Esta reportagem faz parte do Pandora Papers, projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que reúne mais de 600 repórteres de 151 veículos em 117 países e territórios. O Pandora Papers investigou milhões de documentos de paraísos fiscais em todo o mundo. No Brasil, participaram da apuração Agência Pública, revista piauí, Poder360 e Metrópoles. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves/revista piauí
Milhões de documentos vazados e a maior parceria de jornalismo da história revelam segredos financeiros de 35 líderes mundiais, atuais e passados, mais de 330 funcionários públicos em mais de 91 países e territórios e um elenco global de fugitivos, estelionatários e assassinos.
Os documentos secretos expõem negociações offshore do rei da Jordânia, dos presidentes da Ucrânia, Quênia e Equador, do primeiro-ministro da República Tcheca e do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. Os arquivos também detalham as atividades financeiras do “ministro oficioso da propaganda” do presidente russo, Vladimir Putin, e de mais de 130 bilionários da Rússia, Estados Unidos, Turquia e outros países.
Os registros vazados demonstram que muitos dos atores poderosos que poderiam ajudar a acabar com o sistema offshore em vez disso se beneficiarem dele, escondendo ativos em empresas e fundos sigilosos enquanto seus governos pouco fazem para desacelerar o fluxo global de dinheiro ilícito que enriquece criminosos e empobrece nações.
Entre os tesouros escondidos revelados nos documentos estão:
• Um castelo de US$ 22 milhões na Riviera Francesa – que inclui cinema e duas piscinas –, comprado por meio de empresas offshore pelo primeiro-ministro populista da República Tcheca, um bilionário que protestava contra a corrupção das elites econômicas e políticas.
• Mais de US$ 13 milhões guardados em um fundo secreto na região das Grandes Planícies (centro) dos Estados Unidos por um descendente de uma das famílias mais poderosas da Guatemala, dinastia que controla um conglomerado de cosméticos acusado de prejudicar os trabalhadores e a terra.
• Três mansões à beira-mar em Malibu (Califórnia) compradas por meio de três empresas offshore por US$ 68 milhões pelo rei da Jordânia nos anos seguintes à Primavera Árabe, quando os jordanianos encheram as ruas em protesto contra o desemprego e a corrupção.
Os registros secretos são conhecidos como Pandora Papers.
O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) obteve o conjunto de 11,9 milhões de arquivos confidenciais e liderou uma equipe de mais de 600 jornalistas de 150 veículos de notícias que passaram dois anos examinando-os, rastreando fontes e vasculhando arquivos judiciais e outros registros públicos de dezenas de países.
O maior vazamento de arquivos de paraísos fiscais da história
Investigados por fake news, empresários bolsonaristas têm offshores em paraísos fiscais
Otávio Fakhoury declarou empresas milionárias à Receita Federal, conforme determina a lei; Marcos Bellizia não informou se offshore é de conhecimento das autoridades brasileiras
Os registros que vazaram vêm de 14 firmas de serviços offshore de todo o mundo, que abriram empresas de fachada e outros esquemas offshore para clientes que geralmente buscam manter suas atividades financeiras às escuras. Os registros incluem informações sobre as negociações de quase três vezes mais líderes de países, atuais e antigos, do que qualquer vazamento anterior de documentos em paraísos offshore.
Em uma era de autoritarismo e desigualdade crescentes, a investigação dos Pandora Papers oferece uma perspectiva inigualável de como o dinheiro e o poder atuam no século 21 – e como o estado de direito foi dobrado e violado em todo o mundo por um sistema de sigilo financeiro autorizado pelos Estados Unidos e outros países ricos.
As descobertas do ICIJ e seus parceiros de mídia destacam quão profundamente as finanças sigilosas se infiltraram na política global, e oferecem ideias sobre por que governos e organizações globais avançaram pouco para acabar com os abusos financeiros offshore.
Uma análise dos documentos secretos feita pelo ICIJ identificou 956 empresas em paraísos offshore ligadas a 336 políticos e funcionários públicos de alto nível, incluindo líderes de países, ministros, embaixadores e outros. Mais de dois terços dessas empresas foram estabelecidas nas Ilhas Virgens Britânicas (IVB, ou BVI, na sigla em inglês), jurisdição há muito conhecida como peça chave no sistema offshore.
Pelo menos US$ 11,3 trilhões são mantidos “offshore”, de acordo com um estudo de 2020 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com sede em Paris. Devido à complexidade e ao sigilo desse sistema, não é possível saber quanto dessa riqueza está vinculada à sonegação de impostos e outros crimes e quanto disso envolve fundos que vieram de fontes legítimas e foram relatados às autoridades competentes.
Cada canto do mundo
A investigação dos Pandora Papers desmascara os proprietários secretos de empresas offshore, contas bancárias incógnitas, jatos particulares, iates, mansões e até obras de arte de Picasso, Banksy e outros mestres, fornecendo mais informações do que normalmente está disponível para órgãos judiciais e governos sem recursos. Pessoas vinculadas pelos documentos secretos a ativos offshore incluem o superastro indiano do críquete Sachin Tendulkar, a diva da música pop Shakira, a supermodelo Claudia Schiffer e um mafioso italiano conhecido como “Lell, o Gordo”.
O mafioso, Raffaele Amato, está vinculado a pelo menos uma dúzia de assassinatos. Os documentos fornecem detalhes sobre uma empresa de fachada registrada no Reino Unido que Amato usou para comprar terras na Espanha pouco antes de fugir da Itália para formar seu próprio bando criminoso. Amato, cuja história ajudou a inspirar o elogiado filme “Gomorra”, está cumprindo uma sentença de 20 anos de prisão.
