A GRANDE LIÇÃO DO PAPA

CHARGE DE WALDONEY PESSOA

O Papa Francisco deu, sábado, uma lição moral ao mundo, em especial aos governantes, sobre a importância da atividade jornalística para levar a luz e o esclarecimento da verdade aos povos de todo o mundo. Em cerimônia na qual o Vaticano homenageou dois veteranos correspondentes (Philip Pullella, da agência de notícias Reuters, e Valentina Alazraki, da mexicana Televisa) sobre as atividades da Igreja Católica, ele fez questão de agradecer à imprensa e aos jornalistas pela ajuda na descoberta de escândalos de abusos sexuais que a Santa Sé inicialmente havia tentando esconder. O Papa elogiou a “missão” do jornalismo e disse que é vital que os repórteres saiam de suas redações e descubram o que acontece no mundo exterior para conter a desinformação frequentemente encontrada online. “Agradeço pelo que vocês nos dizem sobre o que há de errado na Igreja, por nos ajudar a não varrer nada para debaixo do tapete e pela voz que vocês deram às vítimas de abuso”, disse.

Recentemente, descobriu-se, pelas investigações trazidas à luz pela imprensa francesa, que padres do país abusaram sexualmente de mais de 200 mil crianças nos últimos 70 anos. Em muitos países de forte presença da Igreja Católica os fatos se repetiram. Nos Estados Unidos, “O Caso Spotlight”, que virou filme, premiado com o Oscar de 2016, relata as investigações de repórteres do “Boston Globe”, de 2002, sobre o acobertamento pelo arcebispo de Boston, Bernard Law, a dezenas de crimes e abusos sexuais cometidos, entre 1982 e 2002, por quase uma centena de padres de uma das cidades de maior concentração de católicos nos EUA. Também foi o trabalho da imprensa que revelou a hipocrisia de líderes de outras religiões nos Estados Unidos, que, nos púlpitos, pregavam a palavra de Deus e o puritanismo, mas na vida privada se entregavam a orgias propiciadas pelo dinheiro fácil vindo dos crédulos fiéis. No Brasil, a investigação do jornalismo ajudou a desnudar mitos, como João de Deus, Abadiânia (GO). Mas há milhares sacripantas enganando a fé alheia.

Apesar da tradicional cautela da Igreja Católica na transparência das investigações – como, de resto, fazem as cúpulas de outras religiões e seitas, mais interessadas em preservar a credibilidade que assegura o fluxo constante de fiéis e de contribuições –, em 2019, o Papa Francisco abandonou a inércia que as estruturas do Vaticano impuseram a seus antecessores e convocou uma “guerra total” contra um crime que deveria ser “apagado da face da Terra”. Durante a homenagem aos dois correspondentes, ele frisou que os jornalistas têm a missão de “explicar o mundo, torná-lo menos obscuro e fazer com que as pessoas tenham menos medo”. Entretanto, para que possam fazer isso com mais eficácia, alfinetou, os repórteres precisam “escapar da tirania” de estar sempre “online”. O Papa tem razão. O bom jornalismo não pode prescindir da investigação de campo e a conversa factual, que pode dar vez ao contraditório. A ação é totalmente compatível e indispensável ao trabalho feito nas redações com consulta às fontes e ampla pesquisa de fatos passados ou recentes, com o uso dos modernos instrumentos de buscas das mídias sociais.

O importante na fala do Papa Francisco é que ele chamou a atenção para a necessidade da transparência nas ações das estruturas que procuram lidar com o grande público. O princípio da transparência se aplica a todo o tipo de relação social que envolva um público mais amplo e extrapole a esfera privada. O abuso de um padre contra um fiel, sobretudo jovem, valendo-se da supremacia moral da faculdade de ser o “confessor” e responsável por dar a “absolvição” ou “penitência”, não pode ficar encoberta quando ameaça uma comunidade e a própria essência de missão de um religioso, como “intermediário” da palavra divina. O mesmo se aplica a fariseus que pregam da boca para fora a palavra de Deus, mas constroem impérios financeiros em cima da credulidade alheia. Mas o tema da transparência, inerente, à confiança mútua entre os seres humanos, é crucial, sobretudo na política e seriedade das relações entre governantes e governados.

À parte as visões preconceituosas que cativaram o eleitor comum, o presidente Jair Bolsonaro se elegeu pregando um tema bíblico. Citando João 8:13, repetia uma das frases de Jesus a seus discípulos “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará” (discute-se a tradução literal da frase, mas o que importa é o espírito da mensagem). Conhecer a verdade exige não apenas a crença cega, mas a transmissão de sucessivas mensagens – por palavras e atos – que façam quem o ouvir ou seguir ter confiança no líder. E essa confiança cresce ou diminui quanto mais as promessas e palavras são cumpridas. E os governantes agem com transparência (ou dissimulação e até censura) na revelação das motivações e intenções de seus atos e que assumam os êxitos ou fracassos. Quando tentam esconder a verdade, com censura ou menosprezado a missão cotidiana da imprensa, faltam com as promessas.

