AS PRIMEIRAS EVIDÊNCIAS DA GUERRA COMERCIAL EM TORNO DO CASO PREVENT

CHARGE DE SALDOVAL

Editado em 9 de outubro para inclusão de Direito de Resposta de José Serapieri Filho, da QSaúde

Publicado originalmente em 3 de outubro e editado em 09 de outubro para inclusão do Direito de Resposta de José Serapieri Filho, do QSaúde

Em seu artigo de hoje, na Folha, Élio Gaspari chega ao cerne do caso Prevent Senior, aliás juntando as mesmas peças que reunimos no Xadrez:

  1. A investida do então Ministro da Saúde Henrique Mandetta sobre a Prevent Senior, no início da pandemia, foi um lance de disputa comercial.
  2. No artigo, menciona dois episódios sobre grupos de saúde envolvidos em episódios polêmicos: Unimed (ligada a Mandetta) e José Serapieri Filho, dono hoje do grupo QSaude.
  3. Finalmente, conclui que, espremido por Mandetta, o grupo foi procurar se defender junto a Bolsonaro.

Todas as discussões são sobre as concessões que a Prevent teve que fazer para conseguir o apoio dos Bolsonaro. Mas não se pode deixar de lado o contexto maior.

É um episódio sem mocinhos, mas relevante para entender o papel do escândalo midiático nas disputas comerciais.

Peça 1 – a lógica do escândalo midiático

O escândalo é um dos principais ingredientes da comunicação de massa. Tem várias serventias.

O ponto maior de uma cobertura é seu potencial de galvanizar atenções. A natureza humana é atraída pelo escândalo, pelo escabroso. É nas coberturas escandalosas que os veículos se transformam em profetas de ritos selvagens, com ampla capacidade de direcionamento da massa de leitores em direção a alvos selecionados.

Há o objetivo inicial óbvio de atrair audiência.Há um segundo objetivo no plano comercial. Pode-se utilizar o escândalo em defesa de patrocinadores – caso Daniel Dantas em toda disputa com fundos de pensão. E pode-se utilizar o escândalo para negociar contratos comerciais com os alvos ou com futuros anunciantes. Caso notório é o da TAM, já relatado aqui.

Jornalistas experientes percebem as jogadas comerciais no cheiro.

Foi assim na matéria de Veja contra os cursos apostilados do COC  – história que relato no livro “O caso Veja”, baseado no site com os artigos iniciais.

Era tão disparatado o ataque, que não havia outra explicação senão algum interesse comercial.

De fato, colocada a primeira suspeita abriu-se uma avenida de informações, que revelaram a Abril se preparando para ingressar no mercado de cursos apostilados e tratando de afastar os maiores competidores.

Outro caso óbvio foram os ataques articulados contra o livro “A Nova História Crítica”, um campeão de vendas entre as obras selecionadas pelo MEC. Os grupos de mídia estavam perdidos buscando novos negócios para fugir do cerco das redes sociais. Um dos negócios era a venda de livros, especialmente para a rede escolar.

O primeiro a trilhar esse caminho foi Rupert Murdoch, junto à rede de educação de Nova York. Foi expelido depois que o conselho de seleção julgou que alguém que difundia o racismo, a intolerância e os Fakenews não podia vender seus livros para os estudantes. Outros grupos entraram, como o El País, com a Editora Santillana, que se estabeleceu no Brasil.

O primeiro tiro foi um artigo de Ali Kamel em O Globo, que chamou imediatamente a atenção pela abertura. Nela, ele fazia questão de afirmar que recebeu o livro de presente de um determinado psicólogo – o mesmo que acusou Lula pela morte dos passageiros do avião da TAM. A troco de quê se explicar sobre como o livro chegou às suas mãos?

O artigo era uma série de trechos selecionados, nos quais ele mostrava que o livro elogiava Mao Tse Tung, o stalinismo, entre outros temas.

No dia seguinte, o artigo foi reproduzido pelo Estadão. Ao mesmo tempo, El País fugia de sua linha e publicava – na edição espanhola – reportagem denunciando o livro do MEC que exaltava Stalin e Mao. Deve ter chocado seus leitores espanhóis.

Ao mesmo tempo, o ex-ministro Paulo Renato, consultor da Santillana, encaminhou uma denúncia à Procuradoria Geral da República sobre o conteúdo subversivo do livro, em uma demonstração do macarthismo oportunista do período.

Escrevi um primeiro artigo mostrando os indícios de guerra comercial. Em seguida, recebi um email do editor de “A Nova História Crítica” mostrando os trechos do livro sonegados pelo artigo.

O livro dizia, de fato, que Mao fez uma revolução que mudou a China. Porém -continuava ele -, comandou a revolução cultural e os expurgos que afetaram milhares de adversários. Stalin promoveu os planos de industrialização da União Soviética. Porém, mandou milhares de opositores para a morte e para o exílio na Sibéria. A manipulação era escandalosa.

Vários outros episódios são analisados no livro sobre a Veja. E é automático. Quando surgem esses sinais na cobertura, puxa-se o fio e vem o novelo inteiro.