O advogado de Amato não respondeu aos pedidos de comentários. O advogado de Tendulkar disse que o investimento do jogador de críquete é legítimo e foi declarado às autoridades fiscais. O advogado de Shakira disse que a cantora declarou suas empresas, que, segundo ele, não oferecem a ela vantagens fiscais. Os representantes de Schiffer disseram que a supermodelo paga corretamente seus impostos no Reino Unido, onde mora.
Shawn Hubbard/NFL
Os Pandora Papers revelam que a cantora Shakira possui offshores em paraísos fiscais
Na maioria dos países, não é ilegal ter ativos offshore ou usar empresas de fachada para fazer negócios além das fronteiras nacionais. Empresários que operam no plano internacional dizem precisar de empresas offshore para realizar seus negócios financeiros.
Mas esses negócios geralmente significam transferir lucros de países com impostos elevados, onde foram obtidos, para empresas que existem apenas no papel em jurisdições com impostos baixos. O uso de refúgios offshore é especialmente controverso para figuras políticas, porque muitas vezes são uma forma de manter atividades politicamente impopulares ou mesmo ilícitas longe da vista do público.
Na imaginação popular, o sistema offshore é frequentemente visto como uma série de ilhas espalhadas, cheias de coqueiros. Os Pandora Papers mostram que a máquina de fazer dinheiro offshore opera em todos os cantos do mundo, incluindo as maiores democracias. Os principais atores desse sistema incluem instituições de elite – bancos multinacionais, firmas de advocacia e escritórios de contabilidade – sediados nos EUA e na Europa.
Um documento dos Pandora Papers mostra, por exemplo, que bancos do mundo todo ajudaram seus clientes a abrir pelo menos 3.926 empresas offshore com a ajuda da Alemán, Cordero, Galindo & Lee, escritório de advocacia panamenho comandado por um ex-embaixador nos Estados Unidos. O arquivo mostra que a firma – também conhecida como Alcogal – criou pelo menos 312 empresas nas Ilhas Virgens Britânicas para clientes do gigante americano de serviços financeiros Morgan Stanley.
Um porta-voz do Morgan Stanley disse: “Não criamos empresas offshore… Esse processo é independente da empresa e fica a critério e orientação do cliente”.
A investigação dos Pandora Papers também destaca como a Baker McKenzie, a maior firma de advocacia dos Estados Unidos, ajudou a criar o sistema offshore moderno e continua sendo um esteio dessa economia subterrânea.
A Baker McKenzie e suas afiliadas globais têm usado seu conhecimento de lobby e elaboração de leis para moldar a legislação financeira em todo o mundo. Eles também lucraram com o trabalho feito para pessoas e empresas ligadas a fraude e corrupção , constatou a reportagem do ICIJ.
As pessoas para quem a empresa trabalhou incluem o oligarca ucraniano Ihor Kolomoisky, que, segundo as autoridades americanas, lavou 5,5 bilhões de dólares por meio de um emaranhado de empresas de fachada, comprando fábricas e propriedades comerciais em todo o interior dos Estados Unidos.
A Baker McKenzie também trabalhou para Jho Low, financista hoje fugitivo acusado por autoridades de vários países de planejar o desfalque de mais de 4,5 bilhões de dólares de um fundo de desenvolvimento econômico da Malásia conhecido como 1MDB. A apuração do ICIJ descobriu que Low contou com a Baker McKenzie e afiliados para ajudá-lo e a seus sócios a construir uma rede de empresas na Malásia e em Hong Kong. As autoridades americanas afirmam que Low usou algumas dessas empresas para transferir dinheiro saqueado do 1MDB.
Um porta-voz da Baker McKenzie disse que a empresa busca fornecer a melhor consultoria a seus clientes e se esforça para “garantir que nossos clientes cumpram tanto a lei quanto as melhores práticas”. O porta-voz não abordou diretamente muitas questões sobre o papel da Baker McKenzie na economia offshore, citando a confidencialidade do cliente e o privilégio legal. Ele disse que a empresa realiza verificações rigorosas de antecedentes de todos os clientes potenciais.
“Você sabe quem”
A investigação Pandora Papers é maior e mais global do que os Panama Papers, também do ICIJ, que abalaram o mundo em 2016, gerando batidas policiais e nova legislação em dezenas de países e a queda de primeiros-ministros na Islândia e no Paquistão.
Os Panama Papers vieram dos arquivos de um único provedor de serviços offshore: o escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca. Os Pandora Papers fazem um corte longitudinal muito mais amplo dos advogados e intermediários que estão no cerne da indústria offshore.
Os Pandora Papers fornecem mais que o dobro de informações sobre a propriedade de empresas offshore. Ao todo, os novos documentos revelam os verdadeiros proprietários de mais de 29 mil empresas offshore. Os proprietários são de mais de 200 países, sendo os maiores contingentes da Rússia, Reino Unido, Argentina e China.
Os 150 veículos que aderiram à parceria investigativa incluem The Washington Post, BBC, The Guardian, Radio France, Oštro Croatia, Indian Express, The Standard (Zimbábue), Le Desk (Marrocos) e Diario El Universo (Equador).
Foi necessária uma equipe global porque os 14 provedores offshore que são a fonte dos documentos vazados estão sediados em todo o mundo, do Caribe ao Golfo Pérsico e ao Mar da China Meridional.
Três dos provedores pertencem ou são administrados por antigos funcionários graduados de governos, incluindo um ex-ministro e conselheiro presidencial do Panamá e um ex-procurador-geral de Belize, que controla dois provedores.