Transparência e chances eleitorais

A acentuada queda de popularidade e confiança no governo Bolsonaro traduz a decepção do eleitorado em geral. O governo não está entregando quase nada do que prometeu. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o novo marco regulatório do gás natural ia provocar uma queda de 30% a 50% nos preços do gás para o consumidor. Este ano, numa gangorra invertida, ele subiu acima da promessa de queda. E a autossuficiente em petróleo e gás Petrobras, que transfere para o consumidor as altas internacionais e petróleo e domésticas do dólar (desvalorização do real) para a gasolina, o diesel, o GLP e o querosene de aviação, ameaça dobrar ou quadruplicar o preço do gás natural para 2022. A inflação, que estacionou na perigosa casa dos dois dígitos, tende a ser pressionada com reajustes de mais de 10% na energia elétrica no ano que vem, para cobrir os custos maiores do uso de gás e combustíveis em termoelétricas, diante da situação crítica das usinas hidroelétricas. Ou seja, se os consumidores escaparem de um racionamento em 2021 e 2022, poder ser eletrocutados no bolso pela conta de luz. O PIB encolhe diante do tranco atrasado dos juros pelo Banco Central. Com o crescimento menor, ou até queda em 2022, a retomada do emprego vai ficar mais difícil até 2023.

Mas, cofiando na troca de alianças com o Centrão, na figura do notório Waldemar Costa Neto, dono do PL, com 42 votos na Câmara dos Deputados, e os 54 deputados do PSL (acima dos 53 do PT), mais os 31 do Republicanos, os 27 do DEM (que se fundiu com o PSL, criando o União Brasil), além do bloco do qual despontam o PTB e o Pros, com 30 votos, que garantiram a aprovação da PEC dos Precatórios por 323 votos a 172 na Câmara dos Deputados (o que o blinda contra o “impeachment” ou sanções mais duras a partir da CPI da Covid, no Senado, o governo Bolsonaro aposta que pode reverter o quadro com os R$ 400 do Auxílio Brasil, nova roupagem para o extinto Bolsa Família. Mas o AB está garantido apenas até o ano eleitoral de 2022. Acaba em dezembro do ano que vem, mas o imbróglio da tramitação da PEC no Senado pode suspender o novo auxílio já na largada este mês. A chegada das águas do São Francisco ao interior de vários estados do Nordeste é outro trunfo. Embora investindo apenas 20% (R$ 2,5 bilhões) dos mais de R$ 12,6 bilhões consumidos na obra – cogitada por D. Pedro II, esquadrinhada no governo FHC, tendo sido iniciada no 2º governo Lula, em 2007, e atravessado os governos Dilma e Temer (de meados de 2016 até dezembro de 2018), cada qual fazendo um pouco, com o dinheiro que é de todos os brasileiros – é Jair Bolsonaro quem vai sair nas fotos abrindo as torneiras. Se isso vai conseguir reverter a hostilidade nos grandes centros, onde Lula tem larga preferência, são outros quinhentos… (por isso alguns defende o AB em R$ 500).

Alianças no Congresso são o retrato de uma eleição passada. Não é só a política que é como nuvem (a cada olhar, muda de figura), o eleitorado e suas motivações também. E a mais importante, mostrou a eleição de Joe Biden nos Estados Unidos, é o comparecimento maior ou menor do eleitor apto a votar. No Brasil, a cada eleição comparece nas urnas uma fatia bem menor do que a representatividade do público pesquisado nas sucessivas enquetes de opinião pública. Nas últimas pesquisas a aceitação do governo caiu para quase 20%. O que isso indica, que Bolsonaro não tem chances? É recomendável fazer uma clivagem para não se iludir na hora do voto, que está muito longe. Vale ponderar que na eleição de 2018, quando éramos 209,5 milhões (hoje, somos 213,8 milhões de habitantes, segundo as projeções do IBGE), dos 147,3 milhões de eleitores aptos a votar (70,3%), compareceram às urnas apenas 115,9 milhões 55,3% dos brasileiros. Bolsonaro foi eleito com 57,8 milhões de votos (55,13% entre os milhões de votos válidos), mas, apenas 39,2% dos eleitores totais (147,3 milhões). Na comparação com a população total de 2018, os votos de Bolsonaro corresponderam a 27,5% dos 209,5 milhões. Isto quer dizer que, apesar dó desastre do seu governo, no combate à pandemia, na economia, na educação e no meio ambiente, os índices das sondagens de opinião pública que apontam Jair Bolsonaro com 20% a 25% das intenções de votos, não estão muito longe do retrato das urnas em 2018. Lula com 43% a 48% das intenções de votos atuais traduz o estado de espírito do brasileiro hoje. Se as “nuvens” vão mudar até outubro de 2022, é cedo para dizer. Os institutos de meteorologia, mesmo valendo-se de satélites, só arriscam previsões com alguma margem de segurança até 30 dias para a frente.

