A torcida do Flamengo, meu time desde os cinco anos (já se vão 66 anos e perdi a conta dos títulos, terei de conferir no futuro Museu…), fez um abraçaço à equipe ao sair do Rio para a final da Taça Libertadores da América, marcada para o dia 27 de novembro, em Montevidéu, contra o Palmeiras. Em uma escala até o Uruguai, o Flamengo enfrenta, em Porto Alegre, o Internacional, sábado (ontem), no estádio Beira Rio, e o Grêmio, na 3ª feira, em sua arena, jogos pelo campeonato Brasileiro, virtual e merecidamente conquistado pelo Atlético Mineiro. Compreendo a paixão dos torcedores (fora um Zico ou outro fora de série, o maior craque do Mengão é o camisa 12, o torcedor que se sacrifica para extravasar sua paixão). Particularmente não gosto de oba-oba. Muitos foram os títulos que o meu Mengão “ganhou de véspera”, mas perdeu no campo de jogo. Em 2019 o abraçaço da AeroFla foi recompensado com o incrível 2º gol de Gabigol, já nos acréscimos, na vitória de 2 x 1, de virada, em Lima (Peru) sobre o River Plate. O delírio aumentou no dia seguinte quando o clube se sagrou Campeão Brasileiro em meio a um desfile apoteótico num trio elétrico que atravessou a avenida Presidente Vargas lotada. O abraçaço não funcionou no mês seguinte e o Flamengo perdeu de 2 x 1 para o Liverpool, que levara um sacode de 3 x 0 de Zico, Adílio, Nunes&cia, no Mundial de Tóquio, em 1981. O Liverpool era outro; ao Flamengo de 2019, apesar do embalo da música, faltaram o carisma e a classe dos jogadores da Era Zico.
Recorro à fábula do futebol como preâmbulo para a esfera política. A vida ensina que é preciso ter humildade e não dar a volta olímpica antes do jogo. No momento, não se sabe quem disputará, para valer, o campeonato eleitoral de outubro de 2022. Neste domingo, uma agremiação, cujo futebol já chegou a encantar a torcida, faz uma prévia para escolher quem irá às urnas (“para perder”, brincam os torcedores adversários). As prévias apontavam uma provável revanche do jogo adiado em 2018, quando o VAR, ou melhor o “árbitro” Sérgio Moro, juiz federal da Lava-Jato, avocou para a sua Vara, em Curitiba, inquéritos envolvendo o ex-presidente Lula. As condenações e cartões vermelhos por infrações confessadas, no Brasil e no exterior, por empreiteiras e seus executivos, além de funcionários de estatais, não foram anuladas. Até aqui. Um VAR superior, o Supremo Tribunal Federal, que antes considerou que dois “cartões amarelos” – ou seja, duas condenações até a 2ª Instância Federal excluía o jogador da tabela do campeonato – reviu seu posicionamento pós 2018 e anulou o critério de suspensão automática, com a inabilitação, ao 2º cartão amarelo. O jogador Lula ganhou salvo conduto político e absolvição, enquanto o jogador adversário, ainda no calor da vitória, de 2018, em circunstâncias muito especiais, já passava a estabelecer o bicampeonato em 2022 como meta. Ligou o modo palanque e esqueceu (ou não soube) de governar.