Por algumas centenas ou alguns milhares de dólares, os fornecedores offshore podem ajudar os clientes a criar uma empresa cujos verdadeiros proprietários permanecem ocultos. Ou, por algo entre 2 mil e 25 mil dólares, eles podem montar um fundo que, em alguns casos, permite que seus beneficiários controlem seu dinheiro enquanto assumem a ficção jurídica de que não o controlam – um pouco de criatividade burocrática que ajuda a proteger bens de credores, agentes da lei e ex-cônjuges.
Os operadores offshore não trabalham isolados. Fazem parcerias com outros provedores de sigilo em todo o mundo para criar camadas interligadas de empresas e fundos. Quanto mais complexos os acordos, mais altas as taxas – e mais sigilo e proteção os clientes podem esperar.
Os Pandora Papers mostram que um contador inglês na Suíça trabalhou com advogados nas Ilhas Virgens Britânicas para ajudar o rei Abdullah II, da Jordânia, a comprar secretamente 14 casas de luxo, no valor de mais de 106 milhões dólares, nos Estados Unidos e no Reino Unido. Os conselheiros o ajudaram a montar pelo menos 36 empresas de fachada de 1995 a 2017.
Em 2017, o rei comprou uma propriedade de 23 milhões de dólares com vista para uma praia na Califórnia por meio de uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas. O rei pagou a mais para que outra empresa das IVB, de propriedade de seus gestores de patrimônio suíços, atuasse como diretor “nominal” da empresa das IVB que comprou a propriedade.
No mundo offshore, os diretores nominais são pessoas ou empresas pagas para servir de fachada para quem está realmente por trás de uma empresa. Os formulários de inscrição enviados aos clientes pelo Alcogal, o escritório de advocacia que trabalha em nome do rei, dizem que o uso de diretores nominais ajuda a “preservar a privacidade, evitando que a identidade do verdadeiro diretor… seja acessível ao público”.
Guedes tem offshore milionária em paraíso fiscal
Documentos exclusivos comprovam o investimento, mas o ministro não é um caso único no governo: o presidente do Banco Central fez o mesmo
Em e-mails, os consultores offshore usaram um codinome para o rei: “Você sabe quem”.
Os advogados do rei no Reino Unido disseram que ele não é obrigado a pagar impostos sob a lei jordaniana e que tem razões de segurança e de privacidade para possuir propriedade em empresas offshore. Eles disseram que o rei nunca fez mau uso de fundos públicos.
Os advogados também disseram que a maioria das empresas e propriedades identificadas pelo ICIJ não tem ligação com o rei ou não existem mais, mas se recusaram a fornecer detalhes.
Especialistas dizem que, como governante de um dos países mais pobres e dependentes de ajuda do Oriente Médio, o rei tem motivos para evitar ostentar sua riqueza.
“Se o monarca jordaniano exibisse sua riqueza mais publicamente, não apenas antagonizaria seu povo, como irritaria doadores ocidentais que lhe deram dinheiro”, disse Annelle Sheline, especialista em autoridade política no Oriente Médio, ao ICIJ.
No vizinho Líbano, onde questões semelhantes sobre riqueza e pobreza estão ocorrendo, os Pandora Papers mostram que importantes figuras políticas e financeiras também adotaram o uso de paraísos offshore.
Entre elas estão o atual primeiro-ministro, Najib Mikati, e seu antecessor, Hassan Diab, bem como Riad Salameh, presidente do banco central do Líbano, que está sob investigação na França por suposta lavagem de dinheiro.
Marwan Kheireddine, ex-ministro de Estado do Líbano e presidente do Banco Al Mawarid, também aparece nos arquivos secretos. Em 2019, ele repreendeu seus ex-colegas parlamentares pela inércia em meio a uma terrível crise econômica. Metade da população vivia na pobreza, lutando para encontrar comida, enquanto padarias e mercearias fechavam.
“Há evasão fiscal e o governo precisa resolver isso”, disse Kheireddine.
Naquele mesmo ano, revelam os Pandora Papers, Kheireddine assinou documentos como proprietário de uma empresa nas Ilhas Virgens que possui um iate de US$ 2 milhões.
O Al Mawarid Bank foi um dos muitos no país que restringiram os saques em dólares americanos por clientes para conter o pânico econômico.
Wafaa Abou Hamdan, uma viúva de 57 anos, está entre os libaneses comuns que continuam irritados com as elites de seu país. Por causa da inflação galopante, as economias que fez durante toda a sua vida despencaram do equivalente a 60 mil para menos de 5 mil dólares, disse ela a Daraj, um parceiro de mídia do ICIJ.
“Todos os esforços da minha vida foram em vão. Trabalhei continuamente nas últimas três décadas”, disse ela. “Ainda lutamos diariamente para nos manter vivos”, enquanto “os políticos e os banqueiros… transferiram e investiram seu dinheiro no exterior”.
Kheireddine e Diab não responderam a pedidos de comentários. Em uma resposta por escrito, Salameh disse que declara seus bens e cumpriu todas as obrigações fiscais sob a lei libanesa. O filho de Mikati, Maher, disse que é comum as pessoas no Líbano usarem empresas offshore “devido ao fácil processo de incorporação”, mais que pelo desejo de sonegar impostos.
The Washington Post
Um contador na Suíça trabalhou com advogados nas Ilhas Virgens Britânicas para ajudar o rei Abdullah II, da Jordânia (ao centro), a comprar secretamente 14 casas de luxo, no valor de mais de 106 milhões dólares, nos EUA e Reino Unido
“Coalizão dos corruptos”
Imran Khan, a superestrela do críquete do Paquistão que se tornou político anticorrupção, ficou exultante quando a investigação dos Panama Papers do ICIJ foi divulgada em abril de 2016.
