasceu três anos após a Independência do Brasil, no Palácio de São Cristóvão, no bairro imperial, na região central do Rio de Janeiro. Era bisneto de Dona Maria I (1734 – 1816), A Educadora, neto de Dom João VI (1767 – 1826), O Clemente, e filho de Dom Pedro (1798 – 1824), que, cá, é primeiro, com o título de O Libertador, e, em Portugal, quarto, cognominado O Rei Soldado. Dom Pedro II seria deposto, em 15 de novembro de 1889, por uma quartelada republicana.

Mas até os nossos dias são muitos os historiadores a acreditar, como eu, que tenha sido, de fato, o mais magnânimo dos chefes de Estado do País. Está no ar, neste momento, inclusive, uma telenovela da Rede Globo intitulada “Nos Tempos do Imperador”, na qual faz o papel do soberano o ator mineiro Selton Mello, 48 anos, com ótimo desempenho.

E, às vésperas das comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil, acaba de ser publicada uma curiosa obra, “Catorze camelos para o Ceará”, de autoria do ilustrado jornalista gaúcho Delmo Moreira, 67 anos, que fez um robusto e complexo levantamento sobre a primeira expedição cientifica nacional.  Foi organizada e conduzida exclusivamente por estudiosos brasileiros sob encomenda de Dom Pedro II.  

A Imperial Comissão Científica da Exploração das Províncias do Norte, designação à época de todos os territórios acima da Bahia, teve a duração de pouco mais de dois anos – tendo sido iniciada em fevereiro de 1859 e se estendido até junho de 1861.

Três homens indicados pelo Imperador comandaram a façanha pioneira. Um deles era o Barão de Capanema, como passou à História o engenheiro e físico mineiro Guilherme Schüch (1824 – 1908), nascido em Ouro Preto. O outro era o botânico carioca Freire Alemão (1797 – 1874) e o terceiro, o poeta e etnólogo maranhense Gonçalves Dias (1823 – 1864).

Seriam os responsáveis pelo mapeamento das riquezas ainda escondidas nos grotões setentrionais e, por isso, o próprio Dom Pedro II mandara comprar na Argélia, então colônia da França, 14 camelos para que a Imperial Comissão pudesse se deslocar, como se no Saara estivesse, nas áridas terras do Ceará.

Muito bem estruturada, pontuada de bom humor, a obra de Delmo Moreira, com quem tive o prazer de trabalhar na redação do diário Gazeta Mercantil, em São Paulo, de 1998 a 2001, narra, detalhadamente, as peripécias tragicômicas da incursão aos sertões e a fuzarca que os escolhidos pelo Imperador fizeram ao longo das pesquisas. Principalmente Gonçalves Dias – autor do célebre verso “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá”. Chegaram a alugar em várias localidades, conforme relata Delmo Moreira, casas afastadas para lá instalar as mulheres que tomavam como concubinas durante a expedição.   

A turma da fuzarca quase não se aventurou a viajar com os camelos – optaram pelos jegues. Só Gonçalves Dias fez tentativas de percorrer alguns trechos do Ceará montado em camelo. Logo desistiu.

Os animais seriam doados aos fazendeiros cearenses, que passaram a exibi-los nos seus ‘zoológicos’ particulares. Desapareceriam da paisagem brasileira, pouco tempo depois, sem deixar rastros. Ficou no anedotário nacional, contudo, o trocadilho, devido à semelhança de som no idioma árabe, feito por um dos cuidadores argelinos de camelo trazidos para o Nordeste: Ce-a-rá igual Sa-a-ra.             

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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