Paulo Freire não era um educador. Não há adjetivos para qualificar Paulo Freire. Educadores somos nós, milhares e milhares de professoras e professores que tentam, em salas de aula ou fora dela, discutir saberes com alunas e alunos. Paulo Freire era um inspirador de sonhos. Era um homem que dava sentido à esperança do encontro educativo, tanto do professor que almejava ensinar, como do aluno pretendia aprender. Dava este sentido não de uma maneira convencional, tipicamente institucional, mas motivando.
Assim como um professor iluminado pelas bases pedagógicas de Paulo Freire nunca vai a um debate somente para dizer, o aluno sob sua influência também não comparece ao colóquio apenas para escutar. Muito ao contrário, ambos se encontram em comunhão para ajudarem-se mutuamente a libertarem-se da ignorância, ou melhor, suplantarem seus conceitos em construção já adquiridos, uma vez que ignorância, ignorância, nunca há. O ser humano, ao contrário dos animais comuns que se adaptam às circunstâncias da natureza, sempre são capazes de interceder para superar suas adversidades, de modo que a razão é uma dádiva que todas as pessoas têm e que as fazem capazes de superarem suas próprias limitações intelectuais ou amarras ideológicas, desde que, evidentemente, um processo pedagógico esteja atento a isso.
Talvez seja este ponto em específico que incomoda tanto os abutres do obscurantismo brasileiro, o fato de que há que se ter consciência de que sendo todo ser humano suscetível de aprender e ensinar, há também toda suscetibilidade de aprender e ensinar para o bem ou para o mal. Haver sido um oprimido, para usar as palavras pedagógicas de Paulo Freire, não significa que não se venha a ser um opressor. Tampouco haver sido um opressor é condição de imutabilidade para que um dia não se venha ajudar a transformar a vida de oprimidos, libertando-os, e, também, agindo em seu próprio processo de libertação permanente.
Transformações são naturais e necessárias, a única que não se deve fazer é calar-se, omitir-se, aceitar um certo fatalismo fantasioso de determinismo histórico que faz com que alguns cream que é impossível mudar uma realidade já predeterminada e outros assim a aceitem porque dela se aproveitam. E é óbvio que a realidade precisa ser mudada para melhor. Afinal, milhões de desempregados, de mulheres que apanham diariamente dos maridos, de negros que se acotovelam nos presídios apenas por causa da cor, milhões que que sofrem por não terem suas sexualidades aceitas pela sociedade, suas crenças, pessoas que não conseguem ler esse texto, muitas por não terem acessibilidade, e tantas e tantas outras por ainda não saberem simplesmente ler, merecem e devem viver numa sociedade diferente, mais humana, fraterna, ecologicamente sustentável e feliz.
É óbvio que a pedagogia do Paulo Freire é crítica. Dizer que é ideológica não a ofende, antes disso, a eleva ao patamar daquilo que realmente merece ser levado a sério. Mas não é crítica ou ideológica, porque é de esquerda, extrema-esquerda ou algo que o valha, é crítica e ideológica porque coloca a importância do diálogo no centro do processo de aprendizagem. Empodera todos os atores nessa construção coletiva de saberes, apesar das diferentes funções. E, acima de tudo, é crítica e ideológica, porque quando ensina um analfabeto a escrever seu nome não o ensina apenas a rabiscar palavras, mas a entender o peso que essas palavras representam na sociedade. Ensina quem ele é, quem ele pode ser e quem ele efetivamente será. Viva Paulo Freire!
MARCELO UCHÕA ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)