O POSITIVISMO E O PESCOÇO EM RISCO

CHARGE DE NANDO MOTTA

A fuga de Bolsonaro da Conferência da Escócia pode poupá-lo do constrangimento de ser acusado de vários crimes ambientais

Senhoras e senhores passageiros da nave Brasil, atenção: apertem os cintos e preparem-se para passar vergonha em dois importantes eventos mundiais. Tanto da reunião do G-20 (onde os dirigentes máximos das 20 maiores economias do mundo estarão reunidos em Roma), quanto da Conferência do Clima, a COP-26, promovida pela Organização das Nações Unidas em Glasgow, Escócia, o Brasil, representado no G-20 pelo presidente Jair Bolsonaro, tende a passar vexame. Entre as 20 nações do grupo, o Brasil foi a que pior lidou com a Covid-19, exibindo a maior taxa de mortalidade (607 mil pessoas para 213 milhões de habitantes). É verdade que temos melhor índice de vacinação que os Estados Unidos. Mas poderíamos estar melhores e com menos mortes, se o negacionismo do governo não tivesse retardado a compra de vacinas.

Na conferência do Clima, enquanto todos os países, a começar pela China, se comprometeram a reduzir o carvão como forte de energia, para reduzir a emissão de CO2 na atmosfera, motivo pelos quais os preços do gás natural e dos combustíveis derivados de petróleo, um pouco menos poluentes que o carvão, dispararam, o Brasil se apresenta como o único dos convidados do G-20 para a COP-26 a ter dado incentivo para uso de termelétricas a carvão – um dos jabutis incluídos na PEC de privatização da Eletrobrás. Se não bastassem as críticas procedentes sobre o retrocesso na fiscalização sobre o desmate ilegal de floresta da Amazônia (que reduz a “limpeza” de CO2 da Terra pela floresta), a queima da floresta derrubada – sem qualquer punição ou coerção por parte dos órgãos ambientais e da Polícia Federal), o Brasil vai se expor, desnecessariamente, a uma saraivada de críticas pelo carvão, que nunca foi fonte energética importante no país. Seu uso se limitava à siderurgia.

Não cabe fazer ilação com a situação do Brasil, representada por Jair Bolsonaro, com uma cúpula do G-20 onde o então presidente Lula esteve presente. Coube ao presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, ao citar que entre os líderes presentes, Lula era o que tinha melhor taxa de aprovação população, proclamar a frase emblemática: ”This is the guy”. A tradução livre no Brasil virou: ”Obama disse, este é o cara”. O presidente dos EUA não fez nenhum juízo de valor, só mencionou o destaque pela popularidade. Hoje, pelo lado inverso e pelo conjunto de declarações polêmicas, contra a lógica e o senso comum, ou um mínimo de coerência, pode um dos pares do G-20 dizer novamente “This is the guy”, mas no sentido pejorativo e de crítica. Quase um Judas a ser malhado. Ou julgado no Tribunal Internacional de Haia por crime contra a humanidade.

Pobre do brasileiro que passou a ser tratado no mundo como o “pária” preconizado pelo ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O turista brasileiro segue sem liberdade para transitar nos principais países do mundo, porque a primeira vacina que teve grande avanço de aplicação no país, a chinesa CoronaVac, parceria do Instituto Butantan, do governo de São Paulo com a chinesa Sinovac, apesar de sua comprovada eficácia, não foi reconhecida pela União Europeia e os Estados Unidos. E o governo brasileiro não fez o mínimo empenho em convencer as autoridades sanitárias estrangeiras para não botar azeitona na empada política do governador paulista, João Dória Jr, que virou desafeto de Bolsonaro desde 2019.

Espera-se que Bolsonaro não queira seguir os passos canhestros de Dilma Roussef numa Cúpula do G-20, logo após a crise financeira mundial de 2008, quando se arvorou a “dar lições” de como lidar com a crise a ninguém menos que a então chanceler alemã Ângela Merkel. Dilma disse que o segredo era gastar mais. Logo o Brasil capotaria na maior recessão antes da Covid-19, em 2015 e 2016. Já Merkel encerra dois longos mandatos com reconhecimento geral.

A fuga de Bolsonaro da Conferência da Escócia pode poupá-lo do constrangimento de ser acusado de vários crimes ambientais. Mas não exime o Brasil de responsabilidades. Estão aí as mortes de duas crianças yanomamis, vítimas da criminosa liberação da mineração desenfreada e sem cuidados nas terras indígenas. Em pronunciamento na sexta-feira, ao comentar os fracos novos rounds de leilões de concessões de rodovias, que envolviam a licença da Via Dutra (BR-116) por 30 anos, com o ônus da duplicação da Rio-Santos (BR-101), de Mangaratiba-RJ a Ubatuba-SP),o presidente brasileiro deu completa demonstração de como destoaria na COP-26: ”Quem olha o Brasil não está preocupado com o ruído e a fumaça”. Pois é justamente o contrário.