Um fracasso em várias frentes
O fracasso do seu governo se dá em várias frentes. A inflação de dois dígitos empobrece a todos – salvo os ricos e privilegiados de sempre. Bolsonaro conseguiu a façanha de fazer o país “celeiro do mundo” ter o litro de óleo de soja, sua principal riqueza agrícola, custando os mesmos R$ 7,68 de um litro de gasolina, extraído do petróleo do pré-sal que colocou o Brasil entre os oito maiores produtores do mundo (mas que é oferecida na bomba com 27% de mistura de álcool anidro, outra riqueza do agronegócio da cana de açúcar). A pandemia da Covid-19, que Jair Bolsonaro não soube administrar, porque seguiu a cartilha de seu ídolo, Donald Trump, que a considerara “uma gripezinha”, até que produziu algo: em meio à ruína de milhares de negócios e empregos perdidos na pandemia, que causou 612 mil mortes, tirou uma fatia considerável dos brasileiros da pobreza e até reduziu a desigualdade entre os 1% mais ricos e os 10% mais pobres (o coeficiente de Gini atingiu o menor nível de desigualdade em 2020). Isso ocorreu quando o Auxílio Emergencial de R$ 600 socorreu 67 milhões de brasileiros (25% dos lares do país). Mas só durou por alguns meses em 2020. O Auxílio Emergencial, já reduzido a R$ 300, de setembro em diante, foi cortado em janeiro de 2021. Quando voltou, em junho, encolheu para R$ 250 e só atendeu a 38 milhões, incluídos os 17 milhões do Bolsa Família. Agora, o governo Bolsonaro quer mudar o programa de nome e apagar a memória do Bolsa Família (unificação feita pelo PT, em fins de 2003, após o rotundo fracasso do “Fome Zero”, dos programas do Comunidade Solidária da primeira dama Ruth Cardoso, no governo de FHC) e chamá-lo de Auxílio Brasil. Ou seja, trocar um programa estrutural de inclusão social pelo eleitoreiro Auxílio Brasil, com prazo de validade curto e que exclui mais 20 milhões de pessoas já na largada. Uma regressão social, com a volta de milhões de famílias à rua da amargura e da miséria.
Nas manobras de bastidores para a reeleição em 2022, joga-se com o Auxílio Brasil, com vigência provisória de R$ 400 até dezembro de 2022 (a depender de aprovação da PEC dos Precatórios – o calote de R$ 90 bilhões nos credores do governo que ganharam ações na Justiça serviria para bancar programas emergenciais e aumentos permanentes de salários de servidores federais. Em fim de governo, se os barnabés e garçons não estão satisfeitos (como a maioria da população), faltarão empenho nas ações eleitoreiras do governo e o cafezinho já começará a ser servido frio e sem açúcar. Tudo depende dos senadores. A PEC pode ser barrada no Senado esta semana, pois o governo lá não dispõe de 3/5 dos 81 votos dos senadores para aprovar uma emenda Constitucional, cuja legalidade e moralidade (devido ao Orçamento Secreto, que dá mais poder ao Relator que a soma das verbas para projetos individuais e das bancadas de cada estado brasileiro) é muito discutível. Alguns pontos defendidos pelos senadores da oposição poderão ser aceitos pelo governo, com a criação de uma PEC paralela. O 1º, é transformar o Auxílio Brasil num programa permanente de renda mínima, com um benefício mensal de R$ 400 (e não com vigência só até dezembro de 2022). O 2º, é garantir que o espaço fiscal a ser aberto, com o subteto para os precatórios e com a mudança na forma de correção do Teto de Gastos, esteja vinculado aos gastos do novo programa social do governo. O 3º, é a formação de uma comissão no Senado para fiscalizar os precatórios (para que o uso do calote não seja permanente). Ao fim e ao cabo, a PEC paralela teria de ser aprovada em 2ª votação pelos deputados e voltaria ao Senado para ser sancionada e o governo poderia pagar o Auxílio Brasil com um benefício maior.
É cedo dizer quem estará na disputa do mata-mata (que não levem ao pé da letra, pelo amor de Deus) até a eleição. Muitos conchavos e armações que pareciam certos foram adiados. Dotes e promessas de juras eternas são feitos com o chapéu e o dinheiro alheio (o meu, o seu, o nosso). Pode surgir um azarão (uma 3ª via). Cada um escolhe seus torcedores. O presidente Bolsonaro, palmeirense declarado, mesmo próximo dos dirigentes do Flamengo, depois de se reunir com governantes déspotas doa Emirados Árabes Unidos (9,9 milhões de habitantes), Catar e Bahrein, que juntos têm menos habitantes que o Grande Rio, mas nadam em petróleo e gás, ao voltar ao Brasil, posou na “live” semanal, transferida para 6ª feira, 19 de novembro, mesmo dia do embarque do Flamengo, na companhia do secretário de Cultura, o ex-ator de Malhação Mário Frias vestido com a camisa do Botafogo. O simpático time da Estrela Solitária, de Garrincha, Nilton Santos, Didi, Gérson, Jairzinho e Paulo Cesar Lima (Caju), parece ter carimbado o passaporte de volta à Série A em 2022. Mas é um inimigo figadal dos torcedores rubro-negros. Lula, que as pesquisas indicam poder vencer no 1º turno, quase fez uma “Volta Olímpica” político-diplomática, visitando o Parlamento Europeu, o futuro chanceler alemão, sucessor de Ângela Merkel, o presidente francês, Emanuel Macron, que virou um dos mais ferrenhos críticos europeus de Bolsonaro, e ainda o primeiro ministro da Espanha. Muitas surpresas virão até as urnas falarem em 2022. Se Bolsonaro (detrator da ciência e das vacinas ao lidar com a Covid-19) teve o desplante de se conceder o título de “Grão Mestre Emérito da Ciência, cujo ato contínuo foi a renúncia de três dezenas de cientistas brasileiros das honrarias concedidas (por mérito) pelo CNPq, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações do Brasil, pilotado pelo astronauta Marcos Pontes, Lula ganhou mais um título de “Doutor Honoris Causa” de uma universidade de Paris.