Clima e Pandemia

Por falar em clima, o Brasil pode vir a descumprir o princípio da verdade em breve. Na COP-26 prometemos metas ambiciosas de redução das emissões de CO2 e gás metano na atmosfera. No caso do metano, será preciso uma retro-fitagem na pecuária bovina (leite e carne) para fazer com que os ruminantes arrotem menos ou produzam menos flatulência na sua digestão. Isso vai exigir mudança na alimentação animal (quem sabe com menor avanço das florestas para transformação em pasto). Mas já na largada o Brasil mostrou que não está fazendo o dever de casa para reduzir o desmatamento, que bateu recorde em outubro, segundo o Inpe. Enquanto os países ricos não se comprometem em fazer PIX para os países mais pobres, sobretudo os que se comprometerem em alterar os meios de produção, caso das gigantescas Índia (1,38 bilhão de habitantes) que depende do uso do carvão mineral e da lenha na vida cotidiana, ou Indonésia (276 milhões), dona, depois do Brasil, das maiores florestas tropicais do mundo, que ajudam a amenizar as emissões de CO2, vai ser difícil avançar no consenso. Por isso, espera-se muito que a conferência virtual entre os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da China, Xi Jinping, produzam o consenso que faltou na COP-26 encerrada ontem.

Enquanto os alertas sobre o clima são ignorados por governantes e ignorantes da seriedade do problema (vale a pena conferir um vídeo que simula os efeitos do aumento das águas dos oceanos, com o derretimento do gelo das calotas polares e cordilheiras como os Andes e o Himalaia, se o aquecimento global não for revertido – várias cidades costeiras brasileiras correm risco; no Rio, Copacabana, Ipanema, Leblon e Botafogo, além do centro da cidade poderiam ter várias áreas submersas (e o metrô?), vale ficar cauteloso quanto à dispensa de máscaras porque os números de internações e mortes finalmente estão cedendo no Brasil com o avanço da vacinação.

Na 5ª feira, o Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças alertou que a situação sanitária da Covid-19, com a aproximação do frio do inverno no Hemisfério Norte, está piorando na União Europeia. O alerta de “muito preocupante” já se aplica a 10 países: Holanda (que voltou a adotar o lockdown), Bélgica, Polônia, Bulgária, Croácia, República Tcheca, Estônia, Grécia, Hungria e Eslovênia. E outro grupo, do qual fazem parte a Alemanha, Áustria, Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Romênia e Eslováquia, está em “situação preocupante”. A visão na Alemanha, que só atingiu 66,9% da vacinação completa, é de que é preciso vacinar mais de 80/85% da população para haver imunidade de rebanho. Portugal e Espanha, que estão acima destes índices, estão apresentando os menores números de novos casos. Na Holanda, que vacinara 69% da população, os casos estão voltando com grande virulência.

Aqui, nos trópicos, além de festas e confraternizações irresponsáveis, todos sem máscara, presenciei o absurdo descaso com a saúde pública em viagem a São Paulo semana passada, com minha mulher, Márcia. No Santos Dumont, rigor total com objetos de metal nas bagagens de mão. Tive de tirar cinto e esvaziar um frasco de álcool para as mãos por estar fora do padrão. Mas ninguém mediu nossa temperatura ou pediu cartão de vacinação (já tomamos a dose de reforço). Na volta de Congonhas para o Rio, o mesmo se repetiu: nenhuma tomada de temperatura ou prova de vacinação. O que me assustou foi que no diligente hotel em que ficamos, media-se a temperatura na portaria e na entrada do restaurante. Mas no ambiente fechado da cobertura, que à noite virava uma animada boate, e de dia era servido o café da manhã, praticamente todos estavam sem máscaras e não se media a temperatura na fila de acesso (muita gente nem hospedada estava). Confesso que no dia seguinte fiquei muito preocupado com o café da manhã e com o que pode ser a abertura tipo liberou geral que o prefeito Eduardo Paes quer adotar, bem antes do Carnaval.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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