“Os vazamentos são enviados por Deus”, disse ele.
Os Panama Papers revelaram que os filhos do então primeiro-ministro do Paquistão, Nawaz Sharif, tinham laços com pelo menos três empresas offshore. Isso deu a Khan uma oportunidade para atacar Sharif, seu principal rival político, no que Khan descreveu como a “coalizão dos corruptos” que assola o Paquistão.
“É nojenta a forma como, no mundo em desenvolvimento, é saqueado o dinheiro de pessoas que já estão privadas de necessidades básicas: saúde, educação, justiça e emprego”, disse ele ao The Guardian, parceiro do ICIJ, em 2016. “Esse dinheiro é investido em contas offshore, ou mesmo em países ocidentais, bancos ocidentais. Os pobres ficam mais pobres. Os países pobres ficam mais pobres e os países ricos, mais ricos. Contas offshore protegem esses criminosos.”
No final das contas, o tribunal superior do Paquistão removeu Sharif do cargo como resultado de uma investigação iniciada pelos Panama Papers. Khan entrou para substituí-lo na eleição nacional seguinte.
Os Pandora Papers trazem atenção renovada para o uso de empresas offshore por atores políticos do Paquistão. Desta vez, as participações offshore de pessoas próximas a Khan estão sendo divulgadas, incluindo um importante financista e a família de seu ministro das Finanças.
Os documentos também mostram que o ministro de recursos hídricos de Khan, Chaudhry Moonis Elahi, contatou a Asiaciti, provedora de serviços financeiros offshore em Cingapura em 2016, sobre montar um fundo para investir os lucros de um negócio de terras de uma família que havia sido financiado pelo que o credor mais tarde alegou ser um empréstimo ilegal. O banco disse às autoridades paquistanesas que o empréstimo foi aprovado devido à influência do pai de Elahi, um ex-vice-primeiro-ministro.
Os registros da Asiaciti dizem que Elahi desistiu de colocar dinheiro em um fundo de investimento em Cingapura depois que o provedor disse a ele que relataria os detalhes às autoridades fiscais do Paquistão.
Elahi não respondeu aos pedidos de comentário. Por meio de um porta-voz, Khan não respondeu diretamente a uma pergunta sobre membros de seu círculo interno que mantinham entidades offshore. O porta-voz disse que a administração de Khan adotou como prioridade a responsabilidade e a transparência, aumentando o número de funcionários do governo necessários para divulgar seus ativos financeiros.
Outras figuras políticas também se manifestaram contra o sistema offshore, enquanto vivem cercados por nomeados e outros apoiadores que possuem ativos no exterior. Alguns usam o sistema eles próprios.
“Os bens de todos os servidores públicos devem ser declarados publicamente para que as pessoas possam questionar e perguntar – o que é legítimo?”, disse o presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, em uma entrevistada à BBC em 2018. “Se você não consegue se explicar, inclusive eu mesmo, então tenho um caso para responder”.
Os registros vazados listam Kenyatta e sua mãe como beneficiários de uma fundação secreta no Panamá. Outros membros da família, incluindo seu irmão e duas irmãs, possuem cinco empresas offshore com ativos de mais de US$ 30 milhões, mostram os registros.
Kenyatta e sua família não responderam aos pedidos de comentários.
O primeiro-ministro da República Tcheca, Andrej Babis, um dos homens mais ricos de seu país, subiu ao poder prometendo reprimir a evasão fiscal e a corrupção. Em 2011, à medida que se envolvia mais com a política, Babis disse aos eleitores que queria criar um país “onde os empresários façam negócios e fiquem felizes em pagar impostos”.
Os registros vazados mostram que, em 2009, Babis injetou US$ 22 milhões em uma série de empresas de fachada para comprar uma extensa propriedade, conhecida como Chateau Bigaud, em um vilarejo no topo de uma colina em Mougins, na França, perto de Cannes.
Babis não revelou a propriedade dessas empresas de fachada e do castelo nas declarações de bens que ele deve apresentar como funcionário público, de acordo com documentos obtidos pelo parceiro tcheco do ICIJ, Investigace.cz. Em 2018, um conglomerado imobiliário controlado indiretamente por Babis comprou com discrição a empresa de Mônaco que possuía o castelo.
Babis não respondeu a pedidos de comentários.
Um porta-voz do conglomerado disse ao ICIJ que a empresa cumpre a lei. Ele não respondeu às perguntas sobre a aquisição do castelo. “Como qualquer outra entidade empresarial, temos o direito de proteger nossos segredos comerciais”, escreveu.
“Um paraíso de golpes”
Os arquivos secretos fornecem uma camada de contexto de bastidores para os pronunciamentos públicos deste ano sobre riqueza e refúgios offshore, enquanto governos de todo o mundo lutam com cortes de receita, a pandemia, a mudança climática e a desconfiança pública.
Em fevereiro, um comentário do Instituto Tony Blair para Mudança Global instou os legisladores a buscar, entre outras medidas, impostos mais altos sobre terras e residências. Blair, o fundador e presidente-executivo do instituto, falou sobre como os ricos e bem relacionados evitavam pagar sua parte nos impostos já em 1994, quando fez campanha para se tornar o líder do Partido Trabalhista do Reino Unido.
“Para aqueles que podem contratar os contadores certos, o sistema tributário é um paraíso de golpes e vantagens… e lucros”, disse ele durante um discurso em West Midlands, na Inglaterra. “Não devemos fazer de nossas regras fiscais um playground para abusadores de impostos que pagam pouco ou nada, enquanto outros pagam mais do que sua parte.”
