OS PONTOS CONTROVERSOS NO JULGAMENTO DA CASSAÇÃO DE BOLSONARO NO TRIBUNAL ELEITORAL

O ministro Luis Felipe Salomão, do TSE, durante julgamento da cassação de Jair Bolsonaro. Foto: TSE/divulgação
O ministro Luis Felipe Salomão, do TSE, durante julgamento da cassação de Jair Bolsonaro. Foto: TSE/divulgação

Cassação de Bolsonaro chega capenga à fase de julgamento, com corregedor culpando os advogados do PT pela inexistência de provas que o TSE negou que fossem produzidas

Jornal GGN – A julgar pelo voto do relator Luís Felipe Salomão, duas ações eleitorais que visam a cassação do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, e seu vice, Hamilton Mourão, chegaram capengas à fase de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por uma série de razões controversas. Sobretudo porque não houve, segundo Salomão, produção de provas suficientemente capazes de satisfazer as exigências quanto à “gravidade” dos fatos acusados pela defesa do PT e partidos coligados em 2018.

Entre os cinco processos que tramitam atualmente no TSE com a finalidade de encurtar o governo Bolsonaro, as duas AIJEs (ação de investigação judicial eleitoral) lideradas pelo PT são consideradas as mais promissoras. Elas tratam de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação envolvendo o disparo em massa de fake news pelo WhatsApp.

O julgamento começou na última terça-feira (26), com Salomão apresentando voto pela improcedência das ações. O relatório, com cerca de 50 páginas, pode ser dividido em três grandes pilares:

1 – AS PROVAS DO DISPARO EM MASSA

No primeiro tópico, sobre as provas, Salomão admitiu ter encontrado material robusto a atestar que houve, sim, disparo em massa de mensagens, através do WhatsApp, em benefício da campanha de Bolsonaro, inclusive “mediante estrutura organizada e capilarizada composta por apoiadores e pessoas próximas” ao presidente.

Parte das evidências foi extraída do inquérito das fake news que tramita no Supremo Tribunal Federal sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes – que também integra os quadros do TSE.

Salomão concluiu, nesta primeira etapa de análise, que “o conjunto probatório das AIJEs 0601968-80 e 0601771-28 não deixa margem para dúvidas de que a campanha dos vencedores das eleições presidenciais de 2018 assumiu caráter preponderante nos meios digitais, mediante utilização indevida, dentre outros, do aplicativo de mensagens whatsapp.”

2 – ABUSO NAS REDES SOCIAIS

No segundo pilar, Salomão abriu caminho para uma nova jurisprudência no TSE, amparando a tese de que redes sociais podem ser consideradas como meios de comunicação para fins de julgamento eleitoral, à luz da Lei Complementar 64/90.

“Penso não haver margem para dúvida de que constitui ato abusivo, a atrair em tese as sanções eleitorais cabíveis, a promoção de disparos em massa em aplicativos de mensagens instantâneas, fazendo chegar ao eleitorado informações inverídicas e enviesadas a respeito de adversários políticos e em contexto no qual determinado candidato sobrevenha como beneficiário dessa prática”, defendeu o ministro.

Definido o enquadramento das condutas denunciadas nas duas AIJEs, restaria aferir o último elemento: a “gravidade” dos fatos.

3 – A GRAVIDADE DOS DISPAROS EM MASSA

É neste terceiro ponto, sobre a “gravidade” dos resultados produzidos pelo uso indevido das redes sociais em benefício da campanha de Bolsonaro, que o ministro Salomão saiu pela tangente e jogou uma boa dose de vinagre na cassação do ex-capitão.

Ele alegou inexistência de provas sobre o teor das mensagens veiculadas, o alcance dos disparos, o modo como o eleitorado foi impactado pelo conteúdo, o grau de participação de Bolsonaro e como tal ação foi financiada.

OS 57 MILHÕES DE VOTOS EM BOLSONARO

Salomão argumentou que o exame desses aspectos que configuram a “gravidade” dos abusos denunciados seria “decisivo” para o caso.

Sobretudo porque Bolsonaro angariou 57 milhões de votos em 2018 e, “embora de modo algum [esse número] possa representar salvo conduto para os candidatos”, o fato, na visão do ministro, é que punir o presidente eleito não poderia ser um ato “desconexo da realidade”.

Trocando em miúdos, Salomão tirou de cena uma discussão bizantina sobre quantas das 57 milhões de pessoas teriam votado em Bolsonaro apenas porque caíram nas fake news contra o PT.

Para um advogado eleitoral com atuação no TSE consultado pela reportagem, “a saída pelo fato consumado e pela vitória no pleito não podem ser critérios válidos. Se houve abuso de poder, a grande quantidade de votos pode ser, ao contrário, exatamente fruto deste abuso”.

O TEOR DAS MENSAGENS

O advogado eleitoral também considerou uma espécie de “inovação” do TSE exigir agora a demonstração do teor das mensagens disparadas e também o seu alcance.

Por um bom tempo, o ministro Jorge Mussi, enquanto relator das AIJEs, sustentou que elas nada tinham a ver com fake news nas eleições. Agora, Salomão reclama que não ficou demonstrado caráter inverídico e difamatório das mensagens.

