A fome no Brasil aumentou de forma exponencial em 2020 e os programas de auxílio emergencial criados pelo governo foram incapazes de lidar com o fenômeno. O alerta é de Maximo Torero, economista-chefe da FAO, que insiste que o governo brasileiro precisa, de maneira urgente, trabalhar para mapear os bolsões da fome no país e, assim, conseguir dar uma resposta à crise.
Os dados, segundo ele, indicam um cenário dramático. Em 2019, menos de 2,5% da população brasileira vivia numa situação de fome severa. Ao final de 2020, a taxa era de 8%. “Uma enorme mudança”, disse o economista.
Quanto aos dados sobre fome moderada, a taxa chega a 24% da população em 2020, contra 16% em 2019 e apenas 11% em 2014. “É um enorme salto”, insistiu Torero, apontando que nessa classificação está incluída a desnutrição. Os dados do IBGE, porém, são ainda mais alarmantes, passando de 27% para 35% em 2020.
Os dados recolocam o Brasil e toda a região latino-americana de volta ao radar da fome no mundo. “Foi um ano muito ruim, pela forma que lidaram com a pandemia”, afirmou.
Outro dado destacado pela FAO aponta que, em 2018, 14% da população brasileira já não tinha acesso a uma alimentação saudável, o equivalente a 29 milhões de pessoas.
A realidade contrasta com a posição que o Brasil declara ter no mundo de ser responsável pela alimentação de 1 bilhão de pessoas pelo planeta, graças às exportações. Mas, para Torero, a desigualdade é o que marca a incapacidade de o país garantir alimentos a seus próprios cidadãos.
Um dos principais representantes da FAO no mundo espera que uma recuperação comece a ser vista em 2022 e que países como o Brasil registrem alguma queda nos índices de fome. Mas ele alerta que a volta aos números pré-pandemia só ocorrerá em uma década.
“Nossa projeção é de recuperação completa apenas a partir de 2030, tanto no mundo como na América Latina”, disse.
Mesmo com a projeção de uma leve recuperação em 2022, um dos grandes desafios é a pressão da inflação. Se parte do aumento tem relação com a compra de commodities pela China, Torero destaca que a seca no Brasil, Rússia e EUA também afeta o trigo. O maior obstáculo, porém, vem dos preços de energia. “Isso é de grande preocupação”.
Auxílio emergencial
Torero estima que não foi apenas o Brasil que sofreu na pandemia. Diante de uma taxa de informalidade de 50%, a América Latina também registrou uma alta enorme em casos de fome, incluindo no Peru, Argentina e outros países.
“A consequência do confinamento foi a perda de renda, principalmente na economia informal. Na economia formal, há certa proteção. Mas os informais não têm acesso a isso e foram deixados sem apoio”, disse.
Em alguns casos, como no Peru, confinamentos de um ano acabaram agravando a crise social, diante da ausência da ajuda do estado.
Para Torero, existiam “várias opções” para se evitar tal crise. “Em primeiro lugar, alguns dos confinamentos foram desnecessariamente longos, já que não existiam medidas adequadas, como a testagem”, disse.
Segundo ele, algumas das medidas de lockdown poderiam ter sido suavizadas se existissem medidas sanitárias coerentes para lidar com o vírus. Isso, porém, não foi implementado e o confinamento não surtiu o efeito que se esperava.
Outro problema foi a falta de dados sobre onde estava a fome na região, inclusive no Brasil. “Pensaram que a fome estava no mesmo grupo de pessoas que estava recebendo a ajuda em programas sociais. Parte importante do aumento da fome ocorreu em novos hotspots de fome, que estavam relacionados com trabalhadores informais”, disse.
Para o chefe da FAO, o Brasil conseguiu evitar um aumento da pobreza, com a distribuição do auxílio emergencial. Mas, segundo ele, não estavam nesses beneficiários dos pacotes os riscos de fome.
Com a meta de superar essa crise, Torero espera agora que o governo brasileiro mergulhe em um trabalho para mapear onde a fome está. A partir dessa avaliação, sua proposta é de que programas focados nesses grupos sejam criados para começar a lidar com a crise.
JAMIL CHADE ” SITE DO UOL” ( BRASIL)