Os Pandora Papers mostram que em 2017 Blair e sua mulher, Cherie, tornaram-se proprietários de um edifício vitoriano de 8,8 milhões de dólares ao adquirir a empresa das Ilhas Virgens Britânicas que detinha a propriedade. O prédio em Londres hospeda hoje o escritório de advocacia de Cherie Blair.
Os registros indicam que Cherie e seu marido – que serviu como diplomata no Oriente Médio após deixar o cargo de primeiro-ministro em 2007 – compraram a imobiliária offshore da família do ministro da Indústria e Turismo do Bahrein, Zayed bin Rashid al-Zayani.
Ao comprar as ações da empresa em vez do prédio, os Blairs se beneficiaram de um acordo legal que os salvou de ter que pagar mais de US$ 400 mil em impostos sobre a propriedade.
Os Blairs e os al-Zayanis disseram que inicialmente não sabiam sobre o envolvimento um do outro no negócio.
Cherie Blair disse que seu marido não estava envolvido na transação e que seu objetivo era “trazer a empresa e o prédio de volta ao regime fiscal e regulatório do Reino Unido”.
Ela também disse que “não queria ser dona de uma empresa nas IVB” e que o “vendedor para seus próprios fins só queria vender a empresa”. A empresa agora está fechada.
Por meio de seu advogado, al-Zayanis disse que suas empresas “cumpriram todas as leis do Reino Unido no passado e no presente”.
“Essas são brechas que estão disponíveis para pessoas ricas, mas não para outras pessoas”, disse Robert Palmer, diretor-executivo da Tax Justice UK, ao The Guardian. “Os políticos precisam consertar o sistema tributário para que todos paguem sua parte justa.”
Em junho, o ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, propôs um pacote de reforma tributária que incluía um imposto de 30% sobre os lucros auferidos por meio de entidades offshore. Especialistas estimam que os mais ricos do Brasil detêm quase 200 bilhões de dólares em fundos não tributados fora do país.
“Não se pode ter vergonha de ser rico”, disse Guedes. “Você deve ter vergonha de não pagar impostos.”
Depois que banqueiros e líderes empresariais se opuseram ao aumento de impostos na legislação, Guedes, um ex-banqueiro milionário, concordou em remover o imposto sobre os lucros offshore. As negociações sobre a legislação continuam.
Os Pandora Papers revelam que Guedes criou a Dreadnoughts International Group em 2014 nas Ilhas Virgens Britânicas.
Em resposta a perguntas da revista piauí, parceira do ICIJ no Brasil, um porta-voz de Guedes disse que o ministro declarou a empresa às autoridades brasileiras. O porta-voz não forneceu registros para confirmar essa afirmação e não respondeu à pergunta sobre a retirada do imposto offshore da legislação.
Isac Nóbrega/PR
Em 2014, o ministro da Economia Paulo Guedes criou a empresa Dreadnoughts International Group nas Ilhas Virgens Britânicas, um conhecido Paraíso Fiscal
“Caixa de Pandora”
Em dezembro de 2018, as Bahamas promulgaram legislação exigindo que as empresas e certos fundos fiduciários declarem seus verdadeiros proprietários a um registro governamental. A nação insular estava sob pressão de países maiores, incluindo os Estados Unidos, para que tentasse bloquear os sonegadores de impostos e criminosos do sistema financeiro.
Alguns políticos das Bahamas se opuseram à medida. Eles reclamaram que o registro desencorajaria clientes latino-americanos ricos a fazer negócios no Caribe. “Os vencedores desses novos critérios duplos são os estados norte-americanos de Delaware, Alasca e Dakota do Sul”, disse um advogado local.
Meses depois, um documento confidencial indicou que a família do ex-vice-presidente da República Dominicana Carlos Morales Troncoso deixou de usar as Bahamas como santuário para suas riquezas. Como novo refúgio, escolheram um lugar a cerca de 2,5 mil quilômetros de distância: Sioux Falls, na Dakota do Sul, no norte dos Estados Unidos.
A família montou fundos em Dakota do Sul, mostram os registros que vazaram, para guardar vários ativos, incluindo ações que detinham em uma empresa açucareira dominicana. A família não respondeu a perguntas sobre os bens transferidos das Bahamas para Dakota do Sul.
Os Pandora Papers fornecem detalhes sobre dezenas de milhões de dólares transferidos de paraísos offshore no Caribe e na Europa para Dakota do Sul, estado norte-americano de baixa densidade populacional que se tornou um importante destino de ativos estrangeiros.
Na última década, Dakota do Sul, Nevada e mais de uma dúzia de outros estados dos EUA se transformaram em líderes na oferta de sigilo financeiro. Enquanto isso, a maioria das políticas e esforços de repressão judicial dos países mais poderosos do mundo se concentrou em paraísos offshore “tradicionais”, como Bahamas, Cayman e outras ilhas paradisíacas.
Os Estados Unidos são um dos maiores players no mundo offshore. É também o país em melhor condição para pôr fim aos abusos financeiros offshore graças ao importante papel que exerce no sistema bancário internacional. Por causa do status do dólar americano como a moeda global, a maioria das transações internacionais entra e sai de operações bancárias sediadas em Nova York.
As autoridades norte-americanas tomaram medidas nas últimas duas décadas para forçar os bancos da Suíça e de outros países a entregar informações sobre cidadãos dos EUA com contas no exterior. Mas os EUA estão mais interessados em forçar outros países a compartilhar informações sobre os bancos americanos offshore do que em compartilhar informações sobre a movimentação de dinheiro por meio de contas bancárias, empresas e fundos americanos.