Nas viagens que fizeram paralela à COP-26, em Glasgow, na qual Jair Bolsonaro deliberadamente fez “forfait” e foi representando pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e pela diplomacia profissional do Itamaraty, com promessas que contrariavam a pregação e a prática do seu governo, o desfilar dos favoritos à corrida mostrou o espírito de cada um. Bolsonaro aproveitou a Exposição Internacional de Dubai, onde a APEX montou um “stand” do Brasil para desfilar novamente fantasias dignas das “Mil e Uma Noites”. A principal delas foi convidar empresários, investidores e autoridades a conhecer “in locco” a floresta Amazônica, uma “floresta úmida que não pega fogo”. Verdade! A mata exuberante, de pé, dificilmente pega fogo. Já as glebas griladas, com acesso fácil pelas estradas que vão rasgando perigosamente a floresta desde a abertura da Transamazônica no governo Médici, no começo dos anos 70 (no governo JK a abertura da Belém-Brasília, no fim dos anos 50, tirou a virgindade da floresta) quando são desmatadas (legal ou ilegalmente – a fiscalização do Ibama e da Polícia Federal foram desativadas) e depois da extração das madeiras nobre para exportação para Estados Unidos, Europa e China ou para o interior do Brasil, sobretudo São Paulo, o maior receptador das madeiras da Amazônia, são facilmente queimadas. Perde-se dupla ou triplamente no combate ao aquecimento global: a mata deixa de “filtrar” o CO2 e a sua queimada, joga mais gás carbônico na atmosfera. Para piorar, a transformação do que era mata em pasto para a criação de gado introduz outro gás perigoso na atmosfera: o metano do arroto dos ruminantes ou do pum dos animais. Lula procurou mostrar que o Brasil de Bolsonaro é um interregno na história do país.
Mentira tem perna curta
Se há dois pecados que passam a ser vistos 24 horas com satélites e lupa pelos governantes democráticos do 1º mundo, são os que envolvem a proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente. Quando povos indígenas estão sob ameaça da devastação de madeireiros ou garimpeiros, os alarmes soam em todo o mundo e são ecoados por ONGs atuantes, que não se submetem às pressões do governo (salvo na China e ou ditaduras aqui nas Américas, Caribe, África e Ásia). Neste caso, a mentira contada por Jair Bolsonaro em Dubai e nos países do Oriente Médio teve perna curta e nem esperou sua volta ao Brasil. Os dados do INPE de outubro, deliberadamente escondidos pela delegação brasileira na COP-26, mostraram os maiores índices de crescimento do desmatamento. As metas das promessas já estavam superadas há muito tempo. Bem disse a jovem, que já não é mais “pirralha”, ambientalista sueca Greta Thunberg: “Blá, blá, blá”.