As partes propõem a ação pelos requisitos e elementos pré estabelecidos, pelas regras pré definidas. O que se viu pode ser caracterizado como um tipo de ‘Novatio iuris in pejus’. Pode trazer uma insegurança jurídica muito grande. Não é razoável mudar os requisitos de formação da ação e da prova depois de 3 anos de trâmite dela.

CULPANDO A DEFESA PELA ECONOMIA DE PROVAS

Também chama atenção no relatório de Salomão a passagem em que ele atribuiu a ausência de provas necessárias à determinação da “gravidade” dos abusos aos advogados do PT e partidos coligados.

Faltou “postura ativa” das partes interessadas, escreveu Salomão.

A manifestação é outro ponto controverso. O próprio Salomão admite que vários pedidos de diligências foram rejeitados por diferentes corregedores. De pente fino em empresários suspeitos de financiar as fake news – como Luciano Hang e Otávio Fakhoury – até acesso à íntegra do inquérito das fake news e outra investigação contra dois fornecedores de serviços de disparo em massa. São dezenas de rejeições.

Aliás, falando nas empresas supostamente envolvidas, parênteses: Salomão admitiu “espanto” ao verificar o “potencial” destas empresas que prometem enviar cerca de 75 mil mensagens por dia. Mas usar esse número para estimar o “alcance” dos disparos na campanha de 2018 seria recorrer a “ilações”, anotou ele.

Os antecessores de Salomão na corregedoria, ministros Mussi e Og Fernandes, foram igualmente econômicos na produção de provas nas ações pela cassação de Bolsonaro. E isso não é exclusividade das AIJEs encabeçadas pelo PT.

A HISTÓRIA SE REPETE

Em uma terceira ação, sobre a invasão do grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, Og Fernandes, então relator, votou para arquivar o processo alegando falta de provas.

Luís Roberto Barroso e Edson Fachin reverteram o arquivamento com discursos sobre a incongruência que seria para o tribunal rejeitar os pedidos de diligências para, na sequência, arquivar a ação por escassez probatória.

“O processo se destina a permitir que o autor produza essa prova. Antes de permitir que ele tente produzir a prova, eu não acho que nós possamos julgar o pedido improcedente”, declarou Barroso.

PAU QUE BATEU EM DILMA NÃO BATE EM BOLSONARO

Há quem diga que todo o imbróglio consiste no fato que o TSE desenvolveu uma “jurisprudência vacilante” depois da eleição de Bolsonaro. Em outras palavras: é tempo de insegurança jurídica.

Quando do julgamento da AIJE que poderia cassar a ex-presidente Dilma Rousseff, movida pelo PSDB, a corregedoria do tribunal teria sido “hiperativa” na produção de provas. Agora, usa “o artifício de jogar nas costas dos advogados a insuficiência da demonstração da gravidade dos abusos, quando essa demonstração poderia ter sido melhor buscada pela corregedoria. Contra Bolsonaro adotaram uma postura passiva, de má vontade”, afirmou outro advogado eleitoral ao GGN.

Em entrevista à TVGGN na véspera do julgamento das AIJES do PT, o advogado do PSOL no TSE, André Maimone, endossou a análise.

Para ele, “o TSE tem uma jurisprudência vacilante porque cada caso é um caso. Os mais simbólicos, envolvendo presidentes, são todos diferentes uns dos outros. No caso da Dilma, por exemplo, diferentemente deste caso [contra Bolsonaro], tivemos oitivas de muitas pessoas, quebras de sigilos, uma ampla instrução probatória. A partir da eleição de 2018 o TSE não foi muito atrás das provas, num entendimento que se consolidou lá no processo da Dilma, de que esse tipo de ação – a AIJE – não tem exatamente uma natureza de investigação, o que é incrível”, disse o especialista.

A SUSPEIÇÃO DE ALEXANDRE DE MORAES

Maimone indicou à reportagem outro ponto relevante no voto de Salomão: o fato de Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news no STF, ter selecionado as provas emprestadas à cassação de Bolsonaro no TSE, uma ação “bastante incomum”.

“É como se o juiz da AIJE fosse também o Alexandre de Morais, que fez um julgamento prévio das peças e das provas que seriam importantes ou não e deveria, portanto, ser compartilhadas ou não. Mas o juízo da conveniência e das provas é o TSE, é o Corregedor.”

Para Alberto Rollo, de uma das principais bancas especializadas em direito eleitoral no País, é possível até arguir a suspeição de Alexandre de Moraes no julgamento das AIJEs. Assista:

Seguiram o voto de Salomão os ministros do TSE Campbell Marques e Sergio Banhos. O placar está 3 x 0, faltando apenas 1 voto para formar maioria contra a cassação de Bolsonaro.

O julgamento será retomado na manhã de quinta-feira (28), com os votos dos outros quatro ministros do TSE. Os três últimos a votar serão Barroso, Fachin e Moraes.

CINTIA ALVES JORNAL GGN” ( BRASIL)

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