Os Estados Unidos se recusaram a aderir a um acordo de 2014 apoiado por mais de cem jurisdições, incluindo as Ilhas Cayman e Luxemburgo, que exigiria que as instituições financeiras norte-americanas compartilhassem as informações que possuem sobre os ativos estrangeiros.
Ano após ano em Dakota do Sul, legisladores estaduais aprovaram leis elaboradas por membros do setor de truste, oferecendo cada vez mais proteções e outros benefícios para clientes de fideicomisso nos Estados Unidos e no exterior. Os ativos dos clientes em trustes da Dakota do Sul mais que quadruplicaram na última década, e agora valem 360 bilhões de dólares.
“Como cidadã, estou muito triste porque meu estado foi o que abriu a caixa de Pandora”, disse a ex-parlamentar Susan Wismer ao ICIJ.
Em 2020, 17 das 20 jurisdições menos restritivas do mundo para trustes eram estados norte-americanos, de acordo com um estudo do pesquisador israelense Adam Hofri-Winogradow. Em muitos casos, disse ele, as leis dos EUA tornaram mais difícil para os credores colocarem as mãos sobre o que lhes é devido, incluindo pagamentos de pensão alimentícia de pais ausentes.
Usando documentos dos Pandora Papers, o ICIJ e The Washington Post identificaram cerca de 30 trustes com sede nos Estados Unidos ligadas a estrangeiros acusados de má conduta ou cujas empresas foram acusadas de contravenção.
Entre eles está Federico Kong Vielman, cuja família é uma das potências econômicas da Guatemala.
Em 2016, Kong Vielman transferiu 13,5 milhões de dólares para um consórcio em Sioux Falls. Parte do dinheiro veio da empresa de sua família, que fabrica ceras para pisos, batons e outros produtos.
A mídia guatemalteca noticiou durante décadas os laços da família com a política. Na década de 1970, reportagens identificaram a família como um importante aliado do general Carlos Manuel Arana Osorio, ex-ditador guatemalteco conhecido como o “Chacal de Zacapa”. Em 2016, o hotel de luxo da família na Cidade da Guatemala ofereceu uma cortesia de cem noites ao então presidente Jimmy Morales. A mídia local noticiou a suspeita de um possível pagamento por “favores políticos”.
Em 2014, as autoridades trabalhistas dos EUA entraram com uma queixa contra o governo da Guatemala que incluía denúncias de que a empresa de óleo de palma da família remunerava mal seus trabalhadores e os expunha a produtos químicos tóxicos. Os registros da empresa mostram que Kong Vielman foi anteriormente o tesoureiro da empresa.
Um ano depois, as autoridades ambientais dos Estados Unidos, fornecendo assistência técnica à Guatemala, descobriram que a empresa lançava poluentes no rio Pasion. A empresa familiar Nacional Agro Industrial SA, conhecida como Naisa, não foi autuada.
A Naisa disse ao ICIJ que seguiu a lei e não poluiu o rio. A denúncia trabalhista foi resolvida por um painel de arbitragem, segundo a empresa. Já Kong Vielman se recusou a responder a perguntas sobre o fundo na Dakota do Sul.
Outro rico latino-americano que fundou trustes na Dakota do Sul é Guillermo Lasso, banqueiro que foi eleito presidente do Equador em abril. Documentos vazados mostram que Lasso transferiu ativos para dois fundos na Dakota do Sul em dezembro de 2017, três meses depois que o parlamento do Equador aprovou uma lei proibindo funcionários públicos de manter ativos em paraísos fiscais. Os registros revelam que Lasso transferiu duas empresas offshore para os trustes da Dakota do Sul de duas fundações secretas no Panamá.
Lasso disse que o uso que fazia de offshores no passado era “legal e legítimo”. Ele afirmou também cumprir a lei equatoriana.
Trustes constituídos na Dakota do Sul e em vários outros dos Estados Unidos continuam envoltos em sigilo, apesar da promulgação neste ano da Lei de Transparência Corporativa dos Estados Unidos, que torna mais difícil para os proprietários de certos tipos de empresas ocultar suas identidades.
Não se espera que a lei se aplique a trustes populares entre cidadãos não americanos. Outra isenção gritante, dizem os especialistas em crimes financeiros, é que muitos advogados que criam trustes e empresas de fachada não têm a obrigação de examinar as origens da fortuna de seus clientes.
“Claramente, os EUA são uma grande brecha no mundo”, disse Yehuda Shaffer, ex-chefe da unidade de inteligência financeira israelense. “Os EUA estão criticando todo o resto do mundo, mas em seu próprio quintal esse é um problema muito, muito sério.”
“Despesas extraordinárias”
O império de construção do bilionário turco Erman Ilicak teve um grande ano em 2014.
A Rönesans Holding, empresa do magnata russo, concluiu a construção de um palácio presidencial de 1.150 quartos para o líder belicoso de seu país, Recep Tayyip Erdogan, em meio a rumores na mídia sobre estouros de orçamento e episódios de corrupção e uma ordem judicial que tentou impedir o projeto.
Outro evento notável envolvendo a família Ilicak aconteceu em 2014, desta vez longe dos holofotes públicos. A mãe do titã corporativo de 74 anos, Ayse Ilicak, tornou-se dona de duas empresas offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, de acordo com os Pandora Papers.
Ambas as empresas foram chefiadas por diretores e acionistas nominais. Uma delas, a Covar Trading Ltd., detinha ativos do conglomerado de construção da família, dizem os registros. Durante seu primeiro ano de operação, a Covar Trading teve receitas de 105,5 milhões de dólares em dividendos, de acordo com demonstrações financeiras confidenciais. O dinheiro foi guardado em uma conta na Suíça.
Não ficou lá por muito tempo.