Peça 2 – os sinais da cobertura sobre a Prevent Senior

Os pontos fora da curva, na cobertura da Prevent Senior são os seguintes:

  1. Na Globonews, houve série de matérias iniciais, com acusações devastadoras contra a empresa, transformada em centro de eugenia, de mortes premeditadas. A Globo não libera matérias dessa natureza contra grandes grupos empresariais. Cerca-se de cuidados, e de consultas aos departamentos comercial e jurídico, antes de deflagrar essas campanhas. Se as reportagens saíram, foi com o consentimento da cúpula.
  2. A própria cobertura da CNN. O canal trouxe um novo padrão de cobertura, com repórteres focando na informação e evitando toda forma de adjetivação. Só recentemente abriu-se alguma exceção para as notícias do governo Bolsonaro. No caso da Prevent, parecia ordem unida, com todos eles mostrando-se “estarrecidos” com os episódios relatados. 
  3. A inundação dos espaços comerciais das emissoras pelas empresas de saúde, obviamente refletindo o aumento da demanda provocado pela pandemia.
  4. Toda a cobertura escondendo informações sobre o padrão da Prevent Senior, seu modelo de negócios e a maneira como conseguiu conquistar o mercado de idosos – abandonado pelos demais planos.
  5. O fato da Prevent Senior ser uma “sem mídia”, empresa que não faz publicidade na mídia, enquanto a luta por seus despojos faria as empresas de saúde superarem os bancos nas verbas comerciais.

Não significa que haja envolvimento dos jornalistas. Eles recebem as informações e vão em frente. Se a empresa tem interesse na denúncia, basta liberar a cobertura. Se não tem, o aquário minimiza a denúncia e tira da pauta.

Peça 3 – os primeiros sinais da disputa comercial

Também não significa que toda cobertura tenha intuito comercial. A lógica desses ambientes de catarse é saber como e onde acender o rastilho. Depois o paiol explode graças à notável falta de discernimento e ao efeito manada na cobertura, que caracteriza a mídia nacional. Em qualquer disputa jornalística saudável, se todo mundo diz A, o competidor vai buscar o B, o ângulo não explorado. Por aqui, desde os anos 90 é o coro da voz única.

O senador Humberto Costa, membro da CPI, taxou as suspeitas de disputa comercial de teoria conspiratória. Não é caso de duvidar da retidão dos membros da CPI, mas de sua falta de intimidade com as grandes guerras comerciais e com os mecanismos de disputa aqui descritos.

Daqui a algum tempo, repórteres que trouxeram as primeiras reportagens irão comentar sobre as assessorias de imprensa que os municiaram de informações. Através das assessorias, se chegará aos cabeças da operação.

Mas os primeiros sinais começam a aparecer.

Os jornalistas passaram a receber notícias sobre a Prevent Senior através do e-mail marketing do grupo Comunique-se. Chamou a atenção um release do IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor), que nunca, antes, havia recorrido a campanhas de e-mail marketing. No release, outro ponto que chamou a atenção foi o IDEC exortar a Agência Nacional de Saúde (ANS) a implementar uma intervenção técnica imediata na Prevent, independentemente das investigações em curso.

Em cada  release o convite: acesse o site da campanha www.saudenaoeexperimento.com

No link mencionado, a parte de cima é um abaixo-assinado para a Agência Nacional de Saúde (ANS)

Diz um trecho do manifesto: 

O caso da Prevent Senior pode ser um dos maiores escândalos médicos da história recente do Brasil, e nós, como cidadãos, exigimos que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) intervenha na gestão da operadora para proteger as famílias que são usuárias do plano. 

Na metade de baixo, links para as principais denúncias contra a empresa e a informação de que o site é fruto de uma parceria 

O teor claramente visa espalhar o pânico.

Assine agorao formulário e pressione a ANS para que cumpra sua função de agência reguladora.

“A situação é urgente, e milhares de pessoas estão em risco!”

Finalmente, a organização completa de uma campanha pelo WhatsApp, que permitirá, aos organizadores, o acesso a uma boa base de clientes da Prevent Senior assustados com as notícias..

Quando se busca pelo domínio em um site de registro, encontra-se uma empresa registrada no Arizona (EUA), aberta no dia 28 de setembro, e sem nenhuma indicação sobre quem seja ela ou seus responsáveis.

A reportagem está aberta para as explicações do IDEC.

DIREITO DE RESPOSTA DE JOSÉ SERIPIERI FILHO

É ultraje redundante e enfadonho a insinuação de que José Seripieri Filho, dono da Qsaúde, esteja ligado a uma “investida do então Ministro da Saúde Henrique Mandetta sobre a Prevent Senior“.

Igualmente rota é a afirmação de que isso configuraria “um lance da disputa comercial“.

Seripieri reafirma, como o fará até a exaustão, que nunca agiu para deflagrar quaisquer investigações, do Ministro da Saúde ou de quem quer que seja, ou mesmo causar algum prejuízo à citada empresa.

E lamenta que, no artigo “As primeiras evidências da guerra comercial em torno da Prevent, por Luiz Nassif” (03.10.2021) o GGN tenha, pela enésima vez, descumprido regra indeclinável do bom jornalismo, de obviedade “acaciana”, consistente em ouvir as partes envolvidas na matéria a que se dá publicidade.

São Paulo, 08 de outubro de 2021.

RAUL LEITE CARDOSO

OAB-SP nº 420.431

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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