Quem sobrevoa de avião o Sul do Pará e o Norte de Mato Grosso percebe como a floresta da Amazônia Legal está sendo devastada. Em meados dos anos 90 fiz uma viagem de trem de São Luís (MA) a Carajás (PA), num vagão de passageiros que meses antes abrigara o então vice-premier chinês Deng Xiao Ping (que veio fechar largos contratos de fornecimento de minério de ferro para a China com a então estatal Vale do Rio Doce. O que mais chamou atenção foi o sumiço da floresta às margens cortadas pela ferrovia no Maranhão (onde a família Miranda criava gado Nelore em pastos onde uma ou outra tora calcinada de árvore dava o testemunho de que ali era uma floresta tropical). O avanço da devastação se estendia até Marabá (PA) e só começava a diminuir de Paraopebas até Carajás (onde conviviam imensas crateras abertas para extrair minérios de montanhas com florestas tropicais intactas). Essa visão era nítida na sede da Vale, em Carajás. Amigos aviadores dizem que a visão mudou radicalmente no Pará, em Rondônia, no Norte de Mato Grosso e no Sul do Amazonas, com a construção da Cuiabá-Santarém (PA) e da Manaus-Porto Velho (RO). Essas estradas funcionam como os caminhos de formigas cortadeiras no mato. Permitem o deslocamento dos batalhões que vão cortar folhas (toras, no caso) de árvores para alimentar os formigueiros.
Em 2022 se completa o Centenário da Semana de Arte Moderna, liderada em 1922 por um grupo de paulistas e paulistanos. Um dos expoentes do grupo, o genial Mário de Andrade, em sua obra clássica, “Macunaína, o herói sem nenhum caráter”, publicada em 1928, dizia, entre outras máximas e mínimas: “Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são”. Cem anos depois, a metáfora está mais viva do que nunca. Mas nada fez o governo Bolsonaro para celebrar a cultura brasileira e usar a data redonda dos 200 anos da Independência para tentar reintroduzir o Brasil no circuito mundial do turismo e da cultura, do qual viramos pária na pandemia e no atraso do uso das vacinas. Chegamos a 70% vacinados com a 2ª dose, mas a CoronaVac, que imunizou boa parte dos brasileiros, segue sem reconhecimento de vários países. Isso dificulta nossas viagens ao exterior e afasta eventuais visitantes no Brasil. Dá para confiar que Bolsonaro e Mário Frias possam fazer uma tabelinha para promover o turismo e a cultura ao som da cafona sanfona do ministro do Turismo, Gilson Machado Neto?
Troféu óleo de peroba
Mas o troféu óleo de peroba da semana vai, sem nenhum favor, para o ministro da Economia Paulo Guedes. Com a responsabilidade de zelar pelo equilíbrio orçamentário (“ajuste fiscal” era sua palavra de ordem quando criticava antigos ocupantes do leme da economia brasileira, sem os superpoderes que desfruta ao unir vários ministérios num só), a inflação e o controle da moeda, visando o desenvolvimento econômico e social (crescimento da economia, da renda e do bem estar), Guedes, em vez de se envergonhar e se penitenciar com a escalada do dólar (que é o outro lado da desvalorização do real e da inflação), teve a cara de pau de afirmar que o investidor terá um adicional de ganhos com a alta da moeda americana.
“Os fundamentos estão aí e o dólar está lá em cima ainda por causa da barulheira infernal. Não tem problema, quem entrar agora [investir no país agora] tem uma margem adicional de ganho. Além do que vai ganhar no projeto em si, [a empresa] está entrando com um dólar favorável, que está acima da taxa de equilíbrio”, comentou o ministro esta semana.
Só esqueceu de se assumir como um destes “investidores”, pois colocou, em setembro de 2014, US$ 9,5 milhões em empresa “off-shore” (de gaveta) nas Ilhas Cayman. A conta, administrada pela filial do banco suíço UBS, era gerida em conjunto com sua filha Paula. Em dezembro de 2018, às vésperas de assumir o governo, passou a ser dividida entre a mulher, Maria Cristina e a filha. Ao levar o raciocínio ao pé da letra, os ganhos da família estão a salvo.
Parece não pensar assim o empresário Luis Stuhlberger. Sócio-fundador da Verde Asset, uma das maiores gestoras de recursos (“Asset Management”) do país, Stuhlberger votou em Bolsonaro nas eleições de 2018, mas se arrepende da escolha. Não escolheu o seu candidato para 2022, mas a dupla Bolsonaro-Guedes não o seduz.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)