Naquele mesmo ano, segundo mostram os relatórios, a empresa gastou quase todos os 105,5 milhões de dólares em uma “doação” listada em “despesas extraordinárias”. As declarações não detalham para onde foi o dinheiro.
Illiack não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.
Ilicak e os outros bilionários dos Pandora Papers vêm de 45 países, sendo o maior número da Rússia (52), Brasil (15), Reino Unido (13) e Israel (10).
Os bilionários norte-americanos mencionados nos documentos secretos incluem dois magnatas da tecnologia, Robert F. Smith e Robert T. Brockman, cujos fundos têm sido alvo de investigações por autoridades americanas. Ambos foram clientes da CILTrust, provedor offshore em Belize operado por Glenn Godfrey, ex-procurador-geral de Belize.
No ano passado, Smith concordou em pagar às autoridades dos EUA US$ 139 milhões para encerrar uma investigação fiscal. Um júri dos EUA indiciou Brockman, mentor e financiador de Smith, no que os promotores descreveram como a maior fraude fiscal da história dos EUA.
Smith não quis comentar. Brockman se declarou inocente.
Nem a CILTrust nem Godfrey foram acusados de irregularidades. A Godfrey não respondeu aos pedidos de comentários.
Um escritório de advocacia em Chipre, o Nicos Chr. Anastasiades and Partners, aparece nos Pandora Papers como um importante intermediário offshore para os russos ricos. A empresa mantém o nome de seu fundador, o presidente de Chipre, Nicos Anastasiades, e as duas filhas do presidente são sua sócias,
Os registros mostram que, em 2015, um gerente de compliance da Alcogal descobriu que o escritório de advocacia com conexões políticas ajudou um bilionário russo e ex-senador, Leonid Lebedev, a ocultar a propriedade de quatro empresas, listando os funcionários do escritório de advocacia como proprietários das companhias de Lebedev.
Lebedev – um magnata do petróleo e produtor de cinema com conexões em Hollywood – fugiu da Rússia em 2016 depois que as autoridades o acusaram de desviar 220 milhões de dólares de uma empresa de energia. Lebedev não respondeu aos pedidos de comentários. Não se sabe em que estágio está o processo iniciado pelas autoridades russas.
O escritório de advocacia também preparou cartas de referência para o magnata russo do aço Alexander Abramov, incluindo uma redigida dias depois que o governo dos Estados Unidos acrescentou o nome do bilionário à lista de oligarcas sancionados próximos ao presidente Putin. Abramov não respondeu aos pedidos de comentário.
Theophanis Philippou, o diretor-administrativo da firma de advocacia, disse à BBC, parceira do ICIJ, que nunca enganou as autoridades ou ocultou a identidade do proprietário de uma empresa. Ele se recusou a comentar sobre os clientes, citando a confidencialidade advogado-cliente.
Outro russo nos Pandora Papers ligado a Putin é Konstantin Ernst, um executivo de televisão e produtor indicado ao Oscar. Ele é conhecido como um dos grandes responsáveis pela criação da imagem de Putin, um talento criativo que vendeu à nação a ideia de que o presidente é o “salvador obstinado da Rússia”.
Os Pandora Papers revelam que foi dada a Ernst a chance de participar de uma oportunidade financeira altamente lucrativa logo após produzir as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi, criando um espetáculo que impulsionou a reputação de Putin dentro e fora do país.
Ernst tornou-se um parceiro silencioso, escondido atrás de várias empresas offshore, em um enorme contrato de privatização financiado pelo Estado – um acordo para comprar dezenas de cinemas e outras propriedades da prefeitura de Moscou.
Os registros vazados mostram que, em 2019, o valor da participação pessoal de Ernst no negócio ultrapassou 140 milhões de dólares.
Ernst disse ao ICIJ que “nunca fez segredo” de seu envolvimento no negócio de privatização e que ele não foi uma compensação por seu trabalho durante as Olimpíadas de 2014.
“Não cometi nenhuma ação ilegal”, disse ele. “Nem estou cometendo agora ou prestes a fazê-lo. Foi assim que meus pais me criaram.”
“Nosso modo de vida”
Como ativista de direitos humanos e combate à pobreza, Mae Buenaventura aderiu à luta para garantir a devolução de bilhões de dólares do falecido ditador das Filipinas Ferdinand Marcos, sua família e amigos, escondidos em contas suíças e outros locais difíceis de rastrear.
Muitos em seu país natal, disse Buenaventura, “sabem que os ricos têm maneiras e meios de acumular riquezas e também de escondê-las de uma forma que as pessoas comuns não possam alcançá-las”.
O escândalo de Marcos também foi didático para o mundo, incentivando esforços cada vez maiores para descobrir dinheiro ilícito e punir as pessoas que o escondem.
Nos últimos 20 anos, líderes políticos prometeram “erradicar” os paraísos fiscais. Eles chamaram as empresas de fachada e lavagem de dinheiro de “ameaças à nossa segurança, nossa democracia e nosso modo de vida”, aprovaram novas leis e assinaram acordos internacionais.
Mas o sistema offshore é extremamente adaptável, e o crime financeiro internacional, a evasão fiscal e a desigualdade continuam prosperando.
Quando um provedor ou jurisdição offshore é exposto ou sofre pressão das autoridades, outros usam seu infortúnio como oportunidade de marketing, abocanhando clientes que fogem para refúgios mais seguros.
Uma análise do ICIJ identificou centenas de empresas offshore que encerraram seus relacionamentos com a firma de advocacia Mossack Fonseca depois do lançamento da investigação dos Panama Papers. Outros provedores assumiram sua posição como agentes offshore das empresas.
