OS MILHÕES DE POBRES QUE ASSISTIRAM À MANIFESTAÇÕES DENTRO DE UM BOTIJÃO DE GÁS

CHARGE DE GAZO

Milhões de pobres famintos participaram desta vez das manifestações contra Bolsonaro em todo o Brasil. Não estavam fisicamente presentes porque estão ocupados em sobreviver

Milhões de pobres famintos participaram desta vez das manifestações contra Jair Bolsonaro em todo o Brasil. Não estavam fisicamente presentes porque estão ocupados em sobreviver e não têm tempo para se dedicar à política. Mas desta vez tinham mais motivos do que nunca para gritar “Fora, Bolsonaro!”. Porque além de sofrerem o abandono atávico, sofrem também o abandono de um Governo que os esquece à própria sorte e os abandona à angústia de não ter o que dar de comer aos filhos.

Fazia anos que um motorista de caminhão que transporta ossos sem carne de um mercado para jogá-los no lixão —conforme contou dias atrás— não se via assaltado por um grupo de pessoas, todas mulheres, que disputavam aqueles restos. O caminhoneiro confessou que “deu vontade de chorar”.

Essas pessoas que hoje sofrem fome e desamparo do Governo nunca foram tantas no Brasil rico. Esses milhões que não sabem como sobreviver porque, dizem, “tudo está muito caro”, foram simbolicamente representados por botijões de gás que nunca custaram tanto. Botijões que os pobres não podem mais comprar e que estão obrigando as famílias, sobretudo do Interior, a buscar restos de lenha para cozinhar.MAIS INFORMAÇÕESFrente contra Bolsonaro se fortalece no palanque, mas esbarra em rusgas e não amplia adesão na rua

Bolsonaro havia feito piada dias atrás com aqueles que reclamam de seu fanatismo pelas armas, que ele quer que as famílias comprem, e que em vez disso pedem arroz e feijão. Zombando, ele os aconselhou que se um ladrão entrar em suas casas “atirem nele com feijões”.

A falta de empatia do presidente e seu desprezo pela dor e a pobreza de milhões de pessoas já são conhecidos até mesmo fora do Brasil. Para ele, neste momento em que seu apoio está desmoronando nas pesquisas, a única preocupação com esses milhões sem trabalho e sem comida é que eles possam negar-lhe o voto nas urnas.

As manifestações contra o genocida vão continuar. E se os milhões de pobres que estavam simbolicamente presentes escondidos nos botijões de gás decidirem participar fisicamente delas, o destino do golpista estará traçado e o capitão, com Exército e tudo estará assegurada a sua derrota, já que sua ânsia de dar um golpe vem sendo dissipada.

Ele não terá tempo para suas ameaças golpistas, pois terá que se dedicar à defesa de si mesmo e de sua família do tiroteio de graves acusações que a CPI da Covid-19 lhe está preparando e que poderá conduzi-lo a algum tribunal internacional.

Os milhões de famílias desamparadas e lançadas à própria sorte por um presidente que deixou evidente que não sabe nem quer governar estavam, embora invisíveis, gritando “Fora Bolsonaro”. São esses milhões que sofrem o esquecimento e o desprezo e que não têm esperança de melhorar enquanto o “mito” permanecer no poder. A derrota do capitão abriria caminho para alguém que possa governar este país com normalidade e sem psicopatias. Que ao invés de oferecer armas às famílias, seja capaz de levar às mesas dos mais pobres comida, alegria e dignidade. Essa dignidade que os faz se sentir gente e que não tenham que se contentar com as sobras de comida que antes eram dadas aos animais. Não foi o presidente frio de alma e coração que sugeriu que dessem a esses pobres com fome as sobras dos pratos que jogamos no lixo? O Brasil precisa sair desse inferno social para que as pessoas voltem a recuperar a esperança de serem tratadas melhor que os animais.

Que as manifestações sejam cada vez mais numerosas e que o “Fora Bolsonaro” continue a ressoar nas ruas para que acabe o pesadelo de o Brasil ser governado com essa loucura que hoje o envergonha, empobrece e apequena dentro e fora do país. 

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JUAN ARIAS ” EL PAÍS ” ( ESPANHA / BRASIL)

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras  traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos  outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e  escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a  edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

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