Os investidores estrangeiros estão muito preocupados com a falta de atenção do governo brasileiro às questões ambientais e sociais que viraram temas obrigatórios das grandes empresas, fundos de investimento e investidores institucionais (fundos de pensão). A sigla ESG, em inglês traduz as preocupações sociais, ambientais e de governança. Por isso não tivemos grupos estrangeiros disputando na linha de frente as recentes concessões de aeroportos ou ferrovias. E as empreiteiras que se habilitaram a gerir a conservação e melhoria de estradas federais são as nossas conhecidas de escândalos pelos quais foram alijados de disputar por muitos anos novas obras na Petrobras e outras estatais brasileiras. Uma pesquisa mais atenta do DNA dos ”investidores estrangeiros” vai descobrir que se tratam de “off-shores” de brasileiros em paraísos fiscais do Caribe, como as do Ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Será que foi pro isso que o mercado reagiu com descrença e alta do dólar, depois que o Banco Central elevou a dosagem de alta de juros na quarta feira? Aparentemente, a dose foi fraca e o Copom continua a correr atrás do dólar e da inflação.

Vejam o caso do absurdo leilão de concessões para exploração de petróleo e gás nos santuários ecológicos de Fernando de Noronha e do atol de Abrolhos. Nada mais anacrônico. Primeiro, um leilão para exploração futura de um combustível fóssil – quando os compromissos das nações mais responsáveis do Planeta são justamente pela substituição das poluentes fontes fósseis (como carvão e o petróleo) por fontes limpas, como a energia eólica, a solar e o hidrogênio. Nem a China, tão havida por combustíveis, pois está reduzindo o uso de carvão, se apresentou na empreitada. Segundo, porque foi uma péssima carta de intenções às vésperas da COP-26, para as quais o Brasil se apresenta, representado por figuras menores e inexpressivas, quanto o compromisso efetivo do governo brasileiro com metas de redução de CO2 (Bolsonaro seria ainda pior).

Nem a Petrobras, tão enxovalhada pelo próprio presidente da República, o representante oficial da União, o acionista controlador, com 51% do capital votante, se dignou a participar em áreas de afronta ao meio ambiente. Como empresa global, listada na Bolsa de Nova Iorque, ela tem de cumprir compromissos de ESG. Mas a cortina de fumaça levantada pelo presidente da República que, depois de tentar imputar aos governadores a culpa pela escalada dos preços dos combustíveis – sobre os quais os estados cobram ICMS, como em todas as mercadorias e serviços – agora quer culpar a estatal pela internação da alta internacional dos preços da gasolina, do diesel e do GLP. O argumento de que é melhor ”vender a Petrobras porque ela só dá dor de cabeça” é estapafúrdio e canhestro. Mas exibe uma armadilha, semelhante à pregação que fez junto a seus apoiadores para fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, cujo corolário seria o golpe supostamente apoiada pelas Forças Armadas. Quem acreditou nas bravatas presidenciais e se expôs hoje está com o pescoço a prêmio, às voltas com a Justiça e abandonado pelo outrora valente Jair Messias Bolsonaro.

O que Bolsonaro quer fazer na Petrobras, eu já cantei quando substituiu o ex-presidente Roberto Castello Branco, cujo mandato de dois anos não foi renovado em abril deste ano, pelo ex-presidente da Itaipu Binacional, general Joaquim Silva e Luna. O desejo é controlar os preços dos combustíveis, sobretudo o diesel – para atender seus apoiadores caminhoneiros, que o estão abandonando na estrada – e o GLP, que estava presente em mais de 90% dos fogões brasileiros, mas ficou inacessível a milhões de famílias, assim como a carne e ou, numa escalada inflamada pela dólar (ou melhor, pela perda de credibilidade do real, que não para de cair). Sua meta é obter “um eu autorizo” para intervir – como fizeram Lula e Dilma – nos preços dos combustíveis para tentar aumentar suas até aqui fracas chances de reeleição. A demonização da Petrobras oculta essa ideia.

O congelamento de preços por Dilma, para garantir a reeleição em 2014, custou um prejuízo de US$ 40 bilhões à Petrobras. Na Eletrobras o rombo foi igualmente proporcional. Imagina se o governo que foi impotente para segurar o dólar e os preços dos alimentos, dos combustíveis e da energia elétrica (com 1/3 do custo dolarizado, quando vem de Itaipu), iria ter mais controle quando a Petrobras sair do jugo estatal. A Petrobras perdeu o monopólio estatal do petróleo – que é e sempre foi da União, mas não da empresa, que dele desfrutava – em 1998. A internacionalização dos preços e a venda de refinarias, para reduzir a fatia da empresa no refino eram parte do processo. Pelo visto, não mais interessa às pretensões eleitorais de Bolsonaro.

Tudo é tão surrealista quando ele que é o grande responsável por tudo, a partir do momento em que foi investido na cadeira presidencial, em janeiro de 2019, que vale lembrar uma das músicas mais surrealistas de Noel Rosa, que perde o ar alegre, mas não irônico, de seus sambas mais conhecidos. Trata-se “Positivismo”, cuja letra começa assim: ”A verdade, meu amor mora num poço; É Pilatos lá na Bíblia quem nos diz; Que também faleceu por ter pescoço; O autor da Guilhotina de Paris. A verdade, meu amor, mora num poço; É Pilatos lá na Bíblia quem nos diz; Que também faleceu por ter pescoço; O infeliz, auto da guilhotina de Paris”.

A dor de cabeça deixa de existir para quem a perde. Mas acho que basta um ditado mais corriqueiro: “A esperteza demais, às vezes, come o gato”. Mas o homem é tão turrão, que em vez de desenhar, é melhor que ele veja o genial “discurso” do Dinossauro na ONU.

GERALDO DE MENEZESW CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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