Uma delas era controlada por um fundo offshore cujos beneficiários incluíam a mulher de Jacob Rees-Mogg, membro do Partido Conservador britânico e atual líder da Câmara dos Comuns. Os Pandora Papers indicam que uma holding e um fundo que beneficiava sua mulher, Helena de Chair, possuíam “quadros e pinturas” no valor de 3,5 milhões de dólares.
Outra empresa que se afastou da Mossack Fonseca foi uma entidade das IVB controlada pela viúva e dois filhos da figura do submundo indiano Iqbal Memon. Memon foi identificado em reportagens como um importante traficante de drogas com ligações com terroristas. Sua viúva e filhos, acusados de lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, são procurados desde 2019 pelas autoridades de Nova Delhi.
Nas Filipinas, o dinheiro movido nas sombras continua a ser um problema, apesar da atenção dada à atuação offshore de Ferdinando Marcos, ex-presidente do país. Nos últimos anos, o Departamento de Estado dos EUA classificou as Filipinas como uma “importante jurisdição para lavagem de dinheiro”.
As figuras políticas filipinas nos Pandora Papers incluem Juan Andres Donato Bautista, que de 2010 a 2015 foi presidente da Comissão Presidencial de Bom Governo – painel criado para rastrear os bilhões de Marcos.
Um mês depois de ser nomeado para chefiar a comissão, Bautista criou uma empresa de fachada nas IVB, que tinha uma conta bancária em Cingapura, segundo documentos secretos.
Bautista foi escolhido mais tarde para liderar a agência eleitoral do país, mas os legisladores decidiram por seu impeachment em 2017 depois que sua mulher afirmou que ele acumulou milhões de dólares em contas bancárias não declaradas no país e no exterior.
Em um telefonema para o ICIJ, Bautista disse que criou sua empresa nas IVB a conselho de banqueiros. A conta bancária foi aberta antes que entrasse para o governo, disse, acrescentando que ela nunca recebeu depósitos significativos e que ele revelou seus interesses às autoridades. Ele negou desvios e afirmou que não há acusações formais contra ele.
Apesar dos fracassos das Filipinas e de outros países em conter o fluxo de dinheiro encoberto, Buenaventura e outros defensores da reforma dizem que há motivos para esperança.
Manifestações de rua ajudaram a derrubar líderes nacionais na Islândia e no Paquistão após os Panama Papers. As Filipinas se juntaram a dezenas de países que agora exigem que as empresas revelem seus verdadeiros proprietários. As autoridades filipinas recuperaram cerca de 4 bilhões de dólares roubados por Marcos e seu círculo, usando-os para comprar terras para agricultores sem terra e para indenizar famílias de vítimas de assassinato ou “desaparecimento forçado” pelo regime do ditador.
Muitos obstáculos permanecem. Grandes bancos, escritórios de advocacia e outros grupos poderosos costumam se opor a regras de transparência e fiscalização mais rígidas contra abusos no exterior. E nas Filipinas, como em muitos outros países, ativistas anticorrupção enfrentam ameaças legais, prisões e violência.
No mês passado, a polícia disparou jatos de água contra manifestantes em protestos pelo 49º aniversário da declaração da lei marcial por Marcos, chamando a atenção para as semelhanças entre àquele governo e o atual, de Rodrigo Duterte.
Buenaventura disse que ela e outros ativistas continuarão trabalhando para expor a riqueza que está “profundamente escondida”.
“Nosso slogan é: A verdade aparecerá.” Histórias como essa precisam ser conhecidas e debatidas pela sociedade. A gente investiga para que elas não fiquem escondidas por trás de interesses escusos. Se você acredita que o jornalismo de qualidade é necessário para um mundo mais justo, nos ajude nessa missão.
PUBLICADO PELA “AGÊNCIA PÚBLICA DE INVESTIGAÇÃO” ( BRASIL)
Colaboradores: Michael W. Hudson, Scilla Alecci, Will Fitzgibbon, Agustin Armendariz, Sydney P. Freedberg, Margot Gibbs, Malia Politzer, Delphine Reuter, Emilia Díaz-Struck, Gerard Ryle, Ben Hallman, Dean Starkman, Fergus Shiel, Serdar Vardar e Pelin Ünker (DW Turquia), Elyssa Christine Lopez e Karol Ilagan (Centro de Jornalismo Investigativo das Filipinas), Pavla Holcová (Investigace, República Tcheca), Hala Nassredine (Daraj, Líbano), Allan de Abreu (Revista Piauí, Brasil), Leo Sisti (L’Espresso, Itália), Simon Goodley (The Guardian, Reino Unido), Ritu Sarin (The Indian Express), Nassos Stylianou (BBC, Reino Unido), Francisco Rodriguez e Enrique Naveda (Plaza Pública, Guatemala), Debra Cenziper (Washington Post , EUA), Jelena Cosic, Spencer Woodman, Brenda Medina, Maggie Michael, Richard HP Sia, Kathleen Cahill, Joe Hillhouse, Mia Zuckerkandel, Asraa Mustufa, Hamish Boland-Rudder, Miguel Fiandor Gutiérrez, Pierre Romera, Madeline O’Leary, Tom Stites, Kathryn Kranhold, Margot Williams, Antonio Cucho Gamboa, Soline Ledésert, Bruno Thomas, Anne L’Hôte, Madeline O’Leary, Maxime Vanza Lutaonda, Denise Hassanzade Ajiri, Jesús Escudero, Marcos García Rey, Mago Torres, Karrie Kehoe, Sean McGoey, Anisha Kohli, Fakhar Durrani, Carlos Monteiro, Douglas Dalby e Laura Bullard.