O presidente Jair Bolsonaro informou, nesta quinta-feira (14), que estuda a possibilidade de privatizar a Petrobras. “Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer”, disse em entrevista a uma emissora de rádio em Pernambuco, pertencente a uma igreja evangélica local, disse o presidente.
São razões singelas as que movem Bolsonaro a cogitar essa hipótese. Segundo suas próprias explicações, ele está cansado de ser injustamente apontado como responsável pelas altas nos preços do gás de cozinha e dos combustíveis. Privatizando a estatal, pode-se presumir do raciocínio, Bolsonaro se livraria do problema.
A ideia de Bolsonaro não faz muito sentido. A verdade é que, na definição dos seus preços, a Petrobras já atua como uma empresa privada. Sua política de preços determina o repasse, quase automaticamente e sem amortecedores, das variações dos preços internacionais dos combustíveis em dólares, aos preços dos derivados nas refinarias. Essa regra, chamada PPI (Política de Paridade de Importação), foi adotada em 2016, no governo Temer e mantida com Bolsonaro.
Não seria diferente com uma Petrobras privatizada. A regra em vigor protege a empresa de uma eventual descapitalização que afetasse suas margens e a distribuição de dividendos, o objetivo de empresas privadas. Se as cotações internacionais e as do dólar ante o real estiverem em alta, como estão neste momento, os preços subirão, afetando negativamente uma vasta rede de mercados. A inflação não deixaria de ser pressionada, assim como o governo.
Por motivo fútil, como o de Bolsonaro, ou outros, o tema da privatização da grande estatal vai e vem há décadas. Uma rápida passada de olhos no Google ajuda a perceber que os balões de ensaio se concentram em época de campanhas eleitorais e, mais circunstancialmente, em momentos de crise —na própria Petrobras ou nos mercados internacionais de petróleo. Nunca na parte final dos mandatos presidenciais.
Embora o vice, Hamilton Mourão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) tenham feito coro ao desejo declarado de Bolsonaro, no momento, as chances de qualquer avanço nesse assunto são nulas. Pesar vantagens e desvantagens, que são relativamente conhecidas e muitas para qualquer lado, fica para cada freguês. Livrar o presidente de turno do ônus da alta dos preços dos combustíveis é novidade na celeuma histórica.
Quase três anos depois da chegada à Presidência, o estilo de governar do presidente Jair Bolsonaro, fielmente retratado nas confessadas motivações para vender a Petrobras, já é bem conhecido. Esse estilo inclui uma visão tosca de seu papel como governante e um esforço permanente para fugir das responsabilidades quando surgem dificuldades.
Exemplo mais trágico desse estilo é o do enfrentamento da pandemia de covid-19. A culpa pelas centenas de milhares de mortos e dezenas de milhões de infectados, conforme Bolsonaro, é do STF (Supremo Tribunal Federal), que deu autonomia aos governadores para combater a pandemia, deixando o presidente de mãos amarradas, assistindo ao caos nos estados.
Nada a ver com seu espantoso negacionismo, suas batalhas contra as providências recomendadas pelo conhecimento científico, insistência em tratamentos sem comprovação e rejeição de vacinas. A culpa pelas centenas de milhares de mortos e dezenas de milhões de infectados, conforme Bolsonaro, é do STF (Supremo Tribunal Federal), que deu autonomia aos governadores para combater a pandemia, deixando o presidente de mãos amarradas, enquanto, nos estados, promovia-se a instalação do caos sanitário.
Não tem sido diferente com a escalada inflacionária. Parar com a produção de turbulências políticas, ameaças de golpe, fuga das “quatro linhas” e tudo o que afugenta capitais e pressiona as cotações do dólar? Equilibrar a oferta de alimentos, com estoques reguladores, como todos os grandes exportadores, como o Brasil, estão fazendo? Não, o problema da inflação é, de novo com os governadores, que comandam o pernicioso “fica em casa, a economia a gente vê depois”.
Pelas boas regras da economia, ficar em casa, reduzindo pressões de demanda, deveria funcionar para aliviar os desequilíbrios entre oferta e procura. Não ficar em casa, aglomerar sem máscaras, correndo o risco de aumentar o contágio e, em consequência, de colapso hospitalar, poderia resultar em choques simultâneos de oferta e demanda, o que derrubaria a economia e a inflação. Os números, na primeira onda de covid-19, no primeiro semestre de 2020, estão aí para comprovar.
É bem outra, porém, a visão que Bolsonaro tem da formação de preços. Dá para perceber essa percepção quando o presidente lamenta a alta dos preços do gás de cozinha. “Aumenta o gás, a culpa é minha, apesar de ter zerado o imposto federal”. A impressão é que, no caso dos preços de mercado, para Bolsonaro, a única alçada de presidentes é mexer em impostos. E que, tirando impostos, os preços cairão, automaticamente e na mesma proporção.
O caso do ICMS, o imposto estadual sobre consumo, na composição dos preços dos combustíveis, é exemplar, mas não único. Culpando o tributo pela alta de preços dos combustíveis, Bolsonaro levou a Câmara a aprovar um projeto, agora enviado ao Senado, fixando o valor do imposto, que antes variava com a elevação do preço final.
Além de cortes em imposto de importação de alimentos, para enfrentar a escassez interna originada com exportações sem controle dos mesmos produtos, o governo também cortou impostos sobre medicamentos e equipamentos hospitalares, corretamente, em razão da pandemia. Mas armas, games e brinquedos foram beneficiados com reduções de tributos de olho na redução de preços, que agradaria a consumidores. Com forte peso de componentes importados na composição de seus custos e preços, imagine-se o que tem acontecido com os preços – isso mesmo, estão cada vez mais altos.
JOSÉ PAULO KUPFER ” SITE DO UOL” ( BRASIL)