A gente podia passar sem essa. Um palhaço vestido de empresário usa a CPI como vitrine da sua empresa: mostra um vídeo institucional no início do depoimento e segue falando como se fizesse um discurso motivacional para a equipe de colaboradores.
Não era o caso de interromper o depoimento e mandar prendê-lo por desacato? Por usufruir de um bem público para fins particulares – fez propaganda na casa do povo? Ou levá-lo ao cárcere pelo bom humor descabido a um interrogado por incentivar “fake news”? Bom humor cujo pano de fundo é o otimismo forçado de um sujeito narcisista e bobo? Como se não estivéssemos no meio de uma das maiores crises sanitárias já presenciadas?
Não há como achar graça dos cerca de 600 mil brasileiros mortos pela covid. Ainda que a vacinação avance no Brasil, mais de 500 pessoas morrem por dia. Muito menos do que as 2 mil mortes diárias no país idolatrado pelo bobo da corte da semana, uma lástima. Mas, ainda assim, uma tragédia.
Em que pese a preferência pelos candidatos A, B ou C, é nosso dever exigir respeito quando entram na nossa casa. Pois o Congresso é, sim, nossa casa. Ou, em virtude dos problemas que lá existem, devemos abrir mão da Câmara e Senado e entregar as instituições a um bando de desqualificados sem qualquer censo de civilidade?
Talvez a tropa de choque mobilizada para proteger o pateta da semana queira mesmo é criar confusão e ganhar com isso, perpetuar as negociatas e encher o bolso com dinheiro desonesto. Mas creio haver outro motivo, além do pragmatismo vigarista.
Bandidos originários, incapazes de se organizar em torno de um objetivo social comum, resta aos inquilinos do Governo Federal e adjacentes, como o farsante de empresário, externar sua raiva acumulada em décadas de alijamento. Devolvem, agora no poder, todo o desprezo que a sociedade lhes impôs. Por esse motivo, zombam das instituições, tentam enfraquecê-las. Espertalhões cuja máxima habilidade é uma boa lábia, querem fazer crer que essas instituições não funcionam para ninguém pelo simples fato de não legitimarem seus objetivos pessoais.
A inoperância do Governo Federal segue uma lógica parecida. Não basta não saber fazer políticas sociais, econômicas, sanitárias, ambientais, de educação e cultura. É necessário destruir qualquer projeto que promova o bem-estar da população. Não sei fazer, não quero saber fazer e tenho raiva de quem sabe. Quando o proeminente mandatário da república disse que queria acabar com tudo que está aí, não é estranho a ausência de políticas construtivas.
Mas há outro aspecto a se considerar, esse talvez o calcanhar de aquiles da turma que ocupa o Palácio do Planalto: bandido anseia por reconhecimento. Assim como o depoente da CPI se vangloria de empregar milhares de pessoas, como se os colaboradores lhe devessem um favor e não apenas trabalhassem para sua empresa, o mandatário do Executivo precisa de aplausos. Por enquanto, compra meia dúzia de fantoches para bater palmas a qualquer bobagem que fala. E ele, ao que parece, se agarra desesperadamente à crença de que aquelas poucas mãos reproduzem o barulho das multidões.
Mas a popularidade do governo caiu, e muito. Hoje, por volta de 4 em 5 brasileiros não aprovam seu trabalho. Ou, pior: sua pessoa. E pelo andar da carruagem real, há, à frente, pedras gigantes que devem causar danos irreversíveis aos eixos da nave cambaleante: inflação, desemprego, fome, centenas de milhares mortes.
O carro ganha velocidade. O magnânimo, ao volante, perde o controle. Na próxima curva, haverá alguém que o ajude? Ou ao menos um, unzinho e derradeiro, abraço amigo? Cadê aquele palhaço sem graça? Trocou de picadeiro, o infeliz?
RICARDO A.FERNANDES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)
Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE-SP). Autor do romance “Através”.
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